INDENTIDADE
Derek Alysson, Dália Pietra e Ícaro Raí receberam a documentação do RG social na sede do Itep - Foto: Samya Martins
Ser chamado pelo nome que realmente representa quem eu sou não é
privilégio, é direito de existir”. É assim que o natalense Ícaro Raí, de
28 anos, descreve a busca por reconhecimento da identidade de gênero.
Ele se descobriu homem trans ainda na adolescência e passou por um
processo doloroso para assimilar o próprio lugar no mundo.
“Nunca
gostei de usar salto alto ou maquiagem e sentia que havia algo de
errado, mas eu tinha pouco conhecimento sobre essas questões na época –
afinal, frequentava a igreja e qualquer assunto relacionado à
sexualidade era considerado tabu. Mas, logo aos 18 anos, comecei a me
informar e finalmente entendi o que se passava em mim”, contou Ícaro ao
Agora RN, em uma conversa na sede do Instituto Técnico-Científico de
Perícia (Itep), na Ribeira, Zona Leste da capital potiguar.
O
jovem estava no instituto para fazer o RG social, um documento oficial
que carrega o nome verdadeiro da pessoa trans. No Rio Grande do Norte,
esses RGs são emitidos sem necessidade de decisão judicial desde junho
de 2018. Depois de um período suspenso, o serviço voltou a ser oferecido
pelo Itep a partir de um agendamento prévio através do número (84)
98137-2135, sendo necessário levar, além da identidade original, a
certidão de nascimento ou casamento original, comprovante de residência,
CPF (opcional) ou PIS (opcional).
As emissões são realizadas
todas as quartas-feiras. “É um passo importante para a nossa
visibilidade perante à sociedade. Não seremos mais constrangidos e
poderemos provar quem somos com a ajuda do RG social”, afirmou Ícaro.
Derek Alysson, 23, e Dália Pietra, 19, também estavam solicitando a via
do documento no Itep. Lado a lado, eles celebraram o momento como um
marco para a comunidade trans.
“Eu, como mulher trans e negra,
sou bastante marginalizada. Já sofri olhares preconceituosos e até mesmo
ameaças de morte, só por ser quem eu sou. Quando a gente sai de casa,
tem medo de não conseguir voltar. Existir sendo trans é um ato de
resistência, mas não queremos apenas sobreviver. Queremos ocupar espaços
e desejamos que a segregação chegue ao fim”, disse Dália à reportagem.
RG social x Registro civil
Apesar de ser um programa importante e gratuito, o RG social ainda é
uma solução paliativa, já que não retifica o nome da pessoa trans no
registro civil. Segundo a servidora do Itep Márcia Moura, esse é o
principal motivo que justifica a baixa procura ao serviço em todo o
estado. “Além disso, o projeto não é divulgado o suficiente”,
argumentou. Em 2018, ano de criação do RG social, foram feitas 41
identidades. No ano seguinte, foram 60 pedidos registrados. Em 2020, até
agora, são 16 identidades requisitadas por pessoas trans.
Em
2018, o Tribunal de Justiça do Estado autorizou a possibilidade de
alteração de nome aos transgêneros e transexuais diretamente no registro
civil, independente de processo judicial. Com isso, a justiça estadual
se tornou a sexta no país a regulamentar o procedimento para mudança do
nome em cartório. Em seguida, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou
que a alteração não precisa de autorização judicial, laudo médico ou
comprovação de cirurgia de redesignação sexual.
No mesmo ano, a
Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou as regras
para a mudança diretamente nos cartórios. Desde então, pessoas maiores
de 18 anos podem requerer a alteração dos dados, desde que tenham
capacidade de expressar a vontade de forma inequívoca e livre. Para
menores de 18 anos, a mudança de nome e gênero só é possível na via
judicial.
Apesar da decisão do STF e do provimento do CNJ, o
procedimento administrativo no cartório não é tão simples. A lista de
documentos exigidos é extensa e o gasto total chega a R$ 300 no RN.
“Queremos que esse processo se torne gratuito para todos e isso já está
em pauta. Aliás, temos uma reunião marcada com a Defensoria Pública do
Estado para falar sobre essa questão. Enquanto a gratuidade não é
definida e estabelecida, o RG social é uma saída para nós”, sublinhou
Ícaro.
Centro de Referência
A população LGBT+ de Natal recebeu uma conquista relevante para a
saúde e bem-estar em setembro deste ano, quando foi entregue pela
prefeitura o Centro Municipal de Cidadania LGBT (Cemcid) e o Ambulatório
para Travestis e Transexuais (TT) – que funciona na avenida Nascimento
de Castro, 1982, no bairro de Lagoa Nova.
A missão maior é
articular ações sistemáticas para possibilitar o acesso a atendimentos
psicossocial, sociojurídico e qualificação profissional. Samya Martins,
assistente social que atualmente trabalha no centro, informou que o
Ambulatório TT vai oferecer terapia hormonal para as pessoas trans de
forma gratuita – garantindo um direito essencial aos que não se sentem
confortáveis nos próprios corpos. “Esse serviço deve entrar em pleno
funcionamento ainda em 2020”, pontuou.
(Por:Nathallya Macedo/AgoraRN)
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