
O traficante Fernandinho Beira-Mar durante julgamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Luiz Roberto Lima/Futura Press/VEJA/VEJA)
Preso em regime de segurança máxima, o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar,
tem planos de lançar um empreendimento. Desde 2019, está em trativas
para colocar no ar um site em que pretende divulgar sua história de
vida, vender livros de sua autoria e souvenirs como camisetas, canecas e bonés sob a marca “FBM”.
O site seria administrado, em parte, a partir da cela que Beira-Mar ocupa na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Segundo sua advogada, Paloma Gurgel, agentes penitenciários revisam
todo o material enviado ao preso, como textos e propostas de desenho das
páginas. A demora na troca de correspondências seria, inclusive, motivo
de demora na aprovação dos materiais.
Para executar as iniciativas, o
jornalista e escritor Renato Homem foi contratado para o gerenciamento
de conteúdo do site. Ele diz que não há data para o lançamento, mas a
expectativa é que esteja no ar até o fim deste ano.
“Vou escrever aquilo que ele, Fernando (Beira-Mar), deseja ver no site dele”, resume o escritor, que trabalhou como ghost writer no livro O Direito Penal do Inimigo, do traficante Marcio Santos Nepomuceno, o Marcinho VP. A aproximação com Beira-Mar teria ocorrido logo depois do lançamento, em outubro de 2017.
Homem pretende fazer um trabalho semelhante com o conteúdo do site e com dois livros que Beira-Mar pretende
lançar. O primeiro é fruto da monografia que o traficante escreveu para
a conclusão de curso em Teologia, feito à distância enquanto cumpria
pena. A segunda obra é uma autobiografia. Nenhum dos livros tem título
definitivo.
Somadas, as penas de Beira-Mar chegam
a 317 anos de prisão. Entre outras condenações, ele foi sentenciado em
2015 a 120 anos por liderar uma guerra de facções dentro do presídio
Bangu I, na qual quatro rivais foram assassinados, em 2002. Ele está
fora do Rio desde 2006, e desde então passou por três unidades de
segurança máxima do sistema penitenciário federal: Catanduvas (PR),
Porto Velho (RO) e Mossoró (RN).
Em maio de 2017, ele foi
transferido para o Rio Grande do Norte após a deflagração da Operação
Epístolas, que através de investigações apontou que, mesmo do presídio, Beira-Mar ainda comandaria negócios que chegaram a movimentar R$ 9 milhões nos últimos anos. A ação da PF prendeu dez de seus parentes.
‘Projeto literário-social’
Beira-Mar chama a
iniciativa do site de “projeto literário-social”, segundo Homem. O plano
é encomendar o fornecimento das camisetas e bonés em parceria com uma
ONG no Rio de Janeiro que trata dependentes químicos, que ficariam
responsáveis pela confecção dos materiais. Uma exigência seria que os
materias sejam reciclados. A reportagem questinou o nome da ONG, mas o
escritor não soube informar.
O foco do site seria a divulgação de textos de Beira-Mar sobre sua trajetória no crime, com perguntas e respostas, apesar de haver previsão da venda de artigos pela internet.
“Ele pretende, nesse site,
responder às perguntas que as pessoas têm curiosidade, do tipo, ‘Qual
foi o primeiro carro que você roubou? Você já participou de assalto a
banco? Como foi sua convivência com os guerrilheiros das Farc (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia?'”, conta Homem. Beira-Mar foi
preso em 2001 na Colômbia após se refugiar com o grupo guerrilheiro.
“Ele garantiu que não vai ter apologia (ao crime nos textos).”
O professor Claudio Langroiva, que
ensina Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica
(PUC-SP), diz que não conhece e merece análise da Justiça. Ele diz que, a
princípio, a abertura do site não representa apologia ao crime, mas
mesmo assim viola princípios da legislação penal.
“Acredito que isso desvirtua o
princípio da medida educadora e punitiva previsto no cumprimento de
pena”, diz Langroiva. “Enquanto a pessoa está institucionalizada, está
presa, os seus direitos estão sob a tutela do Estado.”
Questionado sobre o monitoramento
dos materiais do site enviados ao preso e sobre a legalidade dos planos,
o Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu até a
publicação deste texto.
(Por Estadão Conteúdo)
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