FEZ BEM
Sentar é tarefa difícil para Zeca Pagodinho. Antes de engatar a conversa com jornalistas sobre o recente discoSer humano (Universal, R$ 21,90 e US$ 7,99, no iTunes), no Rio de Janeiro, ele conversa sobre a família, cumprimenta os funcionários da gravadora Universal, reclama da dor na garganta e diz que não vai beber – promessa descumprida pouco depois, na hora do almoço. “Minha casa sempre tem cerveja. Se for lá agora, tem uma 20 caixas, mais 25 em Xerém”, conta, sobre o hábito famoso.
Entre brincadeiras e ironias, ele para o assunto para atender algumas ligações, encomendar CDs para um amigo, comer uma fatia de bolo, apesar da glicemia em alta e dos remédios carregados em uma caixinha com revestimento de couro onde os comprimidos são separados por dia que ele mostra numa das várias levantadas durante o papo. Levanta descalço mesmo. Fala como dá, sem cerimônia. Não lembra alguns nomes, passagens. Nos shows, há uma cola para não se perder na letra e no roteiro. Desconversa às vezes, diz esquecer em outras.
A família, especialmente a filha, Maria Eduarda, de 11 anos, e os netos Noah, de 5, e Catarina, de apenas 10 meses, permeiam as frases. “Já está andando”, reforça o avô babão sobre a caçula – são quatro filhos e dois netos. Nem precisava. Horas depois, a sala de entrevistas parece uma reunião familiar. “Tudo maluquinho que nem eu”, confessa, sobre a hiperatividade latente.
É pela prole e por todos cujo sustento dependem do trabalho dele – “é tanto empregado que nem sei quem é família e quem está trabalhando”, brinca – que Zeca Pagodinho enfrentou nos estúdios duas grandes perdas. Pouco depois de se submeter a uma cirurgia na coluna da qual herdou duas placas e oito parafusos, o filho Elias, de 28 anos, morreu em decorrência de complicações no pulmão. O pai, Jessé, de 87 anos, faleceu de insuficiência cardíaca, em março. Do amigo Efson, morto no ano passado, pinçou Boca do banzé (com Paulinho Rezende). O remédio foi o samba.
Zeca Pagodinho não costuma gravar canções feitas para ele. Intérprete da boemia, de amores ideais e desilusões, da simplicidade e da periferia, ele abriu exceção no 23º disco da carreira, o primeiro de inéditas após hiato de cinco anos. O último foi Vida da minha vida. Ser humano foi gravado em dois meses, para aproveitar o Dia das Mães, um dos períodos mais quentes do mercado, e remete irremediavelmente às imagens do carioca a bordo de um quadriciclo para ajudar as vítimas das enchentes que assolaram o Rio de Janeiro em janeiro de 2013. Espécie de padrinho do bairro do Xerém, em Duque de Caxias, onde mantém o Instituto Zeca Pagodinho, de educação musical para 120 crianças, ele distribui presentes no Natal, chocolates na Páscoa. Ajuda e carinho durante o ano inteiro.
O Clube do Zeca
Ser humano abre espaço para o romantismo em várias faixas, como a Amor pela metade, escolhida para a abertura, A Monalisa, Etc. e tal e Nas asas da paixão. Mas são as canções sobre bondade, amizade e ligação com a periferia que se destacam no disco. A faixa-título, Ser humano, de Claudemir, Marquinho Índio e Mário Cleide – estreantes na rapaziada, como Zeca chama o grupo de sambistas recorrentes na discografia dele –, descreve a simplicidade do ex-office-boy e anotador de jogo do bicho.
O sobrinho Juninho Thybau faz participação especial em Tempo de menino (Juninho Thybau e Kiki Marcelos): “Naquele tempo era difícil o sofrimento/ Mas o pobre tem talento pra dificuldade”. Juninho é neto do sambista Thybau, em cuja casa, no Irajá, a família se reunia para festas, como as que Zeca promove. Samba na cozinha se destaca pela levada e pelo espírito de casa cheia, tão presente no cotidiano de Zeca. “E quem conhece meu barraco tá ligaro na democracia/ As portas abertas, tem sempre um motivo pra comemorar”, versa a música de Serginho Meriti, Serginho Madureira e Claudinho Guimarães.
O repertório é criado à base de comida – um leitão, pernil, porco – e bastante cerveja, claro. “A rapaziada fica cantando. Eu fico ali rodando, converso com um, converso com outro. Quando passa uma coisa boa, passo um sinal pro Rildo Hora (o diretor musical dele, de Caruaru). Só non olhar ele já sabe. Em duas ou três reuniões, a gente mata. Eu tenho sempre um repertório pronto. Se eu quiser fazer um disco agora, a gente mata”, diz. A demora para um disco de inéditas, garante, se deve às comemorações dos 30 anos de carreira, com o DVD Vida que segue, e ao sambabook.
Apenas uma música leva assinatura de Zeca, Foi embora, com Arlindo Cruz e Sombrinha. “Porque tem muita gente. Gravar comigo hoje é o mesmo que acertar na loteria. É um dinheirinho que entra pro caboclo. Hoje, todo mundo quer fazer disco autoral. O compositor ficou órfão. Eu sou um dos únicos que ainda segura para eles”, compara.
Nelson Rufino (Mangas e panos), Trio Calafrio, formado por Marcos Diniz, Barbeirinho do Jacarezinho e Luiz Grande (Mané, rala peito), Almir Guineto e Adalto Magalha (A santa garganta) e Fred Camacho, Marcelinho Moreira e Dudu Nobre (Etc. e tal) são alguns que estão lá. Nas asas da paixão é de outro amigo saudoso, Luiz Carlos da Silva, morto em 2008, com Marcos do Valle.
Fonte: Diário de Pernambuco
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