ZIMBABUE
O presidente Robert Mugabe beija sua esposa e primeira-dama Grace
Mugabe, durante as celebrações do dia da Independência do Zimbábue, no
National Sports Stadium, em Harare - 18/04/2017 (Jekesai Njikizana/AFP)
Eles poderiam ser chamados de muita coisa – na maioria nada
simpáticas. Mas é difícil resistir a retratá-los como o lorde e a lady
Macbeth da África.
Ele, aos 93 anos, com uma trajetória que foi do heroísmo à
ignomínia, cedeu a todas as tentações durante o longo reinado que foi da
luta pela independência à transformação da Rodésia em Zimbábue. Ela,
Grace, com quarenta anos a menos, apelidada de Disgrace, louca para
tomar o lugar do marido.
Foi sua desgraça, literalmente. Segundo os ingleses, que
entendem bem da antiga colônia, a ambiciosíssima primeira-dama se
enrascou ao entrar em choque com o vice-presidente, obviamente candidato
a substituir o velho Mugabe.
O nome dele é Emmerson Mnangagwa. Apelido: Crocodilo. Foi
afastado na semana passada, por artes de Grace, a quem acusou de mandar
colocar veneno em seu sorvete – o que elevaria a primeira-dama de lady
Macbeth a Agripina.
Crocodilo fugiu do país. Voltou num provável acordo com o
comandante do Exército, Constantine Chiwenga. A ver como se acomodam as
ambições, já fervilhando diante da idade avançada do velho Bob, que
insistia em não morrer nem sair do caminho.
O apego à vida e ao poder transformou Mugabe numa versão
maligna de Nelson Mandela. Como ele, lutou pela independência da colônia
situada na mesma região do sul da Africa, tão rica em diamantes que seu
maior explorador, Cecil Rhodes, deu origem ao nome colonial do país,
Rodésia.
Como Mandela – e como estava no espírito do tempo à época –,
era marxista-leninista e revolucionário. Curtiu onze anos de prisão,
tempo que aproveitou para estudar e conseguir seis diplomas
universitários.
Mal os rebelados conseguiram a independência e outra praga
africana caiu sobre o Zimbábue: a guerra tribal. Foi a época do Zanu
contra o Zapu, siglas quase idênticas com líderes revolucionários
inimigos. Mugabe, o vencedor, tinha o apoio da China. Joshua Nkomo, o
perdedor, era sustentado pela União Soviética.
Tal como na África do Sul, o fim do império soviético mudou
tudo. Mugabe ganhou uma força das potências ocidentais. A guerra civil,
com aspectos tribais – a nação shona, de Mugabe, contra os ndebele, de
Nkomo – teve os horrores habituais, mas já estava superada. O país,
renomeado Zimbábue, tinha terras férteis e agricultores experientes.
Problema: os produtores rurais eram brancos, descendentes
dos colonos originais. Mugabe lançou uma campanha de expropriações,
invasões e inomináveis brutalidades. A produção agrícola caiu 70%,
levando todo o resto junto.
O Zimbábue conseguiu a proeza de retroceder, com uma
hiperinflação tão descontrolada que produziu uma nota de 100 bilhões de
dólares zimbabuanos. Ou foram 100 trilhões? Em qualquer hipótese, valia
praticamente nada. Em 2009, parou de imprimir moeda, passando a usar
dólares americanos e outros.
O Zimbábue chegou a ser escolhido como o pior país do mundo
para morar pelo Programa de Desenvolvimento da ONU. Cerca de 5 milhões
de pessoas fugiram para a África do Sul.
Quando foi promovida de secretária a esposa, uma vez
neutralizados os respectivos cônjuges, Grace primeiro se locupletou das
torpezas habituais. Viagens de compras a Paris, dois palacetes, festas
nababescas.
Colocada com o marido na lista de indesejáveis na União
Europeia, transferiu as compras para a Malásia e Hong Kong. Viajava em
aviões da Air Zimbabwe cheios de caixotes com dinheiro vivo.
Mais do que a loucura do dinheiro fácil, a do poder, através
da manipulação do marido cada vez mais frágil, foi a perdição de Grace.
Ela e o marido aparentemente estão em prisão domiciliar.
“Não é um golpe militar”, anunciou um porta-voz do Exército,
numa das frases mais usadas por golpistas em todo o mundo. “Só estamos
visando criminosos que estão causando sofrimento social e econômico no
país. Quando terminarmos nossa missão, esperamos que tudo volte à
normalidade.”
Alguém pode acreditar nisso?
(Por
Vilma Gryzinski/Mundialista)
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