QUEDA DE BRAÇO
Nas últimas semanas, a queda de braço com o Congresso
Nacional vem impedindo o governo de conseguir aprovar suas propostas ou
manter seus vetos a legislações aprovadas. Na disputa mais recente,
envolvendo a renegociação das dívidas dos Estados e municípios com a
União, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), deu um recado
claro: “A palavra final será do Congresso Nacional”, disse, na semana
passada.
A Câmara dos Deputados, liderada pelo também
peemedebista Eduardo Cunha, já aprovou um projeto de lei que obriga o
governo a trocar os indexadores que corrigem as dívidas (o que na
prática aliviará os débitos) em até 30 dias. Se passar pelo Senado, o
projeto poderia ser vetado pela presidente Dilma Rousseff ─ mas o
Congresso tem o poder de depois derrubar o veto, e foi justamente o que
Calheiros garantiu que fará.
Para resolver o impasse, o ministro da Fazenda, Joaquim
Levy, negocia um acordo com os senadores, adiando a troca dos
indexadores para 2016. Mas afinal, quem manda mais no regime
presidencialista, o poder Legislativo ou o poder Executivo? Quem de fato
tem o poder final de decidir?
Formalmente, o Congresso dá a última palavra, já que
pode derrubar os vetos da Presidência. Mas, na prática, dizem cientistas
políticos, o que determina quem tem mais poder é a conjuntura política ─
e no momento ela está bem desfavorável para Dilma, que enfrenta
denúncias de corrupção na Petrobras e baixo crescimento econômico.
Segundo o professor de Ciência Política da UFRJ Charles
Pessanha, a Constituição Federal de 1988 instituiu uma divisão
equilibrada de poder entre Executivo e Legislativo, mas o momento atual
acaba permitindo uma liderança mais proeminente do Congresso.
“Quando o presidente está forte, com 70% de
popularidade, como no início do governo Dilma, o Congresso se encolhe.
Mas quando ele deixa espaço para os outros poderes, o Congresso se
assanha. O problema é que o governo está paralisado”, afirma.
Pessanha exemplifica seu raciocínio citando o caso da
demora da presidente em nomear um novo ministro para o STF, na vaga
deixada por Joaquim Barbosa quando este se aposentou, há oito meses.
Diante da lentidão, a liderança do PMDB ameaça aprovar
um projeto de lei que fixa prazo de 90 dias para que o presidente nomeie
ministros do STF. De acordo com essa proposta, do senador Blairo Maggi
(PR), o Congresso poderia escolher o novo juiz se o prazo não for
respeitado.
Poderes do presidente
O professor da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFFRJ), Nelson Rojas, nota que há três instrumentos que dão ao
presidente brasileiro grande influência na agenda de votação do
Congresso: as medidas provisórias (MPs, que têm força imediata de lei e
passam a trancar a pauta de votação do Congresso se não forem apreciadas
em 45 dias), os projetos de lei com regime de urgência (também trancam a
pauta da votação no mesmo prazo se não forem apreciados) e a
possibilidade de vetar total ou parcialmente as leis aprovadas.
Mesmo que o Congresso tenha a prerrogativa de não
aprovar o que o governo propõe, essas ferramentas permitem que os
projetos do Executivo passem na frente da fila de votação, observa o
cientista político. Além disso, como as medidas provisórias passam a
valer imediatamente, derrubá-las depois tem um custo maior.
Se deputados ou senadores rejeitam uma medida
provisória, os parlamentares têm que editar um decreto legislativo para
“disciplinar os efeitos” que a MP tenha gerado até a votação, esclarece o
portal da Câmara dos Deputados.
“O Congresso vota, mas o poder de iniciativa é do
governo. A MP passa a valer no momento em que ela é editada, e isso é
muito poder. Ela altera o status quo imediatamente, e a revisão disso
depois é mais custosa”, afirma Rojas.
Esses instrumentos, no entanto, acabam sendo inócuos se o
poder Executivo não tem o apoio necessário no Congresso, afirma o
professor.
“Esses atributos de poder não são atributos de
imposição, eles não significam que a presidente vai impor a sua agenda,
significam que ela vai negociar a sua agenda em condições mais
favoráveis do que se não houvesse a medida provisória ou o pedido de
urgência. Mas é preciso negociar e o governo não tem sido eficiente
nisso”, destacou.
Dilma Rousseff vem sofrendo com baixa popularidade
O analista político da consultoria Tendências Rafael Cortez também atribui o recente aumento de poder do Congresso à conjuntura política. Mas, além disso, ele também nota mudanças institucionais que têm provocado uma “transição lenta para um modelo mais equilibrado”. Ele observa que o presidente no Brasil tem mais poder, por exemplo, que o mandatário americano, mas que isso tem mudado aos poucos.
O analista político da consultoria Tendências Rafael Cortez também atribui o recente aumento de poder do Congresso à conjuntura política. Mas, além disso, ele também nota mudanças institucionais que têm provocado uma “transição lenta para um modelo mais equilibrado”. Ele observa que o presidente no Brasil tem mais poder, por exemplo, que o mandatário americano, mas que isso tem mudado aos poucos.
Até 2001, por exemplo, o governo podia prorrogar
indefinidamente suas medidas provisórias. Uma emenda constitucional
aprovada no Congresso naquele ano estabeleceu as regras atuais, dando
prazo máximo de 120 dias para a validade das MPs e determinando o
trancamento da pauta de votação caso não sejam apreciadas em até 45 dias
em cada casa (Senado e Câmara).
Outra mudança aprovada neste ano no Congresso por meio
de emenda constitucional foi o “orçamento impositivo” ─ o governo passou
a ser obrigado a liberar os recursos das emendas que os parlamentares
têm direito de apresentar a cada ano ao Orçamento da União. Antes, os
presidentes costumavam usar a liberação dessas verbas como instrumento
de barganha para conseguir votos no Congresso.
“Não existe uma medida objetiva sobre quem manda mais no
presidencialismo. Isso varia de acordo com o modelo de cada país”, nota
Cortez. “Nos Estados Unidos, por exemplo, não há o instrumento da
medida provisória, e o governo tem menos poder propositivo. Por outro
lado, é mais difícil derrubar um veto presidencial lá, porque para isso é
preciso de 2/3 dos votos do Congresso, enquanto no Brasil basta maioria
simples (metade dos votos mais um)”.
O modelo americano foi criado como um contraponto ao
modelo britânico, parlamentarista, explica Cortez. Segundo ele, o
objetivo dos americanos era justamente de que os poderes fossem
equilibrados e as decisões mais lentas. No parlamentarismo, por sua vez,
o Poder Executivo é muito poderoso e as decisões são mais rápidas, pois
o primeiro-ministro é eleito pelos parlamentares e necessariamente têm
apoio da maioria. “Há praticamente uma fusão dos poderes Executivo e
Legislativo”, observa.
Obama
Nos EUA, relação entre Congresso e Presidência também
tem atravessado período especialmente turbulento sob governo de Obama.
Nos Estados Unidos, a relação entre Congresso e a Presidência também tem
atravessado um período especialmente turbulento sob o governo de Barack
Obama.
A queda de braço aumentou consideravelmente durante o
segundo mandato de Obama, quando o Partido Republicano, que faz oposição
ao presidente americano, passou a controlar a Câmara dos Representantes
(Câmara dos Deputados) e o Senado.
Contrariando o Congresso, no entanto, Obama recorreu à
sua autoridade executiva para aprovar medidas polêmicas. Em dezembro,
ele anunciou a retomada das relações diplomáticas com Cuba e aliviou uma
série de restrições impostas à ilha.
Segundo Eric Posner, professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Chicago, o presidente pode agir por conta própria em
casos específicos citados pela Constituição ou quando previsto por
legislação aprovada pelo Congresso.
“Como há centenas de leis que delegam poder ao
presidente, ele tem uma imensa liberdade para agir por conta própria”,
diz Posner, acrescentando que a oposição pode contestar na Justiça a
legalidade das ações.
Para Saikrishna Prakash, professor da Faculdade de
Direito da Universidade de Virginia, Obama levou quatro anos “para
perceber que era um presidente, e não um primeiro-ministro”.
“Ele se deu conta de que, se quisesse que as coisas
acontecessem, teria que fazer assim. Agir unilateralmente não é a
primeira opção, mas quando as outras avenidas estão bloqueadas é o que
pode ser feito.”
Os juristas afirmam, porém, que sem o apoio do Congresso
a margem de ação de um presidente é limitada. Ele não é capaz de
aprovar reformas ou grandes medidas que envolvam a realocação de
recursos do Orçamento.
No caso cubano, por exemplo, Obama não tem autoridade
para pôr fim ao maior obstáculo à reaproximação entre os dois países, o
embargo comercial e financeiro americano à ilha. Só o Legislativo pode
decidir encerrar o bloqueio, e não há sinais de que vá fazê-lo tão cedo.
A crise entre Legislativo e Executivo nos Estados Unidos
já foi pior. Nos anos 1990, a bancada republicana pôs em votação o
impeachment do então presidente Bill Clinton, que acabou salvo pelo
Senado.
Já o presidente Andrew Johnson (1865-1869) não teve a
mesma sorte e foi forçado pelo Congresso a renunciar em meio a disputas
sobre as políticas de reconstrução do país após a Guerra Civil
americana.
Fonte: terra
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