sábado, 5 de agosto de 2017

Abandonada pelo Poder Público, Ribeira tem fuga de comerciantes e prédios em destroços. Um dos bairros mais tradicionais de Natal sofre com desleixo de órgãos públicos, que não oferecem condições para que região seja revitalizada

EM RUÍNAS
 
 Imóveis abandonados existem em demasia no bairro histórico da capital potiguar

A pujança do comércio de décadas atrás e a movimentação intensa de frequentadores hoje deu lugar ao abandono e ao descaso. Esse é o retrato do tradicional bairro da Ribeira, na zona Leste de Natal, que, apesar de guardar traços e elementos marcantes da história e da cultura potiguares, está entregue totalmente ao acaso.

Pelas ruas, avenidas e vielas da região, não é difícil encontrar sujeira, fachadas em ruínas, lixo acumulado em prédios e canteiros e a mesma queixa de comerciantes e moradores: total abandono de uma das localidades com maior potencial turístico da cidade.

O cenário de descuido e omissão do Poder Público, aliado ao momento de crise econômica, provocaram um efeito imediato: a fuga de comerciantes da região. Na rua Doutor Barata, por exemplo, são poucos os estabelecimentos que ainda mantêm portas abertas. É o caso do empresário Carlos Melo, de 40 anos, que herdou da família uma loja de materiais para construção no local e enfrenta atualmente dificuldades para continuar o negócio.

Entre as barreiras, o empresário destaca o aumento na incidência de criminalidade na região, a falta de cuidado com os equipamentos públicos, ausência de reparo nas vias e as taxas e empecilhos impostos pela Prefeitura de Natal para autorizar intervenções nos prédios e nas ruas. Tal situação torna o bairro pouco atrativo. “Se eu quiser colocar uma placa na fachada do meu comércio – o que até ajudaria na iluminação da rua, é a maior burocracia e ainda tem que pagar taxas”, conta Carlos.
Por causa disso, o fato de a Ribeira ser um bairro histórico, na avaliação do comerciante, só atrapalha o desenvolvimento da região. “Tentei modificar diversas vezes o prédio, mas não pode. A Prefeitura só atrapalha. Também houve um aumento no IPTU, em alguns prédios daqui, de até oito vezes o valor que era”, reclama, afirmando não ver o imposto pago revertido em ações de melhorias para a região.

De dia, a Ribeira fede, tem esgotos jorrando pelas ruas (apesar de ser uma das poucas regiões da cidade que têm rede de esgotamento sanitário funcionando) e muito lixo; à noite, o agravante: é escura e violenta.

Dificuldades como a relatada por Carlos Melo foram os principais motivos para o fechamento de unidades comerciais na Ribeira. Em muitos casos, a impossibilidade de continuar arcando com as despesas fez com que empresários entregassem o prédio para credores para se livrarem das dívidas. Os espaços, contudo, não recebem a atenção devida do Poder Público, que tem, em muitos casos, a propriedade de prédios, como é o caso da Receita Federal.

E aí outro problema surge, que é a ocupação desses prédios por moradores de rua, usuários de drogas ou invasores que utilizam os espaços como depósito para usas mercadorias. Em alguns casos, por causa da estrutura abandonada, há infiltrações e volumes de água ficam acumulados na região interna, propiciando criadouros de insetos e mosquitos como o Aedes aegypti, que transmite a dengue.

Além dos infortúnios já mencionados, são perceptíveis também pichações nos prédios, que, pelo fato de muitos deles serem patrimônio público, poderiam ser fiscalizados por agentes da Guarda Municipal, o que não acontece, segundo relatos de moradores. “Já desisti de pintar as minhas portas. Eu pinto e, no outro dia, picham novamente”, relata Carlos Melo.

O desleixo do Poder Público com o bairro da Ribeira entristece quem vivenciou a época áurea do comércio da região. “Isso aqui era o comércio vivo de Natal. Hoje o que se vê são muitas casas fechadas. Estamos vivendo na base do ‘pinga-pinga’. E a insegurança está muito grande. Quando dá 16h30, 17h, temos de fechar as portas”, lamenta João Gomes Neto, de 76 anos, que trabalha em uma serigrafia.

Ele afirma que, ao longo das últimas gestões municipais, muito se falou em revitalização da Ribeira, porém nenhuma intervenção concreta foi realizada. “Inventaram, nos últimos anos, de ‘revitalizar’ a Ribeira, mas só fizeram pintar algumas casas…”, queixa-se.

De maneira unânime, os comerciantes e moradores ouvidos pela reportagem do Portal Agora RN/Agora Jornal pedem incentivos para colocar em prática reformas em fachadas e prédios, já que o Poder Público não toma a iniciativa.

Pelo fato de muitas edificações serem tombadas como patrimônio histórico, qualquer reforma deve atender a exigências muito específicas dos órgãos fiscalizadores, que são a Prefeitura de Natal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sobretudo pelo fato de o comércio estar com vendas em baixa e a maior parte dos proprietários de estabelecimentos serem de origem humilde, os empresários locais não têm condições financeiras para “embelezarem” o bairro.

“Reformar é diferente. Às vezes sai mais caro que construir um prédio novo em outro lugar”, ressalta Sérgio Teixeira, que administra um restaurante na Rua Chile. E ele conta que, ao tomar a iniciativa, na maioria das vezes, o empreendedor enfrenta punições, do que ele reclama. “Eles são ótimos fiscalizadores, mas péssimos apoiadores”. “Por isso, era preciso uma espécie de isenção de impostos para que nós pudéssemos reformar os prédios”, propõe João Gomes, da serigrafia.

Enquanto isso, o cenário de abandono impera na região. Um exemplo claro está na esquina da Rua Chile com a Travessa Venezuela. No local, está caindo aos pedaços o prédio que abrigou a boate Arpege, uma das casas noturnas mais frequentadas pela boêmia natalense décadas atrás.

Desativado nos anos 1990, o sobrado, oficialmente Edifício Galhardo, está com parte do pavimento superior completamente deteriorada, e o restante do prédio, em situação de penúria. O abandono é tamanho que até vegetação está crescendo no interior do espaço, saltando galhos pelas janelas, que estão pura ferrugem e com vidros estilhaçados. Internamente, a situação também é de total esquecimento. O mal cheiro toma conta do local por causa de animais mortos.

Tal contexto tem prejudicado a fama da Ribeira, de ser um lugar boêmio e representar uma boa opção de lazer, sobretudo à noite. O servidor público Alexandre Júnior, de 28 anos, lamenta que a região não seja melhor frequentada devido ao descaso. “A Ribeira está completamente abandonada. À noite nem se fala. Aqui poderiam haver ambientes organizados e bem frequentados. Isso desvaloriza cada vez mais a região”, finaliza.

( Tiago Rebolo/AgoraRN)

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