DO RN PARA O MUNDO
Potiguar Italo Ferreira conquistou o seu primeiro título mundial ao brilhar no Billabong Pipe Masters, no Havaí.
A madrugada da última sexta-feira (20), foi de muitos festejos para a
população da pacata cidade de Baía Formosa, no interior do Rio Grande
do Norte. O município, distante 96 km da capital Natal, pôde comemorar a
maior de suas glórias no esporte nacional. Isso porque o surfista Italo
Ferreira, de 25 anos, nascido e criado na região, venceu o Circuito
Mundial Masculino de Surfe (WCT, na sigla em inglês) pela primeira vez
após ganhar do compatriota Gabriel Medina em Pipeline, na última e
decisiva etapa da disputa.
O título de Italo na principal
categoria do surfe mundial não só foi o primeiro do Rio Grande do Norte
na história como também o primeiro da região Nordeste do País. Antes
dele, apenas Gabriel Medina, em 2014 e 2018, e Adriano de Souza, o
Mineirinho, em 2015, conseguiram trazer o troféu ao Brasil, mas são,
respectivamente, representantes do Estado de São Paulo. Fato é que, das
últimas seis edições da WCT, quatro títulos vieram para o Brasil.
Mas,
afinal, quem é Italo Ferreira? Por trás dos cabelos descoloridos e da
barba por fazer do atual campeão mundial existe uma grande história de
vida. E, como costuma ocorrer com a maioria dos atletas profissionais
brasileiros, ele começou de baixo, sem contar sequer com o equipamento
essencial para surfar, ou seja, a prancha. Isso, no entanto, nunca foi
empecilho para que pudesse pegar suas primeiras ondas nos mar potiguar.
Filho
de Luiz Ferreira de Souza e Katiana Batista da Costa, Italo encontrou,
aos 8 anos, em uma das principais ferramentas de trabalho do seu pai, o
objeto que lhe colocaria de uma vez por todas no caminho do surfe.
Vendedor de peixes, Luizinho, como é popularmente conhecido o pai do
atleta, saía todos os dias bem cedo para a praia da Pipa, em Tibau do
Sul, a cerca de 61 km de Baía Formosa. Com ele, levava uma caixa de
isopor lotada de peixes e também a sua companhia fiel para a jornada de
trabalho: o pequeno Italo.
"Saíamos todos os dias em direção à Pipa para vender os peixes. Era a
forma que eu tinha de sustentar a nossa família. Como não tinha
prancha, tirava a tampa do meu isopor e começava a pegar ondas. Foi onde
surgiu todo esse interesse pelo surfe", relembra Luiz Ferreira, pai do
campeão mundial.
De posse da tampa do isopor, Italo fazia as
manobras que lhe cabia e eram possíveis. Como todo iniciante, buscava
primeiro o equilíbrio sobre o objeto para depois partir para etapas mais
avançadas. Esse processo durou quase um ano e rendeu ao pai várias
tampas quebradas, o que, segundo ele, não era capaz de deixá-lo
chateado. "Ele só queria se divertir, não dava pra reclamar. Era a única
coisa que dava pra ele fazer naquele momento e eu reconhecia isso",
justifica.
Com o isopor, Italo treinou tanto que, em dado
momento, o objeto não mais lhe serviu. Estava pequeno e quase que
inutilizável para seguir aperfeiçoando suas técnicas. Sem dinheiro para
comprar uma prancha, a família do futuro campeão contou com a ajuda de
terceiros, que doaram uma prancha velha e sem bico ao menino, capaz de
protagonizar um sorriso largo no rosto dele. "Ele só reclamava que a
prancha era pesada, mas era o que tinha, então ia pro mar assim mesmo",
rememora Luizinho, nostálgico.
Cerca de três anos depois, aos 11,
Italo ganhou sua primeira prancha nova. E foi da família. Até hoje, o
pai lembra: "Gastei R$ 120, uma fortuna na época, mas foi o melhor
presente que poderia ter dado". Com um equipamento que lhe oferecia a
qualidade mínima necessária para praticar o surfe, Ferreira passou a
aperfeiçoar manobras e, de uma vez por todas, entrou para a modalidade
de corpo e alma, disposto a fazer dela a sua profissão.
'Coisa de vagabundo'
Assim como diversas
crianças e adolescentes que decidem enveredar pelos caminhos do surfe
no Brasil, Italo sofreu, no início de sua trajetória, com o preconceito
enraizado em parte da população. Alheio aos estudos, ele gostava de
ficar no mar o dia inteiro e isso, inevitavelmente, gerava comentários
tendenciosos de algumas pessoas. O pai lembra com tristeza do que ouvia.
"Infelizmente, a gente precisou ouvir muita coisa pelo fato de
ele sempre ter se dedicado ao surfe. Devo admitir que Italo não era
muito fã dos estudos, tanto que só terminou o primeiro grau (ensino
fundamental)", comenta seu Luiz.
"Algumas
pessoas viam ele se dedicando somente ao esporte e faziam comentários
maldosos, dizendo que o surfe era coisa de vagabundo e que ele iria se
perder nesse meio. Ficávamos tristes com isso, mas procurávamos não nos
abalar", disse Luiz Ferreira, pai de Italo.
Um
dos comentários mais recorrentes que eram dirigidos aos familiares do
futuro campeão se baseavam no possível uso de drogas. "A gente ouvia que
ele iria se envolver com coisas erradas, mas hoje me orgulho muito de
dizer que meu filho não gosta nem de beber, muito menos de fumar. Nunca
fumou na vida. Sempre foi um rapaz centrado, que sabia que para ser
surfista precisava não se envolver em coisas erradas, e assim tem sido
até hoje", orgulha-se.
Além da convivência quase diária com os
comentários maldosos, Italo e sua família também sentiram de perto o
desprezo do poder público com os atletas amadores. Por diversas vezes
precisaram arrecadar recursos com os próprios parentes para que ele
pudesse ter melhores condições de treinamento. Em nenhum momento os
governos municipal e estadual ofereceram apoio financeiro ao atleta,
mesmo sabendo da origem humilde de sua família.
"Para ser
sincero, a gente nem chegou a procurar. Já sabíamos das dificuldades que
era pra conseguir, então quando ele precisava de alguma coisa a gente
juntava a família e tentava arrecadar. Cada um dava R$ 5, R$ 10 e assim
fazíamos para comprar o que era necessário. Mesmo quando ele começou a
vencer torneios, o poder público jamais chegou para dar qualquer
incentivo. É uma realidade triste do Brasil", lamenta.
(Por:Estadão Conteúdo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário