BRASIL. POLÍTICA
LADOS OPOSTOS - Para o ministro Gilmar Mendes, do STF, o país corre o
risco de “despencar para um modelo de Estado policial”. Para o
procurador-geral Rodrigo Janot, vivemos um excesso de hipocrisia (Ueslei
Marcelino e Cristiano Mariz/VEJA)
Agora, a Lava-Jato faz mal à democracia. Sim, a mais recente
onda de ataques à maior investigação de corrupção na história do Brasil
agora desfila o argumento de que estamos fazendo mal ao regime
democrático. Não é exatamente recente, mas o coro engrossou.
Na semana passada, o atual ministro da Justiça do presidente
Michel Temer, Torquato Jardim, em entrevista ao jornal Valor Econômico,
disse que a Lava-Jato é uma ameaça à democracia, na medida em que está
“desfazendo a classe política”. Também na semana passada, Gilmar
Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, a voz mais insistente
contra o que considera abusos da Lava-Jato, afirmou em palestra no
Recife que o país precisa evitar o risco de “despencar para um modelo de
Estado policial”. Disse Mendes: “Expandiu-se demais a investigação,
além dos limites”.
E chegou a ser aplaudido.
O que Torquato Jardim e Gilmar Mendes denunciam hoje, o PT e
os petistas denunciavam ontem. Em outubro do ano passado, quando já era
ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, Eugênio Aragão deu
entrevista em que dizia que a Lava-Jato “faz mal à democracia
brasileira” porque os poderes vinham sendo exercidos “sem limites” — o
mesmo problema dos “limites” de Gilmar Mendes. Em março deste ano, o PT
promoveu um seminário para discutir o impacto da Lava-Jato e concluiu,
entre outras coisas, que a operação era uma ameaça à democracia, pois
enxergava nas investigações uma escalada de um Estado autoritário e de
exceção.
É forçoso notar que há uma sintonia, mas também há uma
diferença. As autoridades que hoje denunciam os males que a Lava-Jato
causa à democracia brasileira acompanham uma mudança da própria
operação. Antes, concentrada em Curitiba nas mãos do juiz Sergio Moro, a
Lava-Jato tinha como alvos preferenciais assessores de segundo escalão e
políticos sem foro privilegiado. Agora, conforme se transfere para
Brasília, porque a operação passou a mirar em autoridades ainda no
exercício do cargo e, portanto, beneficiárias do foro privilegiado, os
protestos permanecem iguais — mas mudam seus autores.
Só isso já mostra o oportunismo das críticas, mas mostra
algo mais: é também um equívoco monumental. O combate à corrupção não
fere a democracia. É o contrário: a democracia, associada à liberdade de
imprensa, é o elemento que permite e viabiliza o combate à corrupção — o
qual, num círculo virtuoso, fortalece o próprio regime democrático.
Nesse sentido, a voz que não mudou de lado continua sendo a
do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na semana passada,
diante do bombardeio de críticas à Lava-Jato e das insinuações de
agressões à democracia, Janot disse o seguinte: “Basta de hipocrisia.
Não há mais espaço para a apatia. Ou caminhamos juntos contra essa
vilania que abastarda a política ou estaremos condenados a uma eterna
cidadania de segunda classe, servil e impotente contra aqueles que
deveriam nos representar com lealdade”.
VEJA assina embaixo.
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