VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO
Uma média de duas unidades de saúde da atenção básica (clínica da
família ou centro municipal de saúde) por dia interrompem o atendimento a
pacientes em função de episódios de violência. De acordo com a
Secretaria municipal de Saúde, nos nove primeiros meses deste ano, foram
notificados 552 episódios vermelhos, quando a falta de segurança no
território coloca em risco a equipe e os pacientes — no ano passado, de
janeiro a outubro, foram 380 paralisações. Em outros 1.246 episódios,
alguma unidade notificou amarelo, suspendendo as atividades externas
para a segurança dos funcionários. Essa rotina de violência a que estão
expostos profissionais de saúde que atuam em unidades instaladas em
áreas de risco foi escancarada no último domingo, quando bandidos
sequestraram um médico da UPA da Maré para socorrer um comparsa baleado.
Os códigos vermelho e amarelo fazem parte de um protocolo do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, implantado na rede municipal de
saúde, desde 2009, para minimizar o impacto da violência e tentar
proteger os profissionais. Todo o treinamento, no entanto, não foi capaz
de evitar a desativação de uma unidade de saúde no Complexo do Alemão,
em dezembro do ano passado.
Os profissionais da Clínica da
Família Palmeiras, que funcionava em uma das estações do teleférico do
Alemão, realizavam uma atividade, inclusive com a participação de
crianças, quando houve um tiroteio entre bandidos e policiais da UPP,
que se abrigaram na unidade. Todos ficaram na linha de tiro. Segundo a
Secretaria municipal de Saúde, após o ocorrido, decidiu-se por dividir
as equipes e o atendimento à população entre outras unidades de atenção
básica da região.
‘Os profissionais já não querem mais trabalhar nessas unidades’, diz secretário de Saúde
A rede estadual, a qual está vinculada a UPA da Maré, a primeira a ser inaugurada no Rio, em 2007, vive realidade semelhante.
—
Temos que brigar para que essas unidades, que funcionam em locais onde
as pessoas mais precisam, mantenham-se abertas. Mas, independentemente
da vontade do governo estadual ou municipal, os profissionais já não
querem mais trabalhar nessas unidades (em áreas conflagradas). Essa
guerra urbana afeta todo mundo — afirma o secretário estadual de Saúde,
Luiz Antonio Teixeira Jr.
E não sai da memória de uma profissional
de enfermagem de uma UPA da Zona Oeste — por segurança, as unidades não
serão identificadas. Ela conta que a rotina fica ainda mais tensa em
madrugadas de baile.
— Os bandidos entram levando comparsas
intoxicados por loló, por cocaína. Mostram que estão armados. Uma vez,
um menor se drogou no baile e chegou em óbito na UPA. Foi levado por um
grupo de dez bandidos, que batiam nas paredes e gritavam que ele
precisava viver. Um inferno. Como fazer alguém que chega morto viver? —
conta.
Com apenas porteiros trabalhando nas entradas das UPAs, as equipes passam os dias e as noites expostas.
— Na UPA em que trabalho, os porteiros nem têm ficado de madrugada,
porque estão sem receber salários. A entrada da unidade é tomada por
mendigos e usuários de crack durante a madrugada. Eles consomem drogas,
usam o banheiro da UPA e dormem nos bancos. A porta está sempre aberta. E
nós, a mercê de todo tipo de violência — relata um profissional que
atua numa unidade de pronto atendimento na Zona Norte. — Enfrentamos uma
rotina muito dura para trabalhar nessas áreas.
‘Gritam e colocam o dedo na nossa cara’, relata uma funcionária
Uma profissional de enfermagem que atua numa UPA da Zona Oeste classifica os plantões noturnos como “infernais”:
—
Quando há baile aqui na vizinhança, nos preparamos para o pior. E a
maioria das equipes é formada por mulheres. Chegam bandidos intoxicados
por drogas de todos os tipos. Não negamos atendimento. Para nós, não
importa se é santo ou bandido. Mas atendemos sendo observados e
pressionados por pessoas armadas. Não puxam a arma para a gente, mas
gritam e colocam o dedo na nossa cara. Fazem ameaças. Isso é muito comum
nas UPAs que funcionam em áreas de risco. Essa é nossa rotina, e
ninguém faz nada — desabafa.
Outra funcionária de uma UPA na Zona Norte também relata a presença de usuários de drogas na unidade durante a madrugada:
—
Moradores de rua e usuários de drogas tomam conta da UPA quando a noite
chega. De madrugada, entram e saem, usam o banheiro, tomam banho, usam o
bebedouro. Consomem drogas no pátio da unidade e dormem nos bancos.
Deixam tudo imundo. Sem segurança, as pessoas têm acesso a qualquer
setor. Nunca fui agredida, mas me sinto vulnerável sentada no meu
consultório, fazendo meu trabalho, que é atender quem chega passando
mal. Tenho colegas que já foram agredidos, afrontados e até humilhados
por pacientes usuários de drogas.
O secretário estadual de Saúde
afirmou que vem conversando com a Polícia Militar para fazer parcerias
que garantam a segurança dos profissionais de saúde e ressaltou a
necessidade dessas unidades estarem dentro das comunidades carentes,
“onde as pessoas mais precisam”.
A Secretaria municipal de Saúde,
por meio de nota, afirmou que “cumpre sua obrigação legal de levar os
serviços públicos à população e, neste sentido, manterá as unidades de
saúde e o atendimento médico nas comunidades carentes que mais precisam
de assistência”, ressaltando que “a segurança pública é uma atribuição
do estado”.
(
Nenhum comentário:
Postar um comentário