Sem o auxílio emergencial liberado por causa da pandemia de covid, a extrema pobreza no Rio Grande do Norte seria 7 vezes maior
O número de domicílios em situação de extrema pobreza no Rio Grande
do Norte seria sete vezes maior sem o auxílio emergencial durante a
pandemia do novo coronavírus. A conclusão é de uma pesquisa feita pelos
docentes do Departamento de Demografia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Ricardo Ojima e Jornada Cristina de Jesus. Em maio,
cerca de 20 mil, 1,85% dos domicílios, possuíam uma renda por pessoa
inferior a R$ 145 por mês. Sem o auxílio, esse percentual seria de
aproximadamente 13,08%, ou 141,6 mil domicílios.
A
faixa de renda da pobreza extrema em R$ 145 per capita foi o
estabelecido em 2019 pelo Banco Mundial e utilizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como pobreza extrema. Em
2019, 10,3% dos domicílios do Rio Grande do Norte viviam com menos do
que R$ 145 per capita. O IBGE vai divulgar os números consolidados deste
ano apenas no final do ano.
Entretanto, classificação de pobreza não é
utilizada por Ojima por ele avaliar que os cortes de renda não conseguem
“incorporar as múltiplas dimensões da pobreza, que vão além da pobreza
monetária.”
Na família de Isaías Rodrigues e Irene Ribeiro, o impacto do
auxílio-emergencial foi imediato na renda. O casal recebia R$ 450 de
Bolsa Família para manter quatro filhos e foi beneficiado com o auxílio
emergencial. Os dois conseguiram, e a segurança do benefício fez com que
saíssem menos de casa durante a pandemia. Ambos trabalham como
catadores de materiais recicláveis e conseguem de R$ 200 a R$ 300 para
complementar a renda mensal.
Em famílias potiguares que recebem até R$ 141,25, a renda familiar
per capita durante a pandemia estava em torno de R$ 76,17. Com o
auxílio, a renda foi elevada para R$ 319,68. O acréscimo é de 319%,
segundo o IBGE. É o maior aumento entre todas as faixas contempladas
pelo auxílio emergencial. “O impacto é imediato porque elevou primeiro a
renda de quem está na faixa mais pobre e outra parcela da população que
foi muito prejudicada pela pandemia, como os autônomos e trabalhadores
informais. Eles poderiam estar sem renda alguma se não fosse o auxílio
emergencial”, declarou Ricardo Ojima.
Isaías e
Irene moram em um assentamento do Movimento de Luta por Moradia Popular
(MLMP) localizado no bairro do Planalto, zona Oeste de Natal. A casa
onde moram, um barraco construído de lona e madeira com 15 m², abriga
quatro filhos do casal. Praticar o distanciamento social em casa é
praticamente impossível com os seis moradores. A decisão de evitar sair
de casa para conseguir os materiais recicláveis foi para evitar o
contágio no ambiente apertado, mas só foi possível graças ao aumento da
renda. “Agora ficou melhor. O Bolsa Família não pagava todas as contas.
Tinha que sair de casa para catar latinha e plástico, pagar fiado
algumas contas”, disse Isaias.
O benefício é
gasto pelo casal na alimentação, que se tornou mais cara depois que os
filhos tiveram as aulas em uma escola municipal interrompida por causa
da pandemia. Apesar da promessa de distribuição de merenda através de
cestas básicas, o casal foi amparado apenas uma vez durante os mais de
três meses. Em abril, a família também precisou gastar o dinheiro para
comprar remédios para um dos filhos, de dez anos, que sofre de
transtorno mental. Ele tem direito de adquirir o remédio gratuitamente
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas até hoje não conseguiu. Em maio,
obteve o remédio com o dinheiro a mais do auxílio, que substituiu o
Bolsa Família (os benefícios não são cumulativos).
Se
sobra alguma coisa, o casal usa o dinheiro para ajudar outras famílias.
No assentamento onde Isaías e Irene moram, há outras 119 famílias na
mesma situação de pobreza extrema, e nem todos tiveram acesso ao auxílio
emergencial. Os barracos também de 15 m², e há crianças por todas as
partes. O coordenador do assentamento, Célio Lima, estimou 150 crianças.
“Nós somos uma comunidade. Todo mundo aqui é família, e a gente acaba
ajudando um ao outro”, contou Isaías.
Essa
configuração ajuda a distrair as crianças durante a pandemia, que, mesmo
com restrições sociais, não param de brincar juntos nas vielas do
local. Mas Isaías e Irene se preocupam com a falta das aulas. “A gente
não quer que eles fiquem parados sem estudar, mas não conseguimos dar a
mesma atenção que a professora da escola, não conseguimos passar o mesmo
estudo”, disse Isaías, que concluiu o ensino médio. Irene ainda está na
escola. “O aumento da renda desse auxílio é bom, mas o que a gente quer
mesmo é que acabe a pandemia”, finalizou.
Pesquisadores defendem uma política de seguridade
Famílias
em pobreza extrema são reconhecidas pelos programas assistenciais no
Brasil há mais de uma década por causa da existência do Bolsa Família. O
programa é voltado para a população mais pobre e se consolidou no
Brasil desde a criação em 2004. Entretanto, segundo a pesquisadora
Sandra Gomes, docente do Departamento de Gestão em Políticas Públicas da
UFRN, havia uma faixa de pessoas que também viviam em situação
precária, mas que não eram contempladas por programas de transferência
de renda. Isso mudou a partir do auxílio-emergencial.
Na família de Isaías Rodrigues e Irene Ribeiro, que recebia R$ 450 de Bolsa Família, a renda cresceu
Essas pessoas são principalmente os trabalhadores autônomos e
informais. “Dou exemplo de pessoas que trabalham na praia como
autônomos, que vendem objetos. Eles possuem uma renda que fica mais
prejudicada agora porque não estão na rua. Para essas pessoas, o auxílio
emergencial também é importante. Mas elas já possuem um outro perfil, e
eu não sei se o auxílio é suficiente para elas”, declarou Gomes.
Isaías
Rodrigues e Irene Ribeiro não pagam aluguel onde moram, mas isso muda a
partir de quem possui um poder aquisitivo maior. “Essas pessoas não
vivem em situação tão precária quanto quem recebe o Bolsa Família, mas
ainda sim é uma situação precária”, disse a pesquisadora.
Oportunidade
Esse
impacto pode ser “uma grande oportunidade” para as políticas de
distribuição de renda, ainda na avaliação de Gomes. Com perspectiva de
recessão após o período mais crítico da pandemia, existe o risco dessas
pessoas ficarem desamparadas e com renda menor caso o auxílio seja
cancelado. “Por isso é uma grande oportunidade social de estabelecer uma
política pública que dê seguridade para essas pessoas.”
O
demógrafo Ricardo Ojima concorda com a avaliação de Sandra. Para ele, é
impensável o auxílio-emergencial acabar e a política de distribuição de
renda ficar restrita ao Bolsa Família, principalmente por causa de uma
possível deflação, quando o número de pessoas que consomem diminui.
“Estudos indicam que o Bolsa Família se reverte quando o beneficiário
faz uma compra em um pequeno mercado de bairro, por exemplo. Mas com uma
deflação o dono do mercadinho de bairro também vai precisar de um
benefício. O Bolsa Família não vai ser mais suficiente”, concluiu o
pesquisador.
Números
Geral
2.071.170 pessoas do Rio Grande do Norte tiveram auxílio emergencial em maio
58,7% é o percentual da população potiguar contemplada com auxílios
R$ 816,11 é a renda per capita média da população do Rio Grande do Norte sem auxílio durante a pandemia
R$ 965,03 foi a renda per capita média da população em maio com o algum auxílio durante a pandemia
Faixa de menor renda
625.628 pessoas que moram em domicílios com renda per capita de até R$ 141,25 por mês receberam algum auxílio durante a pandemia
30,2% dos 2 milhões de beneficiados são da faixa de renda mais pobre
R$ 76,17 é a renda per capita média da população mais pobre sem os auxílios
R$ 319,68 foi a renda per capita média da população com o auxílio
319,7% foi o crescimento da renda per capita com o algum auxílio durante a pandemia para a faixa mais pobre da população
Faixa de renda média
340.721 pessoas que moram em domicílios com renda per capita de até R$ 463,77 por mês receberam algum auxílio durante a pandemia
16,5% dos 2 milhões de beneficiados são desta faixa de renda
R$ 392,04 é a renda per capita média da população com faixa de renda média sem os auxílios
R$ 569,60 é a renda per capita média da população com faixa de renda média com os auxílios
45,3% foi o crescimento da renda per capita com o algum auxílio durante a pandemia para a faixa de maior renda
Faixa de maior renda
35.797
pessoas que moram em domicílios com renda per capita de acima de R$
1.796,75 por mês receberam algum auxílio durante a pandemia
1,7% dos 2 milhões de beneficiados são desta faixa de renda
R$ 3.653,05 é a renda per capita média da população com faixa de renda mais alta sem os auxílios
R$ 3.674,90 é a renda per capita média da população com faixa de renda mais alta com os auxílios
0,6% foi o crescimento da renda per capita com o algum auxílio durante a pandemia para a faixa de maior renda.
(Por:Tribuna do Norte)
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