domingo, 27 de dezembro de 2015

A ameaça da Web

AMEAÇAS

 
Os atentados de novembro em Paris e a crescente onda de tiroteios nos Estados Unidos acionaram um alerta na internet. Preocupados com a segurança pública, os governos francês e americano tentam encontrar maneiras de bloquear sites e serviços online que estejam sendo usados por terroristas e criminosos e pedem ajuda às empresas de tecnologia
 
As propostas parecem uma saída rápida para acabar com a sensação de insegurança. Contudo, as medidas podem colocar em risco um direito fundamental dos usuários de internet: a privacidade. 
 
Com o aumento da pressão dos governos sobre as empresas, ativistas de privacidade na internet têm receio de que, por trás da preocupação com a violência, esteja uma tentativa de legitimar a vigilância em massa na rede - uma prática que, apesar da ampla divulgação após as denúncias de Edward Snowden, ainda continua a ocorrer.
 
Na França, o clima de suspeita ronda a internet desde o ataque à redação do jornal Charlie Hebdo, em janeiro. Em novembro, menos de uma semana após os atentados simultâneos cometidos pelo Estado Islâmico em Paris, o governo declarou estado de emergência de três meses e o Parlamento garantiu ao Ministério do Interior o poder de interromper qualquer serviço de internet que permita atos de terrorismo, incluindo redes sociais. A polícia francesa também pode copiar dados e apreender smartphones e computadores de qualquer pessoa, sem ordem judicial.
 
Para o analista de política global da Electronic Frontier Foundation (EFF), Jeremy Malcolm, é natural que qualquer governo se defenda do terrorismo aprovando leis de segurança que afetam a privacidade dos cidadãos. “Foi o que aconteceu após os ataques de 11 de setembro. Privacidade e segurança andam de mãos dadas, e a segurança de verdade só existe em uma sociedade em que o cidadão tem direito à sua privacidade”, diz o analista do grupo de defesa das liberdades civis na web.
 
O problema é que as medidas foram adotadas sem passar por ampla discussão, apenas baseadas no medo de que novos ataques aconteçam. “Não há espaço para debate público e argumentação”, diz o ativista francês do grupo La Quadrature du Net, Jérémie Zimmermann. 
 
Segundo ele, as medidas adotadas pelo governo francês oficializam a vigilância em massa. “Para saber o que interessa a uma investigação, é preciso olhar tudo o que há na internet. Mesmo quem não tem nada a ver com terrorismo está sob vigilância do governo”, diz.
 
França estuda bloquear redes Wi-Fi públicas
 
As medidas adotadas pela França são, aparentemente, só o começo. Há dez dias, o jornal francês Le Monde noticiou uma proposta que a polícia entregou ao Ministério do Interior em que se pede o bloqueio de redes Wi-Fi públicas e do navegador Tor, conhecido por garantir anonimato dos usuários da web. A polícia alega que, sem essas ferramentas, é mais fácil rastrear a comunicação dos terroristas - apesar de mensagens de texto (SMS) e o Facebook serem apontados como as principais ferramentas dos radicais que realizaram os ataques de novembro.
 
O bloqueio das redes Wi-Fi pode restringir o acesso de muitas pessoas que só tem essa alternativa para navegar na web, embora não haja provas de que a medida seja efetiva. “Muitos direitos estão sendo prejudicados sob o argumento de salvar vidas”, diz o coordenador da área de privacidade do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), Mário Viola. “Mas não há provas que vidas podem ser salvas com a vigilância em massa.”
 
No caso do Tor, o navegador mascara as informações enviadas pelos usuários pela rede, um recurso útil para pessoas que não querem que suas atividades sejam monitoradas, como jornalistas, informantes e vítimas de abuso e violência. “Bloquear o Tor por causa dos terroristas é como fechar uma estrada só porque ela poderá vir a ser usada por um criminoso”, diz Malcolm, da EFF.
 
A tensão entre privacidade e segurança não é nova na internet. Segundo o pesquisador em criptografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Gallo, o dilema é parte da vida em sociedade. “O Tor é muito útil onde existe repressão de opinião, mas seu valor é relativizado em sociedades democráticas, nas quais raramente há abusos de poder nas investigações.”
Terrorismo celebrado abertamente na rede

Nos EUA, a preocupação com a ligação entre redes sociais e a onda de violência ganhou força nas últimas semanas, após tiroteios em diversas regiões do país. Na Califórnia, região que é berço das principais empresas de tecnologia do mundo, um tiroteio promovido por um casal de radicais islâmicos matou 14 pessoas.
 
O atentado foi celebrado em contas a favor do Estado Islâmico, conhecido por sua atuação massiva nas redes sociais. Um grupo chamado Asawitiri Media usou sua 335ª conta no Twitter (as anteriores foram excluídas por envolvimento com terrorismo) para divulgar a mensagem: “Já chegamos com nossos soldados. Decida como será seu fim: com faca ou bomba.”
 
Em resposta aos ataques, o presidente dos EUA, Barack Obama, pediu providências urgentes. “Peço que as empresas de tecnologia e os líderes de Justiça tornem mais difícil que os terroristas usem tecnologia para escapar”, disse ele. No Senado, um grupo de democratas apresentou nesta semana um projeto de lei para que empresas como Facebook, Google e Twitter sejam obrigadas a notificar o governo caso seus serviços sejam usados por terroristas. Segundo ativistas, a medida representa um chamado para que essas companhias ajudem o governo a policiar a internet
 
“O terrorismo, assim como a pornografia infantil, é sempre usado para justificar a vigilância em massa. No entanto, não há estudos que provem que o monitoramento ajuda a combater ameaças reais de terrorismo”, diz Malcolm, da EFF.
 
Procurado pelo jornal O Estado de S.Paulo, o Twitter declarou, em nota, que revisa “todo o conteúdo reportado que vai contra suas regras, que proíbem ameaças de violência, bem como terrorismo”. A empresa diz não monitorar o conteúdo “de forma proativa”.
 
Já o YouTube afirma que remove conteúdos ligados ao terrorismo “assim que eles são sinalizados pelos usuários”. Em 2014, a empresa retirou do ar mais de 14 milhões de vídeos.
 
Rio-2016 acende debate
 
No Brasil, a tensão entre privacidade na web e segurança pública não tem hoje a mesma intensidade que na França e nos EUA. No entanto, com a chegada de grandes eventos internacionais, como os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro, este é um tema que deve ganhar força nos próximos meses.
 
“Não existe no Brasil uma lei que tipifique o terrorismo. A privacidade vai ser colocada à prova nessa discussão”, diz o coordenador da área de privacidade do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), Mário Viola. Uma lei antiterrorismo, hoje debatida no Senado Federal, deve ser votada até o início dos Jogos, marcados para agosto de 2016. “Imagino que teremos drones e câmeras espalhadas por aí, além de forte monitoramento online, para assegurar um período mais tranquilo nos jogos”, diz o pesquisador. Para Marília Maciel, gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade, mantido pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, o momento é de prestar atenção. “Depois que os grandes eventos passam, a lei fica”, diz, ressaltando que privacidade hoje é tema pouco debatido no País.
 
Legislação
 
O Brasil tem poucas leis que abordam a privacidade online: além da garantia à vida privada e à intimidade na Constituição Federal, o Marco Civil da internet tem alguns artigos que se dedicam ao tema. O principal deles diz respeito à guarda de registros de conexão - que devem ser armazenados por um ano pelos provedores de conexão (operadoras) e por seis meses pelos provedores de serviço (como redes sociais). 
 
Para que esses dados sejam utilizados em investigações pela polícia e pelo Ministério Público, no entanto, é necessária uma ordem judicial. 
 
O uso do navegador Tor, por outro lado, é um tema controverso entre os juristas. De acordo com a Constituição Federal, a liberdade de expressão é um direito fundamental, desde que seja vedado o anonimato - isto é, que seja possível descobrir a autoria das declarações. Ao dificultar a identificação de seus usuários, o navegador pode ser considerado inconstitucional, dependendo da interpretação da lei. 
 
Enigma
 
A regulamentação para o uso de criptografia -tecnologia utilizada para cifrar comunicações - também está no alvo das discussões após os atentados. Desde 2013, os EUA buscam uma forma de ter acesso às chaves usadas pelas empresas para criptografar mensagens dos usuários. Em um movimento contrário, gigantes como Apple e Google reforçaram a criptografia usada nas plataformas iOS e Android. Em um mundo onde a vigilância é uma realidade, a criptografia é apontada como a melhor arma para os cidadãos protegerem sua privacidade na web.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário