sábado, 20 de fevereiro de 2021

Bolsonaro interfere na Petrobras, indica general para presidência e estatal perde R$ 28,2 bilhões em valor de mercado

 PRESIDÊNCIA


Com 71 anos, general Silva e Luna serviu os últimos cinco anos na Defesa e, atualmente, presidia Itaipu

Depois de sinalizar seu descontentamento com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, o presidente Jair Bolsonaro anunciou formalmente sua intenção de tirá-lo da empresa. Nessa sexta-feira (19), indicou o general da reserva Joaquim Silva e Luna para o cargo, em substituição a Castello Branco, cujo mandato atual se encerra em 20 de março. Silva e Luna é atualmente o presidente de Itaipu. O Conselho de Administração da Petrobras ainda precisa aprovar o nome indicado, podendo barrar essa indicação.

No início da noite desta sexta-feira, em comunicado ao mercado, a Petrobras anunciou ter recebido ofício Ministério das Minas e Energia (MME) solicitando a convocação de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) para substituição e eleição de membro do Conselho de Administração, e a indicação de Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente.

Além disso, a União propõe que todos os membros do conselho de administração sejam, imediatamente, reconduzidos na própria AGE, para cumprimento do restante dos respectivos mandatos. O ofício solicita ainda que Luna seja avaliado pelo conselho da Petrobras para o cargo. No comunicado ao mercado, a e mpresa esclarece também que Castello Branco e os demais diretores executivos têm mandato vigente até 20 de março de 2021. O presidente da estatal pode ser reconduzido ao cargo por três vezes. Os gestores podem, no entanto, serem destituídos a qualquer momento. No caso de Castello Branco, que assumiu o cargo em março de 2019, tudo indicava que seria reconduzido pelo conselho em reunião que será realizada na terça (23) e quarta-feira (24). Mas o anúncio de Bolsonaro muda o rumo dessa discussão.

O temor de interferência política na Petrobras, com as ameaças do presidente Bolsonaro ao comando da estatal, já havia feito, ao longo do dia, um enorme estrago nas ações da petroleira. Os papéis ON (ordinários, com direito a voto) caíram 7,92%, enquanto os PN (preferenciais, sem direito a voto) recuaram 6,63%. No total, a empresa perdeu R$ 28,2 bilhões em valor de mercado.

Reações
O anúncio provocou reações fortes. Salim Mattar, ex-secretário de desestatização do governo federal, classificou como "lastimável", em seu perfil no Twitter, a indicação do general Silva e Luna para a estatal. "Lastimável a decisão do governo de tirar Roberto Castello Branco do comando da Petrobras. Roberto é um profissional extremamente qualificado que tirou a empresa literalmente do fundo do poço após o maior escândalo de corrupção do planeta. Em seu lugar será nomeado mais um militar", disse Mattar.

Marcelo Mesquita, que é conselheiro da Petrobras, disse que ações como a do presidente Bolsonaro acabam prejudicando o valor de mercado da companhia. "O mandato dos presidentes da Petrobras duram, em média, dois anos desde o governo de Getúlio Vargas. Alguém acha isso normal? Dois anos é muito pouco para se desenvolver uma estratégia de longo prazo", disse. Mesmo assim, Mesquita afirmou que o conselho deve analisar o nome de Joaquim Silva e Luna sem preconceito, com base no currículo.

Integrantes do Conselho de Administração da Petrobras avaliam entregar o cargo com a saída de Castello Branco, segundo fontes da cúpula da companhia que preferem não ter o nome revelado. Essa hipótese já estava posta pela manhã, à medida que avançavam as ofensivas à gestão da companhia e ganhou força após a demissão do executivo ser anunciada, na noite desta sexta.

Uma das fontes argumenta que a interferência política do presidente da República na Petrobras vai contra o posicionamento da maioria do conselho, que defende a autonomia da empresa e liberdade para que possa definir livremente reajustes de preços dos combustíveis. "Quem ficar no conselho vai ter de responder à Comissão de Valores Mobiliários", disse a fonte.

Embora a maioria dos membros do colegiado tenha sido indicada pelo governo federal, o perfil dos integrantes da cúpula da estatal é de alinhamento ao mercado financeiro.O conselho da Petrobrás é formado por 11 membros. Desse total, sete são eleitos pelo acionista controlador, a União. Há ainda uma representante dos empregados e outros três dos acionistas minoritários. Os conselheiros da União, embora sejam indicados pelo governo, são independentes. A maioria do quadro fez carreira na iniciativa privada e tem experiência de participação em conselhos de administração de grandes empresas.

A pressão de Bolsonaro sobre Castello Branco ficou evidente na quinta-feira, durante a live semanal nas redes sociais. Ele anunciou que, a partir de 1° de março, não haverá mais incidência de PIS e Cofins sobre o preço do óleo diesel. O presidente disse ter considerado o aumento anunciado pela Petrobras na quarta-feira, o quarto do ano, "fora da curva" e "excessivo". Ele reforçou que não pode interferir na estatal, mas ressaltou que a medida iria "ter consequência". Para o lugar de Silva e Luna em Itaipu foi indicado o general de Exército da reserva João Francisco Ferreira.


PERFIL
O general Silva e Luna iniciou sua carreira militar em 10 de fevereiro de 1969, na Academia Militar das Agulhas Negras - como Bolsonaro -, onde se graduou aspirante a oficial da arma de Engenharia em 16 de dezembro de 1972. Nos seus 12 anos como oficial general da ativa, foi comandante da 16.ª Brigada de Infantaria de Selva, em Tefé, Amazonas, de 2002 a 2004; chefe do Estado-Maior do Exército de 2011 a 2014 e comandou várias Companhias de Engenharia de Construção na Amazônia. Luna tem pós-graduação em Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército/1998); e doutorado em Ciências Militares (Escola de Comando e Estado- Maior do Exército -1987/88). No exterior, foi membro da Missão Militar Brasileira de Instrução e Assessor de Engenharia na República do Paraguai, de 1992 a 1994; e adido de Defesa, Naval, do Exército e Aeronáutico no Estado de Israel, de 1999 a 2001. Com 71 anos, serviu seus últimos cinco anos no Ministério da Defesa. Foi o primeiro militar a ocupar o cargo de ministro da Defesa, desde a criação em 1999. É considerado alguém de perfil discreto e pacificador. Confirmada a nomeação de Joaquim Silva e Luna, o general não será o único militar no comando da Petrobras. Dois dos integrantes também vieram das Forças Armadas. Eduardo Barcellar Leal Ferreira é almirantes de esquadra da Marinha. Ruy Flaks Schneider é oficial da reserva da Marinha. Ambos são próximos do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.


(Por:André Borges e Anne Warth/Agência Estado)

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