GOVERNO DO RIO
A entrada da cadeia de Benfica. Os poderosos do Rio foram separados de acordo com seus partidos (Foto: Stefano Martini/ÉPOCA)
Nesta
semana, os agentes penitenciários da Cadeia Pública José Frederico
Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, tiveram de lidar
com um critério de divisão de espaço um pouco fora do comum para seu
cotidiano. Na maioria das prisões fluminenses, para evitar selvagerias
maiores, os detentos são separados de acordo com sua filiação às facções
do narcotráfico – Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e
Terceiro Comando Puro (TCP). Desta vez, no entanto, foi exigido dos
agentes que entendessem de política. Eles tiveram de separar presos do
PMDB de outros ligados ao PR, ainda que já tivessem sido do PMDB. Desde
que políticos começaram a migrar para o cárcere, devido à atuação da
Operação Lava Jato, a cadeia não é mais a mesma no Rio.
Na
quarta-feira (22), os agentes colocaram o ex-governador Anthony
Garotinho, preso por corrupção, numa cela na galeria B. Garotinho, do
PR, teve de ficar isolado de seus ex-colegas e adversários políticos do
PMDB. Até evitou sair para o banho de sol para não encontrar a turma de
seu sucessor, o ex-governador Sérgio Cabral,
na galeria C. Preso há um ano, Cabral está com seu ex-secretário de
Governo Wilson Carlos e com o empresário Marco de Luca, outro integrante
de seu esquema de corrupção. Por ali também está Sérgio Côrtes,
ex-secretário de Saúde de Cabral e acusado de desviar R$ 16,2 milhões do
estado. A turma de Cabral tem ampla maioria nesse plenário. E aumentou
na mesma terça-feira com a chegada do ramo do Legislativo. Na ala C
mesmo foram alojados o presidente licenciado da Assembleia Legislativa, deputado Jorge Picciani,
e os colegas Edson Albertassi e Paulo Melo, todos do PMDB. Picciani, o
homem mais poderoso do Rio hoje, foi acomodado na cela do filho, Felipe.
Presa junto com Garotinho, sua esposa, a ex-governadora Rosinha
Matheus, foi levada para o 3º andar, na ala feminina. Ficará perto de
Adriana Ancelmo, esposa de Sérgio Cabral, levada de volta a Benfica após
decisão judicial que cancelou sua prisão domiciliar. Até onde se sabe,
não há animosidade entre elas.
Espremida
entre a favela do Arará e uma rua pequena do bairro, a cadeia de
Benfica já abrigou o Batalhão Especial Prisional (BEP), que recebia
policiais militares condenados. Hoje, seus muros altos, onde assomam
guaritas com sentinelas, delimitam uma área onde ficam apenas três tipos
de infratores: aqueles em processo de triagem, os devedores de pensão
alimentícia e os que possuem diploma universitário. Entre eles estão
agora políticos e empresários poderosos. Suas presenças atraíam
manifestantes nesta semana. Num futuro próximo, podem transformá-la num
ponto turístico representativo da fase atual do Rio. O Palácio
Guanabara, sede do governo estadual, e o Palácio Tiradentes, que abriga a
Assembleia Legislativa, foram substituídos pelo Palácio de Benfica.
Quando no governo, seus ocupantes foram responsáveis, direta ou
indiretamente, pelo atual estado de falência do Rio.
O deputado Jorge Picciani é preso. O homem mais poderoso do Rio agora está em Benfica (Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo)
Apesar das semelhanças para a população, há sérias
divergências entre eles. Garotinho não se bica com Cabral e Picciani. A
“faxina ainda não terminou”, publicou Garotinho nas redes sociais em
comemoração à prisão de Picciani, Albertassi e Melo. Há duas semanas, o
Tribunal Regional Federal da 2ª Região mandou prender os três, acusados
de corrupção, mas a Assembleia Legislativa os liberou. Entretanto, no
início desta semana, o Tribunal devolveu o trio à cadeia. Garotinho,
então, tripudiou a seu estilo cruel. Mas a faxina realmente não havia
acabado. Poucas horas depois, Garotinho e Rosinha também foram
alcançados pela Polícia Federal. O casal é acusado de receber R$ 3
milhões de caixa dois de campanha do grupo J&F e extorquir dinheiro
de empresários que tinham negócios com a prefeitura de Campos dos
Goytacazes, administrada por ela até o ano passado. A acusação menciona
até o uso de um braço armado para intimidar.
Garotinho e
Rosinha governaram o Rio entre 1999 e 2006 e apoiaram a eleição de
Cabral, que reinou de 2007 a 2014. Foram todos do PMDB. Mas romperam.
Mal podem se ver. Dono de uma verve invejável, adepto do mantra do
senador Antonio Carlos Magalhães “fale bem dos amigos todos os dias;
fale mal dos inimigos pelo menos duas vezes por dia”, Garotinho
massacrou a turma de Cabral nos últimos anos. Foi ele quem divulgou as
fotos da turma de Cabral a festejar em um restaurante em Paris, em 2009,
com ridículos guardanapos amarrados na cabeça. Garotinho tascou o
apelido “gangue do guardanapo”, que acompanha a todos.
O ex-governador Anthony Garotinho levado pela PF. Sua verve ácida o faz
ter medo de chegar perto de Sérgio Cabral (Foto: Pablo Jacob/Agência O
Globo)
Nesta semana, a “gangue” se reuniu na cadeia. Em uma terceira operação, a
Polícia Federal prendeu Regis Fichtner, ex-secretário de Cabral,
acusado de receber propina, e o empresário Georges Sadala, suspeito de
pagar propina para obter contratos com o governo. A prisão de Sadala era
a última que faltava no cerco à “farra dos guardanapos”, destacou a
Procuradoria da República. Ele se juntou a Sérgio Côrtes e Wilson
Carlos. O empresário Fernando Cavendish, o outro integrante, já esteve
preso, mas nesta semana foi apenas levado para depor.
As quatro levas de prisões desta semana guardaram 14 pessoas
e abriram um buraco no Rio. Na tarde de quarta-feira, como é comum em
momentos tensos, o plenário da Assembleia Legislativa estava vazio.
Derrotados pela Justiça e sem seu presidente, os deputados estaduais
sumiram. “Ficou um vácuo de poder”, afirma o deputado Flávio Serafini
(PSOL), integrante da oposição. A mudança pode criar uma paralisia,
problemática para o governador, Luiz Fernando Pezão.
Sobrevivente da turma de Cabral, Pezão exerce cargo, mas enfraquecido,
por estar enrolado na Lava Jato. Nesta semana, o operador Edimar Dantas
afirmou que Pezão recebeu R$ 4,8 milhões da Federação das Empresas de
Transporte de Passageiros (Fetranspor), a mesma acusada de pagar outros
milhões de propina a Jorge Picciani em troca de favores.
A
prisão de Picciani remove, ainda que momentaneamente, um adversário
implacável de Pezão. Picciani se fez o político mais poderoso do Rio em
cima da fragilidade financeira do governo e de Pezão. Um episódio
relatado pela Procuradoria da República mostra quem de fato dava as
ordens no estado. Em março, Picciani levou deputados estaduais a um
encontro com o presidente Michel Temer.
Recebeu uma mensagem de WhatsApp de Pezão: “Quando estiver hoje com o
presidente, reforça o apoio ao projeto de recuperação fiscal do estado”.
Era um pedido.
Picciani sempre cobrou caro para aprovar
na Assembleia medidas essenciais ao governo. Foi assim que arrebatou uma
quantidade enorme de cargos no governo. Também passou a cobrar
influência de diversas áreas. Duas fontes próximas do governador ouvidas
por ÉPOCA afirmaram que Picciani exigia benefício fiscal para o Grupo
Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava. Picciani é sócio da
Petrópolis em uma pedreira que forneceu brita para obras da Olimpíada de
2016. Ao pedir a prisão de Picciani, a Procuradoria afirma que a
cervejaria obteve R$ 283 milhões do governo em renúncias fiscais entre
2008 e 2013. Procurado, Pezão disse que nunca recebeu pedido de Picciani
nesse sentido. O deputado também nega. O Grupo Petrópolis afirma que
“não houve qualquer renúncia fiscal nas datas citadas, e sim prorrogação
de parte do pagamento do valor do ICMS”.
A última
emparedada de Picciani ocorreu dias antes de sua prisão. Ele exigiu que
Pezão nomeasse o deputado Edson Albertassi, acusado de envolvimento no
esquema de corrupção da Assembleia, a uma vaga de conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado. Pezão nega a pressão, mas nomeou
Albertassi.
Agora longe dos conchavos políticos, os
comensais do Palácio de Benfica se ocupam de necessidades mais básicas.
Suas celas, de 16 metros quadrados, possuem três beliches cada uma e
podem ainda ser equipadas com aparelhos de TV, a critério do “freguês”.
Não há dúvidas, porém, que a turma de Cabral tenta obter regalias.
Recentemente, o Palácio de Benfica recebeu a doação de uma videoteca com
160 filmes e uma TV de 65 polegadas. O Ministério Público descobriu que
a doação, atribuída a duas igrejas, era uma farsa. Os promotores
investigam se o ex-secretário Wilson Carlos bancou a compra do aparelho
por R$ 7.500 em dinheiro. Na sexta-feira (24), Garotinho disse que foi
agredido e pediu transferência para outro presídio. A Justiça aceitou. A
Secretaria de Administração Penitenciária nega a agressão, dizendo que
ele mesmo se lesionou. Velhos hábitos, de ambos os lados, persistem.
(SergioGarcia & HudsonCorreia/Época)
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