EIKE
De
sétima fortuna do mundo a maior meme do Brasil. Parece que esse é um
caminho só de ida para Eike Batista — pelo menos nas redes sociais.
Assim que anunciou, com pesar, sua “volta à classe média”, o empresário
voltou a jato (sem jatinho) para a classe AAA das sátiras que associam
sua imagem a ícones populares como copos de requeijão, cupons de
desconto e pacotes de férias da CVC — fenômeno que teve uma primeira
leva quando foi anunciada a desvalorização de seu patrimônio. Depois de
450 dias sumido do Twitter, ele apelou aos 140 caracteres para tentar se
explicar. Em vão. A efervescência de piadistas virtuais, reais e
profissionais mostra uma tendência que veio para ficar: cada vez mais, a
classe média ri de si mesma.
Seja por não ter acesso a símbolos da
classe A (o que faria parecer mais rica), seja por ver a classe C adotar
os seus (o que a faz parecer mais pobre), a classe média sofre. A
expressão, inclusive, batiza um tumblr que captou essa luta de classes
em seu início. Em 2011, inspirados no site americano White Whine (que se
autodefine como “uma coleção de problemas de primeiro mundo”), o
escritor carioca Alex Castro e amigos criaram o
classemediasofre.tumblr.com.
— Claro que a gente é de classe média; se a gente não fosse, seria uma coisa horrível, miserável — diz Alex.
A fórmula: colher nas redes sociais
lamentos do tipo “aeroporto virou rodoviária” e temperar com um
comentário ironicamente indignado. Sobre a queda de Eike Batista,
escreveram: “Olha, já estava difícil de aturar a fila na churrascaria
rodízio por causa dessa gentalha vinda de baixo. Se começar a cair gente
de cima, não vai sobrar perfume Polo pra ninguém.’’
Desde o primeiro post, os autores dos
comentários colhidos na web têm foto e nome apagados. Para Alex, a
identidade protegida fez o público se identificar — o protesto lido
poderia ser o do leitor. Os fãs mais empolgados, que contribuíam
enviando exemplos, foram recrutados como editores, e o site ganhou vida
própria, com centenas na criação (ainda que não-intencional) e uma dúzia
filtrando conteúdo.
— Só trabalhei no primeiro dia — brinca Alex.
O site inspirou homenagens: um rap com
seu nome, composto por Cauê Moura, com clipe estrelado pelo CQC Murilo
Couto, já soma milhões de acessos. Um dos testes mais populares do
famoso site de listas Buzzfeed é “Quão ‘classe média sofre’ você é?”.
Por fim, a consagração: a expressão entrou para léxico digital nacional.
Nas redes, muitos conscientemente encerram suas queixas
pequeno-burguesas com a hashtag #classemediasofre.
— Tenho um certo orgulhinho do site
porque vejo muita gente se autocensurando — diz Alex. — Quando penso em
tudo que as pessoas deixaram de falar, acho que é uma contribuição
mínima para o mundo.
O humor mais ferino também tem público,
como comprova a viralização de “O perfeito idiota de classe média
brasileiro”, que o jornalista e empresário Adriano Silva publicou em seu
blog Manual de Ingenuidades: “O perfeito idiota de classe média
brasileiro é, sobretudo, um cara cafona. Usa roupas de polo sem saber o
lado por onde se monta num cavalo. Nem sabe que aquelas roupas são de
polo. Ou que polo é um esporte”, escreve Adriano. O sucesso do post
surpreendeu o autor e rendeu uma continuação também muito compartilhada.
— É um comportamento que localizei na
classe média, me referindo na verdade à classe média alta, mas que pode
ser visto em qualquer classe social. O perfeito idiota brasileiro para
em vaga de deficiente ou de idoso no shopping. Não está nem aí para
ninguém. Falsifica carteirinha de estudante pelo prazer do pequeno
desvio. Somos um país de cleptomaníacos.
Como mostram os gráficos do IBGE, o
Brasil é também um país em transformação, onde os cercadinhos que
separavam as classes média baixa, média e alta se misturaram. A antiga
pirâmide social, onde cada andar era menor que o anterior, virou um
losango, com a maioria da população localizada no miolo.
Para o autor, ator e diretor Miguel
Falabella, o que importa é não perder o humor. O intérprete do
personagem Caco Antibes, um falido que tinha ódio de pobre no extinto
seriado “Sai de baixo’’, diz que ri muito com a classe média:
— É uma forma do inconsciente coletivo
digerir esse mundo absurdo. Eu adoro essas piadas, está no nosso DNA. A
comédia é o melhor jeito de dizer a verdade, melhor até do que carta
anônima. Não me sinto ofendido quando fazem piada comigo e acho que o
Eike também não deveria se ofender. Aliás, acho que ele nem se ofende
mais.
Aliás, na mais recente delas, uma
montagem com Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Regina Casé, o empresário
aparece com uma cara ótima.
O Globo
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