terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Ex-diretor do Idema diz que as fraudes beneficiavam deputado

OPERAÇÃO CANDEEIRO
 
A Operação Candeeiro, que desarticulou um esquema fraudulento que desviou mais de R$ 30 milhões das contas do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) entre 2012 e 2014, tomou novas proporções ontem (22). Durante o depoimento mais aguardado, dentre os 15 réus, o ex-diretor administrativo do órgão, Gutson Johnson Giovany Reinaldo, afirmou que o deputado estadual Ricardo Motta era o maior beneficiado das fraudes. 
 
O acusado, que seria da cota de indicações do parlamentar no órgão, disse em juízo que Motta recebia 60% dos recursos roubados dos cofres públicos. O deputado, em nota, negou as alegações. 
 
Gutson Reinaldo, que ainda busca assinar um termo de delação premiada com o Ministério Público, ainda afirmou ao juiz Guilherme Newton Pinto, titular da 6ª Vara Criminal de Natal, haver tomado conhecimento da operação Candeeiro e da operação Dama de Espadas pelo menos um mês antes de ambas serem deflagradas pelos promotores. 
 
A mãe dele, Rita das Mercês Reinaldo, ex-procurdora-geral da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, foi presa pela Dama de Espadas em agosto do ano passado, 15 dias antes da operação Candeeiro, suspeita de desviar recursos do Legislativo através de cheques-salário.
 
Conforme o acusado, as informação partiram de dentro do próprio Ministério Público, vazadas por pessoas ligadas a ele e a outro acusado, Clebson Bezerril, ex-chefe da unidade instrumental de Finanças e Contabilidade. Gutson relatou que foi indicado para assumir um cargo no órgão em 2011, pelo então vice-governador, atual governador do estado, Robinson Faria. 
 
“Depois que teve o rompimento de Rosalba Ciarlini (então governadora) e Robinson, foi Ricardo Motta quem me manteve lá”, afirmou. O ex-diretor disse, então, que foi procurado pelo deputado, que exigia recursos. “Um dia ele me chamou para conversar. Disse que precisava de R$ 8 a 10 milhões, porque tinha dívidas da eleição de 2010 e precisava de dinheiro para a eleição de 2012”, afirmou.
 
Os novos fatos, entretanto, não podem ser apurados na primeira instância da Justiça, visto que o deputado tem foro privilegiado. A possível participação de promotores ou funcionários do Ministério Público devem ser alvo de outra investigação, ainda apontou o magistrado. 
 
Durante a audiência, Gutson também apresentou uma nova versão para a divisão dos recursos desviados. “Eu ficava com 20% e 60% eu passava para o agente político (como se referiu ao deputado, após já tê-lo mencionado)”, disse ao juiz. Os outros 20%, apontou, eram divididos entre os outros servidores do Idema que  participavam da fraude (Clebson José Bezerril, Euclides Paulino de Macedo Neto e João Eduardo de Oliveira Soares) e os donos das empresas envolvidas. Durantes seus depoimentos, entretanto, os ex-funcionários do órgão disseram que dividiam 10% que ficavam para eles, não 20%. 
 
Questionado durante a audiência, pelo seu advogado Fabio Holanda, Gutson ainda afirmou que as exigências por mais dinheiro aumentaram no período das eleições de 2012. “Ele (o deputado) dizia que precisava de dinheiro para cumprir compromissos políticos, que ele não estava conseguindo mais em outros órgãos”, disse. Gutson ainda afirmou que se sentia pressionado a enviar recursos, tendo inclusive que tomar remédios para se acalmar.
 
O réu ainda garantiu que desconhecia como funcionava o esquema. Ele apenas assinaria os ofícios usados para liberar os recursos do banco para as empresas integrantes da fraude. Essas empresas, que não tinham qualquer contrato com o Idema, devolviam o dinheiro ao grupo, para ser rateado. 
 
Conforme o depoimento, o ex-chefe do setor financeiro Clebson Bezerril (que assinou acordo de delação premiada), era o responsável pela parte técnica do esquema, sendo o que melhor conhecia o Sistema Integrado de Administração Física e Financeira. 
 
Deputado nega participação
 
Em nota, o deputado estadual Ricardo Motta negou as declarações de Gutson Reinaldo e classificou as afirmações como caluniosas. Veja a nota completa: 
 
“Venho a público manifestar meu repúdio diante de noticiário sobre declaração de ex-diretor do Idema citando de forma espúria e sem provas o meu nome. Nada do que foi dito é verdade. Nada, absolutamente, nada. Por isso, tomarei as medidas cabíveis para que este absurdo não fique impune. Não fui responsável por sua indicação, nomeação, tampouco pelos seus atos e jamais aceitarei a calúnia cometida contra a minha pessoa. Que ele responda por suas práticas, sem tentar macular a honra alheia ou maldosamente terceirizar delitos que cometeu, numa desesperada e leviana manobra para transformar quem nada tem com o caso, em boia de salvação do seu naufrágio moral. Estive, estou e estarei à disposição da Justiça. Em sete mandatos de deputado estadual jamais foi encontrada qualquer irregularidade em minha vida pública. Estou, muito mais, com a paz, a serenidade e a firmeza inabalável da consciência tranqüila”.
 
Defesa diz que provas serão apresentadas se houver delação 
 
O advogado Fábio Holanda, responsável pela defesa de Gutson Reinaldo, afirmou que ele ainda tem interesse na delação premiada. De acordo com ele, o seu cliente poderia apresentar provas testemunhais e os nove telefones usados por ele à época, para que os investigadores peçam a quebra do sigilo telefônico. “Era só checar as datas da liberação dos recursos, as datas dos saques e as ligações do deputado pedindo encontros”, afirmou.
 
Ainda de acordo com o advogado, o réu poderia apresentar informações tanto sobre a operação Candeeiro, quanto sobre a Dama de Espadas. De acordo com ele, Gutson tinha conhecimento de grande parte do esquema na AL. “Resta saber se o Ministério Público quer saber isso”, disse o advogado. 
 
O promotor de Justiça Paulo Batista Lopes Neto afirmou que as investigações feitas até o momento não confirmavam a tese do réu. “Isso tudo tem que ser avaliado à luz daquilo que se pode provar. O fato é que em todo o processo, o nome do deputado Ricardo Motta não aparece em nenhum depoimento formal. Isso tudo que está no processo até o momento não dá suporte à tese”, apontou. 
 
Apesar disso, ele não descartou que ainda possa haver a delação premiada. De acordo com o promotor, o acordo não foi fechado até agora, porque a defesa só procurou os promotores na última segunda-feira (15). Para ele, na ocasião não havia provas, nem tempo hábil para avaliar as declarações do réu. “Ele diz que tem coisas a entregar. Quando o Ministério Público receber isso, se ele ainda tiver interesse em fazer a delação, vai ter que fazer um balizamento dessas provas para saber se há de fato possibilidade de êxito em uma ação penal, ou numa investigação contra o deputado”. 
 
Acusados receberam informações vazadas de dentro do MP
 
Gutson Reinaldo ainda disse durante seu depoimento à Justiça que soube das duas operações (da que o prendeu e a Dama de Espadas, na ALRN) pelo menos um mês antes de acontecerem, através de um ‘pai de santo” que ele conheceu na casa da sua mãe, Rita das Mercês Reinaldo. Rita das Mercês foi presa 15 dias antes do seu filho, suspeita de liderar um esquema de desvios na Assembleia Legislativa do RN, onde era procuradora-geral, durante a operação Dama de Espadas. 
 
O “pai de santo” identificado como Rafael Sobral Pinto virou sócio de uma das empresas de Gutson após se envolver no esquema. Ele não foi acusado pelos promotores. “Rafael avisou que ia acontecer. Ele conseguiu subtrair alguns documentos de dentro do Ministério Público, porque ele tinha uma boa circulação lá dentro”, disse. Ainda de acordo com o réu, o homem seria um guru espiritual de sua família, de deputados e de alguns membros do próprio MP. 
 
Gutson também disse que Clebson foi informado do esquema através de um informante, de dentro do MP, conhecido apenas como Tony, que teria o alertado a respeito das operações Dama de Espadas e Candeeiro. As informações haviam sido compradas por Clebson, ao preço de R$ 20 mil.
 
De acordo com o promotor Paulo Batista Lopes Neto, todas informações a respeito dos possíveis vazamentos de dentro do Ministério Público serão repassadas para a equipe do procurador-geral de Justiça e para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado para que os fatos sejam apurados. 
 
Além de Gutson Reinaldo, depuseram ontem (21) os réus Handerson Raniery Pereira, Elmo Pereira da Silva Junior, Ramon Andrade Barcelar Felipe Sousa, Antônio Tavares Neto e Euclides Paulino de Macedo Neto.
 

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