ABANDONO
Andrea Tavares e Júlia Carvalho Do G1 RN
Lar da Vovozinha abriga 40 idosas com idades entre 60 e 101 anos (Foto: Andréa Tavares/G1)
Sentada em uma das cadeiras da sala de televisão do Lar da Vovozinha,
na capital potiguar, dona Rita, de 70 anos, relembra os momentos felizes
vividos além dos muros brancos do asilo onde mora. Ela conta que tem
uma família grande, mas não recebe muitas visitas. “Eu não me lembro
mais como é passar Natal e Ano Novo com a família, mas agora elas são tudo o que tenho”, disse ela sobre as outras idosas com quem convive.
Com 33 anos de existência, o Lar da Vovozinha abriga 40 idosas com
idades entre 60 e 101 anos. Elas vivem ali e aguardam ansiosas por
visitas. “Nessa época do ano elas recebem muitos agrados. Quando têm
família, algumas pessoas vem, mas muitas delas não têm mais”, afirma
Lila Carvalho, coordenadora técnica do abrigo.
Para a moradora Damiana, de 89 anos, o Lar é especial, mas sequer
lembra há quanto tempo está lá. "Anoitece e amanhece do mesmo jeito. É
sempre assim", conta. Damiana divide com suas companheiras histórias e
compartilha da mesma saudade. "Eu tenho muitas amigas. É bom morar
aqui", relata.
O Lar vive de doações e ajuda de voluntários (Foto: Andréa Tavares/G1)
“Aqui a gente não conta tempo não, estamos sempre aqui. É isso”, disse
Severina, de 81 anos, quando perguntada sobre há quanto tempo mora no
Lar. Ela, que é natural de Nísia Floresta,
na Grande Natal, conta que é importante fazer o que gosta, como dançar e
cantar. “Eu gosto de receber visitas, faço muitos amigos, é muito bom
conversar”, acrescenta.
Adora contar histórias. E ri. A cabeça não está muito confiável com o
passado, mas sobre o dia a dia no Lar não tem dúvida. Espirituosa, dona
Severina, canta e encanta. "Deus é amor, Deus é poder, sem Jesus ninguém
pode viver", canta um trecho após revelar seu amor pela religiosidade.
Dona Graciete mostra, com satisfação, seu lenço no cabelo (Foto: Andréa Tavares/G1)
Assim como Severina, a aposentada Graciete, 62, também encontrou no
abrigo o amparo que precisava. “Eu vim para cá quando meu filho foi
preso por maus tratos. Ele não cuidava dos meus machucados, que ficavam
feios e doíam muito”, conta Graciete, que ainda carrega no corpo as
marcas do abandono.
Mas, agora, a velhinha exibe um sorriso tímido quando recebe elogios
dos visitantes. “Eu tô bonita?”, pergunta para quem passa. A
simplicidade é um dos princípios que regem o Lar, não à toa muitas das
senhoras se utilizam desse atributo para se fazerem felizes com aquilo
que dispõe. Dona Graciete faz questão de exibir seus lenços, que já não
podem mais ser amarrados tão fortes por causa de um AVC que enfraqueceu
seus braços.
''Quando vocês saem, parece um cemitério'', lamentou Maria Araújo, de 79 anos. Moradora do Lar há 4 anos, ela é natural de Caicó,
município da região Seridó. O brilho nos olhos expressa a saudade que
tem de casa, de uma irmã falecida, de sobrinhos e outros três irmãos.
Ela conta que na noite de Natal não recebeu visitas, mas recorda com
amor os presentes trazidos pela sobrinha dias antes. “Ganhei alguns
vestidos longos e cortei pra ficarem mais curtos. E também dei para
algumas delas. Muitas não recebem nada”, disse, referindo-se às outras
senhoras.
"Muitas que chegam aqui não têm ninguém", afirma Lila, coordenadora técnica do Lar (Foto: Andréa Tavares/G1)
“Geralmente elas chegam aqui em condições bem difíceis e através dos
cuidados conseguem melhorar”, ressalta Lila. Com o trabalho diário, os
profissionais acabam se tornando parte da família das idosas e muitas
vezes sendo a única referência para elas, que já foram rejeitadas pela
família e pela própria sociedade.
“Nós sabemos que muitas que chegam aqui não têm ninguém. Algumas têm a
presença de familiares, mas outras não se tornam muito presentes. Estar
com elas no dia-dia faz com que fiquem apegadas a gente, como uma amiga,
é assim que eu me sinto, como um amiga delas também. Não me sinto
sozinha e também não deixo elas sozinhas”, se emociona.
Dona Zeneide, de 80 anos, é uma das moradoras do Lar (Foto: Andréa Tavares/G1)
“Ernestina, graça das moças, alegria das meninas”. É assim que dona
Ernestina se apresenta, sempre sorridente, faceira e com uma energia
grande. Para ela, o importante é conquistar sorrisos por onde passa. “Na
vida a gente tem que ser alegre, né?! Principalmente aqui”, diz.
O Lar é um refúgio para idosas que não têm para onde ir. Para dona
Francisca Maria, de 91 anos, a vida não foi fácil. “Não queira chegar à
velhice assim como eu não", fala entristecida. Segundo ela, não teve
estudos e perdeu a mãe quando tinha quatro anos. "É o jeito estar aqui",
desabafa.
Doações
Segundo a coordenadora técnica do Lar da Vovozinha, Lila Carvalho, os
recursos financeiros não são suficientes para dar conta dos 20
funcionários, despesas com alimentação, contas como água, luz, telefone,
internet e manutenção da casa. Por isso, parcerias com doadores
individuais, instituições da sociedade civil e empresas são fundamentais
para fechar as contas no fim do mês.
"A visita é fundamental", diz Lila Carvalho, coordenadora do Lar (Foto: Andréa Tavares/G1)
Tão importante quanto a doação de alimentos, a dedicação de tempo e
atenção para as vovozinhas também são itens de primeira necessidade.
“Essas doações são a parte material, mas também tem a doação afetiva. A
visita da sociedade é fundamental”, frisou Lila Carvalho. Qualquer
entidade ou grupo informal pode agendar atividades com as idosas pelo
telefone.
Serviço
Lar da Vovozinha
Avenida Antônio Basílio, 1264. Bairro: Dix-sept Rosado.
Telefone: 3223-1907.
Horário para entrega de doações:
8h às 17h de segunda a sexta-feira; 8h às 16h no sábado e domingo.
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