Os atentados de novembro em Paris e a crescente onda de tiroteios
nos Estados Unidos acionaram um alerta na internet. Preocupados com a
segurança pública, os governos francês e americano tentam encontrar
maneiras de bloquear sites e serviços online que estejam sendo usados
por terroristas e criminosos e pedem ajuda às empresas de tecnologia
As
propostas parecem uma saída rápida para acabar com a sensação de
insegurança. Contudo, as medidas podem colocar em risco um direito
fundamental dos usuários de internet: a privacidade.
Com
o aumento da pressão dos governos sobre as empresas, ativistas de
privacidade na internet têm receio de que, por trás da preocupação com a
violência, esteja uma tentativa de legitimar a vigilância em massa na
rede - uma prática que, apesar da ampla divulgação após as denúncias de
Edward Snowden, ainda continua a ocorrer.
Na
França, o clima de suspeita ronda a internet desde o ataque à redação do
jornal Charlie Hebdo, em janeiro. Em novembro, menos de uma semana após
os atentados simultâneos cometidos pelo Estado Islâmico em Paris, o
governo declarou estado de emergência de três meses e o Parlamento
garantiu ao Ministério do Interior o poder de interromper qualquer
serviço de internet que permita atos de terrorismo, incluindo redes
sociais. A polícia francesa também pode copiar dados e apreender
smartphones e computadores de qualquer pessoa, sem ordem judicial.
Para
o analista de política global da Electronic Frontier Foundation (EFF),
Jeremy Malcolm, é natural que qualquer governo se defenda do terrorismo
aprovando leis de segurança que afetam a privacidade dos cidadãos. “Foi o
que aconteceu após os ataques de 11 de setembro. Privacidade e
segurança andam de mãos dadas, e a segurança de verdade só existe em uma
sociedade em que o cidadão tem direito à sua privacidade”, diz o
analista do grupo de defesa das liberdades civis na web.
O
problema é que as medidas foram adotadas sem passar por ampla
discussão, apenas baseadas no medo de que novos ataques aconteçam. “Não
há espaço para debate público e argumentação”, diz o ativista francês do
grupo La Quadrature du Net, Jérémie Zimmermann.
Segundo
ele, as medidas adotadas pelo governo francês oficializam a vigilância
em massa. “Para saber o que interessa a uma investigação, é preciso
olhar tudo o que há na internet. Mesmo quem não tem nada a ver com
terrorismo está sob vigilância do governo”, diz.
França estuda bloquear redes Wi-Fi públicas
As
medidas adotadas pela França são, aparentemente, só o começo. Há dez
dias, o jornal francês Le Monde noticiou uma proposta que a polícia
entregou ao Ministério do Interior em que se pede o bloqueio de redes
Wi-Fi públicas e do navegador Tor, conhecido por garantir anonimato dos
usuários da web. A polícia alega que, sem essas ferramentas, é mais
fácil rastrear a comunicação dos terroristas - apesar de mensagens de
texto (SMS) e o Facebook serem apontados como as principais ferramentas
dos radicais que realizaram os ataques de novembro.
O
bloqueio das redes Wi-Fi pode restringir o acesso de muitas pessoas que
só tem essa alternativa para navegar na web, embora não haja provas de
que a medida seja efetiva. “Muitos direitos estão sendo prejudicados sob
o argumento de salvar vidas”, diz o coordenador da área de privacidade
do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio),
Mário Viola. “Mas não há provas que vidas podem ser salvas com a
vigilância em massa.”
No caso do Tor, o navegador
mascara as informações enviadas pelos usuários pela rede, um recurso
útil para pessoas que não querem que suas atividades sejam monitoradas,
como jornalistas, informantes e vítimas de abuso e violência. “Bloquear o
Tor por causa dos terroristas é como fechar uma estrada só porque ela
poderá vir a ser usada por um criminoso”, diz Malcolm, da EFF.
A
tensão entre privacidade e segurança não é nova na internet. Segundo o
pesquisador em criptografia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), Roberto Gallo, o dilema é parte da vida em sociedade. “O Tor é
muito útil onde existe repressão de opinião, mas seu valor é
relativizado em sociedades democráticas, nas quais raramente há abusos
de poder nas investigações.”
Nos
EUA, a preocupação com a ligação entre redes sociais e a onda de
violência ganhou força nas últimas semanas, após tiroteios em diversas
regiões do país. Na Califórnia, região que é berço das principais
empresas de tecnologia do mundo, um tiroteio promovido por um casal de
radicais islâmicos matou 14 pessoas.
O atentado
foi celebrado em contas a favor do Estado Islâmico, conhecido por sua
atuação massiva nas redes sociais. Um grupo chamado Asawitiri Media usou
sua 335ª conta no Twitter (as anteriores foram excluídas por
envolvimento com terrorismo) para divulgar a mensagem: “Já chegamos com
nossos soldados. Decida como será seu fim: com faca ou bomba.”
Em
resposta aos ataques, o presidente dos EUA, Barack Obama, pediu
providências urgentes. “Peço que as empresas de tecnologia e os líderes
de Justiça tornem mais difícil que os terroristas usem tecnologia para
escapar”, disse ele. No Senado, um grupo de democratas apresentou nesta
semana um projeto de lei para que empresas como Facebook, Google e
Twitter sejam obrigadas a notificar o governo caso seus serviços sejam
usados por terroristas. Segundo ativistas, a medida representa um
chamado para que essas companhias ajudem o governo a policiar a internet
“O
terrorismo, assim como a pornografia infantil, é sempre usado para
justificar a vigilância em massa. No entanto, não há estudos que provem
que o monitoramento ajuda a combater ameaças reais de terrorismo”, diz
Malcolm, da EFF.
Procurado pelo jornal O Estado de
S.Paulo, o Twitter declarou, em nota, que revisa “todo o conteúdo
reportado que vai contra suas regras, que proíbem ameaças de violência,
bem como terrorismo”. A empresa diz não monitorar o conteúdo “de forma
proativa”.
Já o YouTube afirma que remove
conteúdos ligados ao terrorismo “assim que eles são sinalizados pelos
usuários”. Em 2014, a empresa retirou do ar mais de 14 milhões de
vídeos.
Rio-2016 acende debate
No
Brasil, a tensão entre privacidade na web e segurança pública não tem
hoje a mesma intensidade que na França e nos EUA. No entanto, com a
chegada de grandes eventos internacionais, como os Jogos Olímpicos de
2016, que serão realizados no Rio de Janeiro, este é um tema que deve
ganhar força nos próximos meses.
“Não existe no
Brasil uma lei que tipifique o terrorismo. A privacidade vai ser
colocada à prova nessa discussão”, diz o coordenador da área de
privacidade do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
(ITS-Rio), Mário Viola. Uma lei antiterrorismo, hoje debatida no Senado
Federal, deve ser votada até o início dos Jogos, marcados para agosto de
2016. “Imagino que teremos drones e câmeras espalhadas por aí, além de
forte monitoramento online, para assegurar um período mais tranquilo nos
jogos”, diz o pesquisador. Para Marília Maciel, gestora do Centro de
Tecnologia e Sociedade, mantido pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de
Janeiro, o momento é de prestar atenção. “Depois que os grandes eventos
passam, a lei fica”, diz, ressaltando que privacidade hoje é tema pouco
debatido no País.
Legislação
O
Brasil tem poucas leis que abordam a privacidade online: além da
garantia à vida privada e à intimidade na Constituição Federal, o Marco
Civil da internet tem alguns artigos que se dedicam ao tema. O principal
deles diz respeito à guarda de registros de conexão - que devem ser
armazenados por um ano pelos provedores de conexão (operadoras) e por
seis meses pelos provedores de serviço (como redes sociais).
Para
que esses dados sejam utilizados em investigações pela polícia e pelo
Ministério Público, no entanto, é necessária uma ordem judicial.
O
uso do navegador Tor, por outro lado, é um tema controverso entre os
juristas. De acordo com a Constituição Federal, a liberdade de expressão
é um direito fundamental, desde que seja vedado o anonimato - isto é,
que seja possível descobrir a autoria das declarações. Ao dificultar a
identificação de seus usuários, o navegador pode ser considerado
inconstitucional, dependendo da interpretação da lei.
Enigma
A
regulamentação para o uso de criptografia -tecnologia utilizada para
cifrar comunicações - também está no alvo das discussões após os
atentados. Desde 2013, os EUA buscam uma forma de ter acesso às chaves
usadas pelas empresas para criptografar mensagens dos usuários. Em um
movimento contrário, gigantes como Apple e Google reforçaram a
criptografia usada nas plataformas iOS e Android. Em um mundo onde a
vigilância é uma realidade, a criptografia é apontada como a melhor arma
para os cidadãos protegerem sua privacidade na web.
por: Bruno Capelas/ESTADO
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