EXTREMISTAS
Os símbolos do QAnon - grupo conspiracionista norte-americano - estão presentes em várias partes do mundo. Teoria tem alta aceitação no BrasilO crescimento do discurso de ataque às instituições democráticas não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Grupos de extrema-direita de diferentes países se relacionam e chegam a reproduzir as mesmas reivindicações em contextos diferentes. É o caso dos extremistas estadunidenses que interagem com seus pares brasileiros na rede social Parler.
Esse encontro pode trazer riscos à democracia brasileira, segundo Josué Medeiros, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).
"Há uma continuidade orgânica entre a extrema-direita dos EUA e a nossa, e o próprio Bolsonaro mimetiza Trump. O risco de termos tensões após as eleições de 2022 existe e é muito forte. Teremos as eleições mais violentas da nossa história e, se Bolsonaro for derrotado, teremos uma transição marcada por, no mínimo, um incitamento ao golpismo", avalia o professor.
Um exemplo desse fenômeno é a insistência do presidente Jair Bolsonaro em defender a volta do voto impresso e acusar o atual sistema eleitoral brasileiro de fraudes, nunca comprovadas. Esse mesmo discurso foi usado e inflamado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump após a sua derrota para o democrata Joe Biden. O resultado do discurso negacionista de Trump foi a invasão do capitólio, em janeiro de 2021, que causou a morte de cinco pessoas.
Conversas entre extremistas
A relação entre os extremistas brasileiros e norte-americanos
é evidenciada pelo estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas
da Fundação Getúlio Vargas, a partir da monitoramento de contas no
Parler, uma rede social utilizada por norte-americanos deste espectro
ideológico.
Segundo o monitoramento, que analisou 93,4 milhões de publicações entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, os brasileiros são os que mais interagem com influenciadores radicais conservadores norte-americanos. 53,6% dos perfis ligados ao Brasil propagam discursos como o de denúncias de fraudes nas eleições estadunidenses , incorporando argumentos ao contexto brasileiro.
Para Victor Piaia , sociólogo e pesquisador na FGV DAPP, há uma "integração internacional" desses discursos. O pesquisador aponta que houve uma inflamação do discurso de desconfiança às instituições democráticas após a derrota de Trump nas eleições de 2020, que culminou na invasão do Capitólio.
"As plataformas de mídias sociais são essenciais nesse processo de descrédito à democracia. O Parler, objeto do estudo, é o meio utilizado por essas pessoas justamente pela falta de regulação na disseminação desses discursos, algo que é rechaçado nas redes sociais tradicionais como o Twitter e o Facebook", explica Piaia.
Além do desapreço aos métodos eleitorais vigentes, o estudo da FGV DAPP identificou alta quantidade de mensagens sobre críticas ao Supremo Tribunal Federal e aos governadores e em defesa do tratamento precoce — temas caros ao eleitor bolsonarista.
"O presidente e seus eleitores precisam de símbolos que dão concretude ao sistema que dizem combater. Na pandemia foi o STF, o Congresso, os prefeitos e os governadores. Nas eleições, é preciso um símbolo mais concreto, e esse fantasma da urna eletrônica foi alimentado desde 2018", diz Josué Medeiros.
Para o professor, o movimento radical conservador cresce no Brasil desde 2015 devido à "crise da democracia liberal representativa" no país. "O Brasil tem um terreno mais fértil para esse tipo de extremismo do que na Argentina e Uruguai, por exemplo. As instituições aqui perderam credibilidade, ou porque não entregam o que prometem, ou porque se isolam da maioria das pessoas", conclui.
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