COVAXIN
Vacina indiana Covaxin foi desenvolvida pela pela Bharat Biotech com o estatal Conselho Indiano de Pesquisa Médica
Documentos do Ministério das Relações Exteriores mostram que o
governo comprou a vacina indiana Covaxin por um preço 1.000% maior do
que, seis meses antes, era anunciado pela própria fabricante. Telegrama
sigiloso da embaixada brasileira em Nova Délhi de agosto do ano passado,
ao qual o Estadão teve acesso, informava que o imunizante produzido
pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em 100 rúpias (US$ 1,34 a
dose).
Em dezembro, outro comunicado diplomático dizia que o
produto fabricado na Índia “custaria menos do que uma garrafa de água”.
Em fevereiro deste ano, o Ministério da Saúde pagou US$ 15 por unidade
(R$ 80,70, na cotação da época) – a mais cara das seis vacinas compradas
até agora.
A ordem para a aquisição da vacina partiu
pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro. A negociação durou cerca de
três meses, um prazo bem mais curto que o de outros acordos. No caso da
Pfizer, foram quase onze meses, período em qual o preço oferecido não se
alterou (US$ 10 por dose). Mesmo mais barato que a vacina indiana, o
custo do produto da farmacêutica americana foi usado como argumento pelo
governo Bolsonaro para atrasar a contratação, só fechada em março deste
ano.
Diferentemente dos demais imunizantes, negociados
diretamente com seus fabricantes (no País ou no exterior), a compra da
Covaxin pelo Brasil foi intermediada pela Precisa Medicamentos. A
empresa virou alvo da CPI da Covid, que na semana passada autorizou a
quebra dos sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário de um de
seus sócios, Francisco Maximiano. O depoimento do empresário na comissão
está marcado para amanhã.
Os senadores querem entender o motivo
de o contrato para a compra da Covaxin ter sido intermediado pela
Precisa, que em agosto foi alvo do Ministério Público do Distrito
Federal sob acusação de fraude na venda de testes rápidos para covid-19.
Na ocasião, a cúpula da Secretaria de Saúde do governo do DF foi
denunciada sob acusação de ter favorecido a empresa em um contrato de R$
21 milhões.
A Precisa tem como sócia uma outra empresa já
conhecida por irregularidades envolvendo o Ministério da Saúde – a
Global Gestão em Saúde S. A. Ela é alvo de ação na Justiça Federal do DF
por ter recebido R$ 20 milhões da pasta para fornecer remédios que
nunca foram entregues. O negócio foi feito em 2017, quando o ministério
era chefiado pelo atual líder do governo na Câmara, deputado Ricardo
Barros (Progressistas), do Centrão. Passados mais de três anos, o
ministério diz que ainda negocia o ressarcimento.
Em depoimento
ao Ministério Público, um servidor do Ministério da Saúde aponta
“pressões anormais” para a aquisição da Covaxin. O funcionário relatou
ter recebido “mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de
reuniões” fora de seu horário de expediente, em sábados e domingos. Esse
depoimento está em poder da CPI.
O servidor assegurou que esse
tipo de postura não ocorreu em relação a outras vacinas. O
coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde do
Ministério da Saúde, Alex Lial Marinho, foi apontado como o responsável
pela pressão.
O interesse do Brasil na Covaxin foi registrado
formalmente em carta de Bolsonaro ao primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi, em 8 de janeiro. Na ocasião, o brasileiro informou ter
incluído o imunizante no Plano Nacional de Imunização.
Acordo
Quatro dias depois, a Bharat Biotech anunciou em seu site que havia
assinado um “acordo com a Precisa Medicamentos para fornecimento de
Covaxin para o Brasil”. Segundo o anúncio da empresa, o embaixador do
País na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, havia expressado o interesse
do governo brasileiro em adquirir o imunizante indiano.
Nos
meses anteriores, a embaixada brasileira havia feito uma verdadeira
“pesquisa de mercado” dos imunizantes indianos disponíveis para a venda.
Um telegrama enviado por Lago em 31 de agosto do ano passado detalhava
cinco iniciativas relativas a vacinas no país asiático. Uma delas era a
Covaxin, que usa uma versão inativada do vírus Sars-CoV-2, tecnologia
menos avançada do que a usada pela Pfizer.
Quatro meses depois,
em dezembro, o ministro-conselheiro da embaixada Breno Hermann relatou
uma conversa com Lisa Rufus, relações públicas da Bharat Biotech, na
qual ela citou que “uma dose da Covaxin custará ‘menos que uma garrafa
de água’”.
O valor da vacina foi tópico de outro telegrama, em 15
de janeiro. Dessa vez, o embaixador dizia ao Itamaraty que o governo
indiano vinha sendo criticado pelo preço que havia pagado pela Covaxin
(US$ 4,10).
O Ministério da Saúde fechou o contrato para a
aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,6 bilhão em 25 de
fevereiro, antes mesmo de assinar com a Pfizer e com a Janssen, por US$
10 a dose em ambos os casos. As duas fabricantes já concluíram os testes
de seus imunizantes, enquanto os estudos de fase 3 da vacina indiana – a
última etapa – ainda estão incompletos.
O acordo da Covaxin
previa o fornecimento de 6 milhões de unidades já em março, mas
condicionava a um aval da Agência Nacional Nacional de Saúde (Anvisa),
que só foi dado no dia 4 deste mês. Ainda assim, a autoridade sanitária
impôs uma série de condições para que o governo distribua a vacina, como
um plano de monitoramento de quem receber as doses, o que, segundo a
Anvisa, ainda não foi apresentado.
Detalhes do contrato foram
contados pelo sócio da Precisa ao embaixador do Brasil na Índia em um
encontro em março. Segundo Maximiano, além das 20 milhões de doses, o
Ministério da Saúde tem a opção de compra de outras 12 milhões de
unidades. “Maximiano frisou que, ainda que tenha sido a Precisa
Medicamentos a assinar contrato com o governo brasileiro, o pagamento,
que, segundo os termos do contrato, só poderia ocorrer após
licenciamento da vacina no Brasil, será feito diretamente pelo
Ministério da Saúde à companhia indiana”, aponta o relato do embaixador.
Ao pedir as quebras de sigilo do empresário, porém, o senador Randolfe
Rodrigues (Rede) afirma que a Precisa receberá R$ 500 milhões pelo
negócio.
Questionada, a Precisa informou que “o preço da vacina é
estabelecido pelo fabricante”, mas não informou se recebeu comissão
pelo negócio. "O mesmo preço praticado no Brasil foi estabelecido para
outros mercados. Em agosto, quando a vacina estava na fase 2 de testes
clínicos, não havia ainda como dimensionar o preço final. Em janeiro, a
Bharat Biotech comercializou a vacina internamente, para o governo
indiano, praticando um valor menor do que o comercializado para fora da
Índia. Isso porque o país é codesenvolvedor da vacina e disponibilizou
recursos para auxiliar no seu desenvolvimento", diz, em nota.
Sobre
a denúncia de irregularidades na venda de testes ao governo do DF, a
empresa diz ter cumprido “todas as exigências legais” e que já prestou
esclarecimentos às autoridades.
Também procurado, o Ministério da
Saúde se limitou a dizer que o pagamento das vacinas será feito
“somente após a entrega das doses”.
(Por:Estadão Conteúdo)
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