Em um país no qual ainda se noticiam atitudes tão abomináveis quanto o fato de 33 homens armados se reunirem para estuprar coletivamente uma garota de 16 anos, toda tentativa de extinguir o machismo e suas consequências é válida, até mesmo começar a matéria de forma infantil repetindo uma frase aparentemente tão simples, mas que ainda parece não ter sido assimilada pela sociedade.
De minissaia ou de burca, de calça justa ou balone, usando biquíni ou coberta pela canga, alcoolizada ou sóbria. Nada dá o pretexto para uma mulher ser violentada. Não. A culpa não é da jovem de 16 anos estuprada sábado passado no Rio de Janeiro.
A cruel divulgação por parte dos próprios criminosos de fotos e vídeos exibindo a menina nua e ferida na cama após o crime comoveu o país ao longo da semana e desencadeou atos de solidariedade em diversas cidades. Natal adere ao movimento neste sábado, com um ato contra o machismo a partir das 15h, na Ribeira.
Articulado pela Frente Feminista de Natal, o ato denominado “Por Todas Elas” ocorrerá hoje a partir das 15h, em frente ao prédio do Iphan/RN, entrando na programação oficial do Ocupa Minc RN. Quase duas mil pessoas já confirmaram presença através do evento criado no Facebook.
“Nós vamos realizar primeiro uma reunião, às 15h, e logo em seguida um ato percorrendo a região, todo o percurso vai ser decidido na reunião”, explica Rousi Gonçalves (42), cantora e uma das articuladoras do “Por Todas Elas”, lembrando que além do estupro coletivo da jovem outro fato indignou coletivos feministas de todo o país nesta semana: a presença do ex-ator pornô Alexandre Frota no Ministério da Educação (MEC) e suas propostas à educação do país sugeridas na ocasião.
“Em 2014 ele descreveu minuciosamente em um programa de auditório, a forma como violentou sexualmente uma mãe de santo, chamando inclusive uma moça da plateia para demonstrar o ato. Quer dizer, uma pessoa que reforça em TV aberta a cultura de estupro sugerindo propostas para a educação nacional?”, argumenta.
Por enquanto, dos 33 homens armados com fuzis e pistolas, apenas 4 foram identificados e estão com prisão preventiva, incluindo Lucas Perdomo Duarte Santos, de 20 anos, com quem a adolescente tinha um relacionamento.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização não governamental (ONG) que formula análises e pesquisa estatísticas sobre a violência no País, uma mulher é violentada no Brasil a cada 11 minutos - como apenas de 30% a 35% dos casos são registrados, é possível que a relação seja de um estupro a cada minuto.
Ao todo, no Brasil, 47,6 mil mulheres foram estupradas em 2014 (última estatística divulgada). No Estado do Rio, onde ocorreu o crime contra a jovem, foram 5,7 mil casos. Para Samira Bueno, cientista social e diretora executiva do FBSP, o caso já pode ser considerado até então o “mais grave do país”. "O que chama a atenção é a brutalidade em pensar que mais de 30 homens estupraram a adolescente e nenhum deles, em momento algum, tentou impedir", disse.
Criminosos responsáveis por praticar os crimes mais repudiados do Código Penal Brasileiro, estupro e pedofilia são chamados de “presos inseguros” e cumprem suas penas no Centro de Detenção Provisória dos Estupradores, local criado há 5 anos exclusivamente para receber essas pessoas no primeiro andar da 2ª Delegacia de Polícia de Parnamirim.
De acordo com a matéria publicada neste NOVO por Rafael Barbosa, em fevereiro deste ano, atualmente 80 homens estão encarcerados na unidade, considerada uma das mais seguras do estado, sem a realização de motins. O motivo? O medo que os presos possuem de serem transferidos para celas comuns e assim serem assassinados ou estuprados já que crimes sexuais não costumam ser tolerados na prisão.
Segundo dados da Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (DEAM) em 2015, 35 BOs foram registrados, sendo 25 relativos a estupros e 10 de violência doméstica: apenas 17 inquéritos foram instaurados. Em 2016, até o momento, 21 BOs foram registrados, dos quais 17 são relativos a estupros e 4 à violência doméstica; 10 inquéritos já foram instaurados.
Vale lembrar que os números fazem parte de um universo onde a maioria das mulheres ainda se sente amedrontadas em denunciar as agressões/violações das quais são vítimas, como explica a Delegada adjunta da DEAM, Luana Pessoa Aby Faraj.
“É muito comum que a mulher sofra um primeiro abuso do seu companheiro e deixe isso para lá, achando que aquilo não vai se repetir... somente depois de muito tempo, quando a situação se torna insustentável, é que elas procuram denunciar o crime”, explica, ressaltando também o medo das vítimas em colaborar com as investigações.
“Quando a violência é cometida por um companheiro é comum que a mulher após um tempo reate o relacionamento ou que não queira ver a pessoa que ela ama presa em uma cela, então muitas acabam dificultando as investigações”, complementa, reforçando o pedido para que as mulheres não se calem.
“É muito importante que ela denuncie assim que aconteça até mesmo porque esse tipo de crime costuma ocorrer em portas fechadas onde as únicas provas são as marcas deixadas no corpo dela, infelizmente, e que somem com o passar dos dias, dificultando ainda mais o andamento da investigação”, esclarece.
DEAM (Números referentes apenas às zonas sul, oeste e leste de Natal)
[2015]
35 Boletins de Ocorrência | 25 (estupros) e 10 (violência doméstica)
17 inquéritos instaurados | 15 (estupros por desconhecidos), 1 (estupro doméstico) e 1 (tentativa de estupro).
[2016/até o momento]
21 Boletins de Ocorrência | 17 (estupros), 4 (violência doméstica).
10 inquéritos instaurados | 5 (estupro por desconhecidos), 4 (estupro doméstico) e 1 (tentativa de estupro).
CASO ISIS
Coincidentemente, esta semana as redes sociais potiguares também se indignaram com o caso da aluna do cursinho da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Isis Karenine. Ela denunciou em sua página pessoal do Facebook ter sido vítima de assédio quando estava usando um dos banheiros da instituição e flagrou um homem lhe fotografando. Ainda de acordo com o relato assim que procurou ajuda nos corredores da instituição foi aconselhada por mais de um homem a “deixar o caso para lá, caso o funcionário supostamente tivesse apagado as fotos”.
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