
O candidato à Presidência Cabo Daciolo sobe a encosta do Monte das Oliveiras em Campo Grande, Rio de Janeiro Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
“O celular tocando é satanás tentando te dispersar”, dizia uma senhora em pé a outra sentada, que falava alto ao celular. “Não sou eu quem está dizendo, é Deus”, continuou. A repreensão, feita aos gritos, despertou olhares dos outros fiéis que se concentravam em grupos de oração na subida do Monte das Oliveiras, no bairro de Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O local recebe diariamente dezenas de evangélicos que buscam, entre o chacoalhar das árvores e o canto dos pássaros, uma reconexão espiritual a partir do jejum, prática comum nas igrejas pentecostais, como a Assembleia de Deus. O monte ganhou os holofotes desde que Cabo Daciolo, candidato à presidência pelo Patriota e “assembleiano” convicto, fez do jejum um fato político: dos 45 dias de campanha permitidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele ficou 21 acampado – e passando fome, garante, para se purificar e se conectar com Jesus.
Na Bíblia , os livros de Mateus, Marcos e Lucas citam o Monte das Oliveiras, em Jerusalém, como o local onde Jesus Cristo realizou importantes sermões, alguns deles em tom apocalíptico, anunciando guerras, pragas e desastres naturais. Mas, também era ali seu local preferido de meditação, com vista para toda a Cidade Antiga de Jerusalém. O homônimo carioca tem visão panorâmica de todo o bairro de Campo Grande, e um bom pedaço daquela paisagem verde, quase rural, com casas baixas e avenidas largas, é território do miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, foragido. “Vez ou outra um ladrão se esconde no meio do mato, ou alguém desce correndo dizendo que a bolsa foi roubada. Já aconteceu de corpo ser encontrado na trilha”, contou o funcionário da mercearia. A trilha não tem guaritas ou vigias, e o movimento é grande durante as madrugadas.
A entrada para o Monte das Oliveiras fica na estrada da Cachamorra, que liga o centro de Campo Grande a outras áreas do mesmo bairro. Localiza-se na parte nordeste do Parque Estadual da Pedra Branca, um maciço com mais de 12.000 hectares coberto por vegetação típica da Mata Atlântica. É preciso muita fé e um bom par de tênis para chegar até o cume, conhecido como Ninho da Águia: a subida até lá dura pouco mais de uma hora. Lonas armadas e cadeiras de plástico são espaços improvisados para a realização de cultos, e ao longo da trilha estão montadas dezenas de barracas de acampamento. Há quem permaneça três semanas por ali, como Cabo Daciolo, há quem passe uma noite inteira. O casal Moacir, de 52 anos, e Leci Alves, de 51, abriu mão apenas do café da manhã. “Acordamos e fomos tocados por Deus para vir ao monte jejuar. Chegamos aqui antes das 8 e depois de meio-dia vamos embora para almoçar”, afirmou ela, frequentadora da Assembleia de Deus de Campo Grande.
O propósito do jejum, segundo o marido, era entrar em oração para que o vizinho parasse com o som alto nos finais de semana. “Eu sei que Deus vai tocar o coração dele para que ele pare com o barulho”, disse o homem, baseando todas as suas afirmações em versículos bíblicos. “Quando algum conhecido está acamado, nós jejuamos. Quando alguém vai preso, nós jejuamos. Eu me fortaleço com Deus em prol do outro”, completou Moacir, antes de gritar palavras incompreensíveis. É comum entre os membros de igrejas pentecostais a xenoglassia sagrada, ou o “dom de línguas”. Durante uma oração, o fiel pode ser “arrebatado pelo Espírito Santo”, uma espécie de incorporação que o faz dizer termos confusos, ininteligíveis.
(Yuri Eiras/Época)
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