O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro - 27/07/2017 (Carlos Garcias Rawlins/Reuters)
A crise econômica e humanitária que atinge a Venezuela, que vive clima de tensão na véspera das eleições para uma Assembleia Constituinte, transborda das próprias fronteiras e atinge o Brasil. Nos primeiros seis meses de 2017, 7600 venezuelanos pediram refúgio ao governo brasileiro, conforme dados da Polícia Federal (PF). O número é maior do que a soma de todos os pedidos nos cinco anos anteriores.
A maioria dos migrantes entra pela fronteira entre os dois países em Pacaraima, no norte de Roraima, vindos de Santa Helena de Uairén. A rota continua por mais 200 quilômetros até Boa Vista onde se pode fazer o registro posto da PF e encontrar comida e trabalho — mesmo que seja para limpar vidros nos semáforos da cidade. Ao contrário da onda imigração haitiana, poucos são os venezuelanos que saem de Roraima. Muitos mantêm as famílias na Venezuela e desejam voltar quando a situação do país melhorar.
“A fome é o principal motivo para a vinda deles. Não há comida. E quando tem é muito cara”, diz a Irmã Telma Santos, que atua no Centro de Migração e Direitos Humanos da Cáritas na região.
Outro motivos citados por Telma são a falta de trabalho, a violência e o medo da Guarda Nacional Bolivariana, um dos organismos de segurança usados na repressão contra manifestantes.
A demanda por trabalho e por atendimento médico dos novos moradores locais vêm sobrecarregando o sistema de saúde local. Segundo a ONG Human Rights Watch, o hospital geral de Roraima atendeu em média 300 pacientes venezuelanos por mês em 2017. A busca pela UTI Neonatal também aumentou, já que as mulheres temem que os filhos morram por falta de atendimento adequado no lado caribenho da fronteira.
Em Manaus, a prefeitura precisou improvisar um sistema para abrigar os cerca de 600 índios da etnia Warao que cruzaram a fronteira, também por fome. “A situação aqui é preocupante. A pressão sobre nós vai continuar”, diz Arthur Virgílio, o prefeito da cidade. Para o político, o ideal seria que o governo brasileiro instalasse um centro humanitário na fronteira.
Crise brasileira dificulta ação
“É do interesse brasileiro que os nossos vizinhos estejam bem, porque com eles em crise sempre acaba tendo um impacto na gente”, diz o embaixador e vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, Luiz Augusto Castro Neves.Para Neves, o Brasil tem dificuldade de lidar com a Venezuela por diversos fatores. O primeiro obstáculo é a crise econômica brasileira, que já atingiu 14 milhões de desempregados, e dificulta a absorção dos imigrantes no mercado de trabalho. Se o aumento do fluxo de venezuelanos mantiver a tendência de crescimento, vai pressionar ainda mais o sistema.
Além disso, o governo brasileiro não consegue influenciar os eventos na vizinhança por meio da ação diplomática. Apesar da censura de Brasília ao regime de Nicolás Maduro, a diplomacia brasileira se mostrou incapaz de tomar medidas mais enérgicas para ajudar na resolução do conflito — seja na tentativa de conciliação entre chavistas e oposição, seja na aplicação de sanções econômicas impostas pelo Mercosul. Para o embaixador, a dificuldade de operar é motivada pela situação interna: “O governo Temer tem outra prioridade, que é a sobrevivência. Como que vai falar grosso lá fora?”.
Risco de calote
No âmbito econômico, impacto da crise também foi sentida: o volume de exportações do Brasil para a Venezuela em abril deste ano foi o mais baixo desde setembro de 1989. “As exportações nacionais caíram como um todo, mas para o regime chavista, em comparação, foi muito pior”, diz o economista e professor do Insper, Otto Nogami.No acumulado de 12 meses, as vendas brasileiras chegaram ao auge de 5,4 bilhões de dólares em agosto de 2012. Desde então vem caindo até chegarem 987 milhões de dólares em junho deste ano. “Nós vendemos para lá feita em dólares e, no momento, a Venezuela quase não tem mais a moeda americana em estoque, o que dificulta o pagamento de seus compromissos”.
Com a falta de dinheiro da Venezuela, os setores brasileiros que mais perderam foram o de máquinas e equipamentos e produtos farmacêuticos. A Coca Cola, por exemplo, parou de operar no país porque não consegue mais ter acesso a açúcar. Para piorar, as notas das agências crédito para o país também vem caindo. Em junho, a S&P rebaixou a nota da Venezuela de CCC para CCC- e fez uma alerta: existe risco de calote.
Para Nogami, contudo, uma eventual implosão econômica do país caribenho não teria grande impacto no Brasil. Primeiro, porque a economia da Venezuela é muito pequena em comparação com a brasileira. Segundo, porque o país se tornou um parceiro comercial muito pequeno para ter um impacto profundo. “Felizmente, hoje temos uma baixa exposição”, diz.
(Por Cláudio Goldberg Rabin/Veja.Abril.com.br)
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