COVID-19
Homem com suspeita de covid-19 é amparado por familiar em ambulância em São Jãao de Meriti, no Rio de Janeiro.O Brasil ultrapassou hoje a marca de 400 mil mortos pela covid-19 com um
patamar ainda alto de óbitos diários e índices de mobilidade
crescentes, o que, para especialistas, aumenta o risco de o País ter uma
terceira onda da pandemia antes de atingir a imunidade de rebanho pela
vacinação. Com o registro de 1.678 novos registros de óbitos de ontem
até as 13 horas desta quinta-feira (29), o País já acumula 401.417
vítimas da doença.
Para cientistas especializados em
epidemiologia e virologia ouvidos pela reportagem, a reabertura
precipitada das atividades econômicas antes de uma queda sustentada de
casos, internações e mortes favorece que as taxas de transmissão voltem a
crescer, com risco maior do surgimento de novas variantes de
preocupação. Com isso, o intervalo entre a segunda e uma eventual
terceira onda seria menor do que o observado entre o primeiro e o
segundo picos.
Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul autorizaram nas últimas semanas a reabertura de serviços
como bares, restaurantes e salões de beleza mesmo com taxas de ocupação
hospitalar consideradas críticas (a partir de 80%). Segundo o último
boletim do Observatório Covid-19, da Fiocruz, 21 unidades da federação
têm taxa de ocupação igual ou superior a 80%. Em dez delas, o índice
ultrapassa os 90%.
“Nos níveis em que o vírus circula hoje, esse
período entre picos pode ser abreviado, sim. Já vimos esse efeito em
algumas localidades na virada do ano. A circulação em níveis altos
favorece isso”, diz o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede
Coronaômica, força-tarefa de laboratórios que faz o monitoramento
genético de novas cepas.
Em 2020, após o pico da primeira onda, o
número de casos e mortes começou a cair entre julho e agosto para ter
novo aumento a partir de novembro. O surgimento de uma nova cepa do
vírus (P.1) em Manaus colapsou o sistema amazonense em janeiro e
provocou a mesma catástrofe em quase todos os Estados do País entre
fevereiro e março deste ano.
Os últimos dois meses foram os
piores da pandemia até aqui. No ano passado, o País demorou quase cinco
meses para atingir os primeiros 100 mil mortos, outros cinco meses para
chegar aos 200 mil e dois meses e meio para alcançar as 300 mil vítimas.
A triste marca dos 400 mil óbitos veio apenas 36 dias depois.
E
os dados dos últimos dias indicam que a queda das internações e mortes
iniciada há três semanas já apresenta estagnação. O mais provável agora é
que os índices se estabilizem em níveis elevados, com 2 mil a 3 mil
mortes diárias, ou voltem a crescer, projeta o estatístico e pesquisador
em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Leonardo Bastos.
“Agora
era a hora de segurar mais, fazer uma reabertura mais lenta e
planejada. Esse aumento de mobilidade e contato entre as pessoas pode
levar a uma manutenção do número de hospitalizações em um patamar super
alto, o que é péssimo, porque sobrecarrega o sistema de saúde. Do jeito
que está, a questão não é se vai acontecer uma nova onda, mas quando”,
diz o especialista.
Como exemplo de como uma nova variante pode
provocar grandes surtos em um intervalo curto de tempo, o especialista
da Fiocruz cita o caso do Rio. Ele considera que o Estado já viveu três
ondas. Além da primeira, entre maio e junho de 2020, os municípios
fluminenses sofreram um segundo pico em dezembro, com o surgimento da
variante P.2, e uma nova alta em março deste ano, com a emergência da
P.1. “Talvez a próxima onda não seja síncrona em todo o País, mas
poderemos ter surtos em diferentes locais”, opina Bastos.
Para
Spilki, o aumento nas taxas de mobilidade e relaxamento das medidas de
proteção não só elevam as taxas de transmissão como facilitam o
surgimento de variantes mais transmissíveis ou letais. “A variante P.1 e
outras não são entes estáticos, podem evoluir e se adaptar a novos
cenários com o espaço que vem sendo dado para novos casos”, diz ele.
Desde novembro, relata o especialista, já foram identificadas oito novas
variantes originadas no Brasil.
O epidemiologista Paulo Lotufo,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP),
também destaca que, mesmo com a queda de casos e mortes nas últimas
três semanas, o Brasil está longe de vislumbrar um controle da pandemia.
"Houve
arrefecimento do número de casos e mortes pelas medidas de
distanciamento social realizadas às duras custas. No momento, o retorno
às outras fases de distanciamento é preocupante, principalmente na
próxima semana, com aumento da procura de lojas pelo Dia das Mães e
também pela frequência maior de encontros sem a proteção necessária,
como já aconteceu no Natal", alerta.
Os especialistas acham
improvável que a imunização consiga contemplar a maioria da população
antes de uma nova onda. “A vacinação segue lenta, com interrupções e
falhas de esquema, como falta de doses para reforço, o que é mais um
complicador no que tange a frear a disseminação e evolução de
variantes”, comenta o virologista.
Para os cientistas, as medidas
necessárias para minimizarmos o risco de um novo tsunami de casos e
mortes são as mesmas preconizadas desde o início da pandemia: uso de
máscara (se possível, PFF2), distanciamento social, preferência por
ambientes ventilados, rastreamento e isolamento de pessoas infectadas,
além da aceleração da campanha de vacinação, que esbarra na escassez de
doses.
Eles destacam que, embora a comunidade científica alerte
há meses para quais medidas funcionam para barrar o coronavírus, o País
segue sendo vítima de posturas negligentes do governo federal e de
algumas administrações estaduais e municipais.
Mesmo durante o
colapso do sistema de saúde e o agravamento da pandemia nos últimos
meses, o presidente Jair Bolsonaro segue circulando sem máscara,
provocando aglomerações e promovendo remédios sem eficácia contra a
covid. Em várias ocasiões ao longo do último ano, o presidente minimizou
o número de vítimas da doença com frases como "E daí?" e "Não sou
coveiro".
Seu governo, um dos alvos da CPI da covid, também segue
se posicionando contra a adoção de quarentenas como meio de barrar a
transmissão e é acusado de lentidão no fechamento de contratos com
fabricantes de vacinas, o que impede que a campanha de imunização
deslanche. "Nesse cenário, não vejo possibilidade de não termos mais
ondas. As medidas de controle seguem as mesmas, mas, lamentavelmente,
não estão sendo aplicadas", conclui Spilki.
(Por:Estadão Conteúdo)
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