Um
projeto de lei na Câmara dos Deputados quer dar imunidade aos crimes de
injúria e difamação para as opiniões de líderes religiosos e de
professores no exercício de suas atividades.
O texto, com o objetivo declarado de
garantir a liberdade de expressão, é criticado por dar imunidade
criminal a um grupo específico e chega num momento em que líderes
religiosos são questionados na Justiça sob acusações de ofensas e
incitação à violência contra homossexuais e religiões afro-brasileiras.
A proposta deve voltar a tramitar a
partir de fevereiro, com o fim do recesso parlamentar, na comissão
especial criada em novembro para dar parecer sobre o projeto.
O autor do texto, deputado Takayama
(PSC-PR), justifica a proposta com o argumento de que ministros
religiosos, como padres e pastores, podem ter opiniões consideradas
ofensivas ao criticar “condutas” condenadas por sua religião.
[O ministro religioso] segundo os
valores da sua fé tem que se posicionar contra determinadas condutas que
afrontam esses valores, e que podem ser considerados como ofensivas por
outros que defendem posição divergente
Texto da justificativa ao projeto de lei, apresentado originalmente em 2005
A reportagem do UOL pediu uma entrevista
a Takayama, por meio de assessores do deputado. Mas, desde o dia 6 de
janeiro, ainda não obteve resposta.
O texto em tramitação hoje abre uma
brecha para que qualquer pessoa que emitir uma manifestação de teor
religioso fique imune aos crimes de injúria e difamação.
Diz o texto mais atual da proposta que
não será configurada como crime de injúria ou difamação “a manifestação
de crença religiosa, em qualquer modalidade, por qualquer pessoa, acerca
de qualquer assunto e a opinião de professor no exercício do
magistério”. A modificação foi inserida em 2013, durante tramitação na
CCJ (Comissão de Constituição de Justiça).
Bancada evangélica
Juristas religiosos criticam o projeto.
Para o presidente da Anajure (Associação Nacional de Juristas
Evangélicos), Uziel Santana, o direito à opinião não deve ser defendido
com base em alterações nas leis penais.
Santana afirma ver contradição na
crítica feita por setores religiosos ao projeto de tornar crime opiniões
que ofendam os homossexuais (homofobia) e a defesa do texto de
Takayama.
“Então, quando os próprios evangélicos
criticam o PL 122/06 da homofobia justamente por que é uma norma penal,
como eu, evangélico, vou defender um projeto de natureza penal para dar
uma excludente a essas duas questões [injúria e difamação] a professores
e religiosos?”, questiona Santana. “Acho que legislação penal não serve
para direitos humanos. Essa é uma opinião fechada da Anajure”, diz.
Religiosos, professores, homossexuais,
de direita e de esquerda devem ser cidadãos. E como cidadãos eles têm
seus direitos e seus deveres
Uziel Santana, presidente da Anajure
O presidente da Anajure, que tem
acompanhado a tramitação do projeto, diz que a comissão especial foi
criada originalmente para analisar o projeto do Estatuto da Liberdade
Religiosa, mas por pressão da Frente Parlamentar Evangélica, foi
incluído o projeto que trata dos crimes de injúria e difamação.
Dos 23 membros titulares da comissão que vai analisar o projeto, 17 fazem parte da frente evangélica, e dois da frente católica.
A reportagem do UOL pediu uma entrevista
ao deputado João Campos (PSDB-GO), coordenador da Frente Parlamentar
Evangélica, mas não obteve resposta de seus assessores até esta
quarta-feira (26). O relator do projeto na comissão, Leonardo Quintão
(PMDB-MG), também não retornou os pedidos de entrevista feitos à sua
assessoria durante o mês de janeiro.
O presidente da comissão, Antônio Jácome
(PMN-RN), afirmou que o trabalho da comissão ainda está no início e que
o objetivo é “ouvir todos os lados envolvidos no assunto” e produzir um
texto que “ajude no combate à intolerância religiosa”, disse, em nota
enviada por sua assessoria de imprensa. Foram realizadas apenas duas das
40 sessões de prazo da comissão.
O que é injúria e difamação
O crime de difamação é a atribuição a
alguém de um fato ofensivo à sua reputação. Por exemplo, dizer que
alguém é desonesto ou que trai a mulher. Já a injúria está relacionada
ao ato da ofensa em si, e pode ser configurada por meio de xingamentos,
por exemplo. A dupla costuma estar associada ao crime de calúnia, que é
quando é atribuído a alguém a prática de um crime. Por exemplo, ao dizer
que um homem é ladrão. A calúnia, no entanto, não é alvo do projeto de
lei em tramitação na Câmara.
O promotor de Justiça e professor de
direito penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) Christiano
Jorge Santos afirma que a liberdade de expressão de religiosos e
professores já é garantida por lei. Ele explica que só é configurado o
crime quando está clara a intenção de ofender, e que a lei não pune a
discussão de ideias, mesmo que contrárias a outras crenças ou
comportamentos sociais.
“Qual a justificativa para se pretender
excluir do rol dos crimes do artigo 140 [do Código Penal] uma ofensa no
contexto religioso ou praticada por quem está no exercício de função
religiosa?”, questiona Souza.
Acusações de discriminação
Líderes religiosos que se destacam por
sua atuação já tiveram opiniões questionadas na Justiça sob a suspeita
de discriminação. Em maio do ano passado, a TV Record, de propriedade do
bispo Edir Macedo, foi condenada a exibir quatro programas de televisão
como direito de resposta às religiões de origem africana por ofensas
contra elas, veiculadas no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de
Descarrego”.
Outro caso ocorreu em outubro de 2015,
quando o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3º Região) determinou que
seja retomado o processo contra o pastor Silas Malafaia por supostas
declarações homofóbicas durante o programa de TV “Vitória em Cristo”.
UOL
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