Pelé, 75 anos, a majestade inconteste. No dia do aniversário de Edson Arantes do Nascimento, confira dez fotos icônicas — comentadas pelo próprio Rei — que narram a construção do mito e ilustram os tempos de ouro da seleção brasileira
O REI
Pelé(Paulo Vitale/VEJA) Em
dez fotografias, o mesmo número de sua lendária camisa, o maior jogador
da história do futebol empreende para VEJA um passeio pela memória dos
melhores anos da seleção brasileira, quando, em quatro Copas, de 1958 a
1970, a equipe de camisa amarela conquistou três títulos mundiais e se
inscreveu na galeria dos grandes mitos esportivos de todos os tempos.
Pelé foi o único jogador presente em todas aquelas batalhas e o maior
símbolo de um Brasil vencedor.
As cenas escolhidas pelo rei do futebol reconstroem os anos que
tornaram a camisa verde e amarela sinônimo do melhor futebol do planeta,
mistura de arte, força, habilidade, invenção e competitividade. Um
tempo que o mundo relembra como mítico. Em poucas palavras: a era Pelé.
Quando surgem Pelé, Garrincha ou Maradona, a Copa deixa de ser indecifrável (Acervo Luiz Carlos Barreto/IMS/VEJA)(Acervo Luiz Carlos Barreto/IMS/VEJA) Campeão em seu primeiro Mundial, quando tinha 17 anos, Pelé garante
que não se sentiu cobrado: "Foi tudo muito rápido, um sonho". O peso de
ser a estrela da companhia veio depois, à medida que as atuações de gala
no Santos e na seleção consolidavam seu nome como marca de alcance
mundial. Uma marca tão poderosa que o próprio homem que a encarnava, o
mineiro Edson, passou a se referir ao supercraque na terceira pessoa. "O
Pelé tinha uma impulsão danada", afirma, olhos brilhando, diante da
foto de seu gol de cabeça contra a Itália na final de 1970, o primeiro
da vitória de 4 a 1 que deu ao Brasil o tricampeonato. "O pessoal
esquece porque na época não havia televisão."
Trata-se de uma meia verdade. A transformação de Pelé num fenômeno
provavelmente insuperável - o homem que, em vez de quinze minutos, terá
"quinze séculos de fama", segundo Andy Warhol - deve-se tanto ao seu
gênio quanto à difusão cada vez maior do futebol via TV e às lutas pelos
direitos civis dos negros que a sociedade americana exportava para o
mundo, processos amadurecidos junto com sua carreira. "Mas naquela época
apagavam os videoteipes, gravavam por cima", lamenta. O que não havia
mesmo nos anos 1960 era a cobertura exaustiva dos últimos tempos, à qual
ele atribui as contestações à sua majestade.
É evidente que as comparações que o perseguem há décadas - em
especial com Maradona, mas hoje também com Messi - machucam o Rei.
Sobretudo quando partem de seus compatriotas, numa rejeição que parece
ter menos a ver com futebol do que com o espírito naturalmente
conciliador e o conservadorismo que marcam suas atuações fora de campo.
Sem que o interlocutor toque no assunto, o único jogador a ganhar três
Copas do Mundo e a marcar 1 283 gols se defende: "Sou brasileiro!
Maradona e Messi só chutam de esquerda".
É desnecessário recorrer ao patriotismo. Antes de morrer, em 2006, o
húngaro Ferenc Puskas, líder da lendária seleção húngara de 1954, teve
tempo de votar no melhor jogador da história. Escolheu o argentino Di
Stéfano e explicou: "Recuso-me a classificar Pelé como jogador. Ele
estava acima disso".
SUÉCIA, 1958
(VEJA.com/VEJA) "Quando marquei o último gol da final contra a Suécia, fiquei zonzo
do choque de cabeça com o beque. Como o juiz apitou o fim do jogo,
pensei: 'Vou ficar um pouco por aqui'. Aí veio o Garrincha me levantar, e
eu não parei mais de chorar. Só pensava uma coisa: será que a minha
família sabia que éramos campeões? Na época não tinha televisão,
telefonar era difícil. Hoje o cara mete um gol e diz: 'Beijo, mãe!'. Só
no dia seguinte eu falei com meus pais pelo rádio. Sempre me perguntam
como, aos 17 anos, eu aguentei a pressão, a responsabilidade de ganhar a
Copa. Mas a responsabilidade era do Didi, do Vavá, do Gilmar... Aquilo
para mim foi um sonho. Agradecia a Deus por estar lá."
CHILE, 1962
(VEJA.com/VEJA) "É engraçado. Claro que 1962 foi um momento pessoal triste: eu tinha
feito um gol no primeiro jogo contra o México, mas senti uma distensão
na coxa na partida seguinte, contra a Checoslováquia. Não esperava ficar
fora até a final da Copa, mas fiquei. Nessa foto estou na arquibancada
torcendo porque, como não estava inscrito, não podia ficar no banco.
Mesmo com o carinho dos torcedores chilenos, eu tinha a certeza de que,
se estivesse jogando, não sofreria tanto. Mas, graças a Deus, fomos
campeões, então compensou tudo, né? A compensação foi melhor ainda
porque a alegria foi para todos os jogadores e toda a nação. Triste
mesmo foi quatro anos depois."
INGLATERRA, 1966
(VEJA.com/VEJA) "Chegamos à Inglaterra em clima de 'já ganhou'. A preparação foi uma
loucura, montaram três times com reservas e tudo, toda hora a equipe
mudava. Uma seleção bicampeã não precisava de tantos testes."
(VEJA.com/VEJA) "Aqui eu apareço treinando no gol, como sempre gostei de fazer, e
lembro que nos dias de preparação nós, os jogadores, conversávamos sobre
a importância, em termos de moral, de ganhar a Copa no país onde o
futebol nasceu. Infelizmente perdemos para Portugal, eu me contundi no
meio do jogo e só continuei em campo porque não havia substituição. No
avião comecei a orar e decidi me despedir da seleção. Eu tinha jogado
três Copas e sido campeão em duas. Pensei: 'Está bom, né?'. Aquela foi
pesada para caramba. A contusão era séria, nos ligamentos do joelho
direito, e fiquei seis meses sem jogar no Santos. Nunca tinha ficado
tanto tempo fora. Mas aí fiquei bom, o time começou a ir bem em 1968,
69, e veio a cosquinha: e se eu jogasse só mais uma?"
(VEJA.com/VEJA) MÉXICO, 1970 "Eu fiz mais de 1 000 gols, e as pessoas adoram lembrar gols que eu
não fiz. Não é justo! Esse do drible no Mazurkiewicz contra o Uruguai é
um dos mais famosos, pena que não saiu o gol. O que impressiona todo
mundo, eu acho, é a rapidez do raciocínio. Ele vinha para me fazer foul,
me agarrar, então eu larguei a bola e saí dele. No momento dessa foto
ele tenta voltar para o gol, e foi por isso que me precipitei um pouco:
eu ainda tinha um segundinho ali para bater certo, mas achei que ele ia
chegar e por isso toquei rápido, e errei. Quase bateu na trave."
(VEJA.com/VEJA) "Esse gesto que ficou famoso, do soco no ar, aqui em nossa estreia na
Copa, contra a Checoslováquia, que vencemos por 4 a 1, eu já vinha
fazendo desde o tempo do Santos e surgiu de modo espontâneo, como um
desabafo. Eu nunca tinha visto ninguém fazer aquilo. Depois disso,
muitos outros jogadores passaram a dar socos no ar e alguns começaram a
inventar, a mudar um pouco, dar de baixo para cima, para não dizerem que
estavam me imitando. Acabou virando uma marca minha, principalmente por
causa do sucesso dessa foto, mais ou menos como aconteceu com a
bicicleta por causa de uma foto tirada no Maracanã. A diferença é que a
bicicleta, todo mundo sabe, era coisa do Leônidas, e o soco é meu
mesmo."
(VEJA.com/VEJA) MÉXICO, 1970 "O Pelé tinha uma impulsão danada, rapaz. Subia para caramba. O beque
esticava a mão e não alcançava, o goleiro também não. Esse gol na final
de 1970 contra a Itália é um dos que mostram isso. Seu Dondinho, meu
pai, era um expert no assunto: o recorde dele de cinco gols de cabeça
num jogo o Pelé nunca bateu. Ele me ensinou a subir, a dar um segundo
impulso quando o corpo está lá em cima, e também a não fechar os olhos.
Em todas as comparações que fazem do Pelé com outros jogadores,
Maradona, Messi, Zidane, Cruyff, sempre existe uma coisa ou outra que dá
para diferenciar. A impulsão é uma delas."
(VEJA.com/VEJA) "Aqui os mexicanos me deixam só de calção, depois que recebemos a
taça e fomos dar a volta olímpica. Isso era comum. Não havia alambrados,
e nas filmagens que existem do Santos em torneios na Espanha ou na
Itália, por exemplo, acaba o jogo e todo mundo entra em campo. Aquele
foi o grande presente de Deus, e agradeço até hoje ter decidido encerrar
ali minha carreira na seleção. Tinha ensaiado em 1966, mas daquela
maneira, ganhando a Copa e sendo considerado o melhor jogador, foi como o
meu pai dizia: 'Quando for parar, que seja no melhor momento, porque
senão logo vão te pôr para fora'. Parar ali foi a melhor coisa que
aconteceu na minha vida."
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