terça-feira, 17 de outubro de 2017

Violência fechou duas clínicas de saúde da família por dia, nos nove primeiros meses do ano

VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO
 Moradores de rua dormem no pátio de uma UPA

Uma média de duas unidades de saúde da atenção básica (clínica da família ou centro municipal de saúde) por dia interrompem o atendimento a pacientes em função de episódios de violência. De acordo com a Secretaria municipal de Saúde, nos nove primeiros meses deste ano, foram notificados 552 episódios vermelhos, quando a falta de segurança no território coloca em risco a equipe e os pacientes — no ano passado, de janeiro a outubro, foram 380 paralisações. Em outros 1.246 episódios, alguma unidade notificou amarelo, suspendendo as atividades externas para a segurança dos funcionários. Essa rotina de violência a que estão expostos profissionais de saúde que atuam em unidades instaladas em áreas de risco foi escancarada no último domingo, quando bandidos sequestraram um médico da UPA da Maré para socorrer um comparsa baleado. 

Os códigos vermelho e amarelo fazem parte de um protocolo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, implantado na rede municipal de saúde, desde 2009, para minimizar o impacto da violência e tentar proteger os profissionais. Todo o treinamento, no entanto, não foi capaz de evitar a desativação de uma unidade de saúde no Complexo do Alemão, em dezembro do ano passado. 

Os profissionais da Clínica da Família Palmeiras, que funcionava em uma das estações do teleférico do Alemão, realizavam uma atividade, inclusive com a participação de crianças, quando houve um tiroteio entre bandidos e policiais da UPP, que se abrigaram na unidade. Todos ficaram na linha de tiro. Segundo a Secretaria municipal de Saúde, após o ocorrido, decidiu-se por dividir as equipes e o atendimento à população entre outras unidades de atenção básica da região.

 A UPA da Maré foi inaugurada em 2007
 ‘Os profissionais já não querem mais trabalhar nessas unidades’, diz secretário de Saúde

A rede estadual, a qual está vinculada a UPA da Maré, a primeira a ser inaugurada no Rio, em 2007, vive realidade semelhante. 

— Temos que brigar para que essas unidades, que funcionam em locais onde as pessoas mais precisam, mantenham-se abertas. Mas, independentemente da vontade do governo estadual ou municipal, os profissionais já não querem mais trabalhar nessas unidades (em áreas conflagradas). Essa guerra urbana afeta todo mundo — afirma o secretário estadual de Saúde, Luiz Antonio Teixeira Jr.

E não sai da memória de uma profissional de enfermagem de uma UPA da Zona Oeste — por segurança, as unidades não serão identificadas. Ela conta que a rotina fica ainda mais tensa em madrugadas de baile.

— Os bandidos entram levando comparsas intoxicados por loló, por cocaína. Mostram que estão armados. Uma vez, um menor se drogou no baile e chegou em óbito na UPA. Foi levado por um grupo de dez bandidos, que batiam nas paredes e gritavam que ele precisava viver. Um inferno. Como fazer alguém que chega morto viver? — conta. 

 Morador de rua dormindo em banco de uma UPA
 Com apenas porteiros trabalhando nas entradas das UPAs, as equipes passam os dias e as noites expostas.

— Na UPA em que trabalho, os porteiros nem têm ficado de madrugada, porque estão sem receber salários. A entrada da unidade é tomada por mendigos e usuários de crack durante a madrugada. Eles consomem drogas, usam o banheiro da UPA e dormem nos bancos. A porta está sempre aberta. E nós, a mercê de todo tipo de violência — relata um profissional que atua numa unidade de pronto atendimento na Zona Norte. — Enfrentamos uma rotina muito dura para trabalhar nessas áreas.

‘Gritam e colocam o dedo na nossa cara’, relata uma funcionária

Uma profissional de enfermagem que atua numa UPA da Zona Oeste classifica os plantões noturnos como “infernais”:

— Quando há baile aqui na vizinhança, nos preparamos para o pior. E a maioria das equipes é formada por mulheres. Chegam bandidos intoxicados por drogas de todos os tipos. Não negamos atendimento. Para nós, não importa se é santo ou bandido. Mas atendemos sendo observados e pressionados por pessoas armadas. Não puxam a arma para a gente, mas gritam e colocam o dedo na nossa cara. Fazem ameaças. Isso é muito comum nas UPAs que funcionam em áreas de risco. Essa é nossa rotina, e ninguém faz nada — desabafa.

Outra funcionária de uma UPA na Zona Norte também relata a presença de usuários de drogas na unidade durante a madrugada:

— Moradores de rua e usuários de drogas tomam conta da UPA quando a noite chega. De madrugada, entram e saem, usam o banheiro, tomam banho, usam o bebedouro. Consomem drogas no pátio da unidade e dormem nos bancos. Deixam tudo imundo. Sem segurança, as pessoas têm acesso a qualquer setor. Nunca fui agredida, mas me sinto vulnerável sentada no meu consultório, fazendo meu trabalho, que é atender quem chega passando mal. Tenho colegas que já foram agredidos, afrontados e até humilhados por pacientes usuários de drogas.

O secretário estadual de Saúde afirmou que vem conversando com a Polícia Militar para fazer parcerias que garantam a segurança dos profissionais de saúde e ressaltou a necessidade dessas unidades estarem dentro das comunidades carentes, “onde as pessoas mais precisam”. 

A Secretaria municipal de Saúde, por meio de nota, afirmou que “cumpre sua obrigação legal de levar os serviços públicos à população e, neste sentido, manterá as unidades de saúde e o atendimento médico nas comunidades carentes que mais precisam de assistência”, ressaltando que “a segurança pública é uma atribuição do estado”.

( Flávia Junqueira/Extra.Globo.com)

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