Em novembro de 1985, quando lançou o álbum Cazuza, inaugurando a carreira solo do cantor Jorge Rosenberg/VEJA
Cazuza foi o poeta da transição dos tempos políticos, nos anos 1980, quando já havia passado a grande luta pela redemocratização,
mas muita coisa ainda estava fora do lugar naquele Brasil. Ele cantou o
desconforto, a desesperança, a aflição com a “caretice”, mas o incrível
é que, olhando hoje, parece que o músico previu 2020, 2019, 2018…
No aniversário de 30 anos de sua morte, a
genialidade de Cazuza ganha uma nova dimensão. Desde o início da atual
crise política e econômica, nascida no final de 2014, a democracia
brasileira parece viver de sobressaltos em sobressaltos. Se
testemunhasse uma eleição em que um candidato exaltou notório torturador
e ainda saiu vencedor, o músico certamente diria “meus inimigos estão
no poder”.
Em tempo de intolerância nas redes, nas
quais as palavras “comunismo” e “fascismo” voltaram a ser usadas
constantemente, fica a pergunta: será que Cazuza diria “ideologia, eu
quero uma para viver”? “O meu partido é um coração partido. E as ilusões
estão todas perdidas. O meu futuro é duvidoso, eu vejo grana, eu vejo
dor”, responderia ele com um dos seus clássicos.
A recusa em aceitar os ditames da
“burguesia” se traduziu num rock pulsante com ativismo poético e
comportamental contra uma sociedade que se apresentava doente, carente
de um projeto que cativasse gerações. Suas músicas já entoavam protestos
contra a corrupção, mas sem a dose de fanatismo que décadas depois iria
ajudar a cindir o país numa fenda autofágica.
Cazuza e seus parceiros musicais legaram
ao país versos célebres como “a tua piscina tá cheia de ratos, tuas
ideias não correspondem aos fatos, não, o tempo não para”. E o tempo de
fato não parou, muito embora haja uma sensação latente, suspensa em um
ar pesado e triste, de que estamos “vendo o futuro repetir um passado”.
Cada vez mais trágico.
O poeta foi o porta voz visceral de uma
geração que gritava por liberdade política, artística, cívica e sexual
depois de 21 anos de arbítrio e perseguição. Esgotou nas canções um
grito de revolta e crítica que mobilizou uma juventude politizada. A
mesma geração que queria apenas viver e fazer “o dia nascer feliz”. A
arte claramente atemporal de Cazuza deixou até uma promessa que se viu
cumprida: “Grande pátria desimportante em nenhum instante eu vou te
trair”.
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