SISTEMA PRISIONAL
Anderson Nunes da Silva, condenado por latrocínio a 20 anos de prisão
(oito deles em regime fechado), processou o Estado pelas condições
desumanas da penitenciária de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Devido à
superlotação das celas, afirmou no processo, ele foi obrigado a dormir
com a cabeça apoiada num vaso sanitário. O caso chegou ao Supremo
Tribunal Federal. No dia 17, por 7 votos a 4, a Suprema Corte decidiu
manter a decisão da primeira instância: o Estado deve indenizar o preso.
Não apenas Anderson, que ganhará R$ 2 mil pelos maus-tratos. Como a
decisão tem repercussão geral, ela terá de ser seguida por todos os
Tribunais que receberem demanda semelhante.
Justíssima, se olhada individualmente; a decisão do Supremo é temerária, se olhada coletivamente. O Brasil tem cerca de 622 mil presos, num sistema carcerário com 371 mil vagas. A grande maioria desses presos
pode pedir indenização. Juízes podem decidir impor aos estados
indenizações bem mais elevadas do que os R$ 2 mil arbitrados pelo juiz
de Mato Grosso do Sul. O valor total dessas futuras indenizações é
imprevisível. O impacto delas sobre o orçamento é incontornável.
Impostas por sentença judicial, elas furam a fila dos gastos públicos
previstos em orçamento, elaborado e aprovado por representantes do povo.
A
depender do vulto que essas ações tomarem, as indenizações pela
superlotação carcerária do passado podem impedir os investimentos para
evitar crimes e melhorar os presídios no futuro. “Os estados não têm
esse recurso. Se tivessem, seria para investir na melhoria do sistema”,
disse o ministro Luís Roberto Barroso, voto vencido na decisão do
Supremo. Há o risco de se repetir, na esfera da segurança pública, a
judicialização observada na saúde pública. Obrigadas a pagar tratamentos
caros a poucos pacientes que exigem na Justiça o cumprimento do Artigo
196 da Constituição (que diz que “A saúde é direito de todos e dever do
Estado”), prefeituras deixam de comprar remédios básicos, contra
diabetes, que poderiam atender centenas de pessoas. Não se cobra do
Judiciário, contudo, a sensibilidade exibida pelo ministro Barroso. Por
definição, a Justiça é cega.
Contra os riscos da decisão do Supremo, no dia 23 o deputado federal
Roberto de Lucena (PV-SP) apresentou ao Congresso o Projeto de Lei no
7.007/17. “Fica terminantemente proibida de forma irrevogável e
irreversível a indenização pecuniária a ser paga pelo Estado, por danos
morais ou materiais, na integralidade ou em parte, a detentos do Sistema
Prisional Brasileiro”,
diz o texto. Duro em sua proposta, o projeto não tem data para ser
votado, e dificilmente será aprovado como está. Mas ele tem o mérito de
levar o debate para a esfera mais adequada: a esfera política.
“Precisamos ter prioridades. Precisamos ter a coragem de explicitar os
problemas e enfrentá-los”, disse o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), na
sabatina do futuro ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A situação dos presos no Brasil
é desumana, não é de hoje. “Temos um sistema prisional medieval”, disse
em 2012 José Eduardo Cardozo, à época ministro da Justiça. “Se fosse
para cumprir muitos anos em alguma prisão nossa, eu preferia morrer.” As
rebeliões no início do ano, com mais de 130 mortos, reforçam a urgência
do assunto. Nenhum preso deve ficar em condições desumanas. Ao mesmo
tempo, ninguém deve passar fome. Nenhuma criança deve ficar fora da
escola. Nenhum doente deve ficar sem atendimento médico, para listar
apenas algumas necessidades urgentes e hoje mal atendidas. Entre
tamanhas urgências, a escolha do que deve ser atendido antes, com qual
empenho e com quais estratégias, cabe ao debate público. “A questão carcerária no Brasil é uma bomba-relógio. Pagar indenizações não ajuda a desarmar essa bomba”, diz Lucena. “A indenização é ruim, como política pública, mas uma reparação legítima àquele que sofreu a lesão”, diz o jurista Oscar Vilhena.
( MARCELO MOURA/Época)
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