NOVO GOVERNO
A primeira-dama Michelle e o presidente Jair Bolsonaro, no parlatório (Evaristo Sá/AFP)
O destaque absoluto na posse de Jair Bolsonaro não
foi o presidente, mas a mulher do presidente pelo ineditismo do discurso
de Michelle, não apenas pelo muito bem sacado lance de se dirigir ao
público na linguagem brasileira de sinais (Libras), mas principalmente
pelo fato em si: nunca se tinha visto tal protagonismo de uma
primeira-dama (título retrógrado para a personagem em questão) em
pronunciamento no parlatório. Adequado aos tempos e muito útil para a
imagem de um presidente tido, entre outros anacronismos, como machista.
Quanto ao chefe da nação que inicia agora seu mandato, os dois
discursos, no Congresso e no Palácio do Planalto, podem ter sido
empolgantes para seus eleitores, mas foram francamente decepcionantes
para a sociedade em geral. O conteúdo das falas de Bolsonaro desmentiu a
manifesta intenção de arrefecer os ânimos polarizados e governar para
todos.
O novo presidente e seus conselheiros optaram por enfatizar questão
ideológica, o que por si denota uma atitude eivada de ideologia. Disse
que “ideologias nefastas” não podem dividir os brasileiros, o que é um
evidente sinal de que considera “más” as ideias dos que discordam dele e
não o apoiaram na eleição e que devem, portanto, ser eliminadas da
pauta nacional. Jair Bolsonaro não se mostrou um governante disposto à
inclusão. Ao contrário, mostrou-se intolerante e impositivo. Quem se
propõe a “reforçar a democracia” se contradiz quando estabelece como
ponto de partida o fim de toda e qualquer militância política.
O embate, o contraditório, o conflito no campo ideológico é essencial ao
exercício democrático. Os pronunciamentos estavam deslocados no tempo e
o espaço. Prometeu um país antagônico ao PT como se não tivesse havido
outro governo nos últimos dois anos e foi além falando em libertar o
Brasil do socialismo. Qual socialismo? E o que dizer da prometida
extinção do politicamente correto, tendência mundial decorrente de
comportamentos sociais, não de atos de governo?
Satisfez seus correligionários no Congresso, extasiou seus fãs na
Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes, mas ficou devendo ao
país e àqueles que do exterior aguardavam no seu posicionamento como
mandatário a especificação dos rumos, das políticas públicas e,
sobretudo, do sentido, dos meios e dos modos mediante os quais governará
o Brasil pelos próximos quatro anos.
Pode ser que se corrija, mas do primeiro dia o que se pode dizer é
que Jair Bolsonaro ainda não entendeu o espírito do ofício moderador do
poder e, por isso, saiu-se mal na largada.
(Dora Kremer/Veja.com.br)
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