sábado, 7 de novembro de 2020

Pelo direito de existir: pessoas trans podem voltar a emitir RG Social no RN. Após um período de suspensão, o Itep voltou a oferecer gratuitamente o serviço de emissão do RG social para pessoas trans. Ícaro, Derek e Dália celebraram, em entrevista ao Agora RN, a liberdade de ser quem são

 INDENTIDADEpessoas trans

 Derek Alysson, Dália Pietra e Ícaro Raí receberam a documentação do RG social na sede do Itep - Foto: Samya Martins

Ser chamado pelo nome que realmente representa quem eu sou não é privilégio, é direito de existir”. É assim que o natalense Ícaro Raí, de 28 anos, descreve a busca por reconhecimento da identidade de gênero. Ele se descobriu homem trans ainda na adolescência e passou por um processo doloroso para assimilar o próprio lugar no mundo.

“Nunca gostei de usar salto alto ou maquiagem e sentia que havia algo de errado, mas eu tinha pouco conhecimento sobre essas questões na época – afinal, frequentava a igreja e qualquer assunto relacionado à sexualidade era considerado tabu. Mas, logo aos 18 anos, comecei a me informar e finalmente entendi o que se passava em mim”, contou Ícaro ao Agora RN, em uma conversa na sede do Instituto Técnico-Científico de Perícia (Itep), na Ribeira, Zona Leste da capital potiguar.

O jovem estava no instituto para fazer o RG social, um documento oficial que carrega o nome verdadeiro da pessoa trans. No Rio Grande do Norte, esses RGs são emitidos sem necessidade de decisão judicial desde junho de 2018. Depois de um período suspenso, o serviço voltou a ser oferecido pelo Itep a partir de um agendamento prévio através do número (84) 98137-2135, sendo necessário levar, além da identidade original, a certidão de nascimento ou casamento original, comprovante de residência, CPF (opcional) ou PIS (opcional).

As emissões são realizadas todas as quartas-feiras. “É um passo importante para a nossa visibilidade perante à sociedade. Não seremos mais constrangidos e poderemos provar quem somos com a ajuda do RG social”, afirmou Ícaro. Derek Alysson, 23, e Dália Pietra, 19, também estavam solicitando a via do documento no Itep. Lado a lado, eles celebraram o momento como um marco para a comunidade trans.

“Eu, como mulher trans e negra, sou bastante marginalizada. Já sofri olhares preconceituosos e até mesmo ameaças de morte, só por ser quem eu sou. Quando a gente sai de casa, tem medo de não conseguir voltar. Existir sendo trans é um ato de resistência, mas não queremos apenas sobreviver. Queremos ocupar espaços e desejamos que a segregação chegue ao fim”, disse Dália à reportagem.

RG social x Registro civil

Apesar de ser um programa importante e gratuito, o RG social ainda é uma solução paliativa, já que não retifica o nome da pessoa trans no registro civil. Segundo a servidora do Itep Márcia Moura, esse é o principal motivo que justifica a baixa procura ao serviço em todo o estado. “Além disso, o projeto não é divulgado o suficiente”, argumentou. Em 2018, ano de criação do RG social, foram feitas 41 identidades. No ano seguinte, foram 60 pedidos registrados. Em 2020, até agora, são 16 identidades requisitadas por pessoas trans.

Em 2018, o Tribunal de Justiça do Estado autorizou a possibilidade de alteração de nome aos transgêneros e transexuais diretamente no registro civil, independente de processo judicial. Com isso, a justiça estadual se tornou a sexta no país a regulamentar o procedimento para mudança do nome em cartório. Em seguida, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que a alteração não precisa de autorização judicial, laudo médico ou comprovação de cirurgia de redesignação sexual.

No mesmo ano, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou as regras para a mudança diretamente nos cartórios. Desde então, pessoas maiores de 18 anos podem requerer a alteração dos dados, desde que tenham capacidade de expressar a vontade de forma inequívoca e livre. Para menores de 18 anos, a mudança de nome e gênero só é possível na via judicial.

Apesar da decisão do STF e do provimento do CNJ, o procedimento administrativo no cartório não é tão simples. A lista de documentos exigidos é extensa e o gasto total chega a R$ 300 no RN. “Queremos que esse processo se torne gratuito para todos e isso já está em pauta. Aliás, temos uma reunião marcada com a Defensoria Pública do Estado para falar sobre essa questão. Enquanto a gratuidade não é definida e estabelecida, o RG social é uma saída para nós”, sublinhou Ícaro.

Centro de Referência

A população LGBT+ de Natal recebeu uma conquista relevante para a saúde e bem-estar em setembro deste ano, quando foi entregue pela prefeitura o Centro Municipal de Cidadania LGBT (Cemcid) e o Ambulatório para Travestis e Transexuais (TT) – que funciona na avenida Nascimento de Castro, 1982, no bairro de Lagoa Nova.

A missão maior é articular ações sistemáticas para possibilitar o acesso a atendimentos psicossocial, sociojurídico e qualificação profissional. Samya Martins, assistente social que atualmente trabalha no centro, informou que o Ambulatório TT vai oferecer terapia hormonal para as pessoas trans de forma gratuita – garantindo um direito essencial aos que não se sentem confortáveis nos próprios corpos. “Esse serviço deve entrar em pleno funcionamento ainda em 2020”, pontuou.

 

 (Por:Nathallya Macedo/AgoraRN)

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