MILÍCIAS VIRTUAIS
Não como ignorar as inúmeras reclamações de alguns jornalistas e meios
de comunicação sobre a agressividade de determinados grupos de
apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas Redes Sociais e nas áreas de
cometários dos órgãos de imprensa.
Vários jornalistas, inclusive muitos que se mantiveram neutros ou
apoiaram Bolsonaro de forma discreta, já foram vítimas de hostilidades
por parte de apoiadores do presidente. A reação exacerbada e agressiva
por parte de apoiadores de Bolsonaro ocorre mesmo em casos de notas
inofensivas, sem qualquer relevância. As áreas de comentários de sites
de notícias são invadidas por estes grupos sempre que surge qualquer
notícia sobre o governo. Muitos comemoram efusivamente medidas
relacionadas à decisões do governo anterior, parecendo ignorar que o
governo começou há poucos dias.
Este foi o caso do uso do Exército para a duplicação de um trecho da
BR-116 entre Guaíba e Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul. O custo de
duplicação do trecho de 50 quilômetros foi estimado em R$ 190 milhões
quando o contrato foi assinado em meados do ano passado durante o
governo Temer. A previsão de término da obra ficou para 2022. A empresa
que estava responsável pela obra enfrentava um processo de recuperação
judicial e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(Dnit) da administração anterior decidiu romper o contrato e colocar o
Exército na obra.
Apesar dos fatos, os vigilantes da imprensa que defendem o governo
Bolsonaro de forma muitas vezes irascível, costumam atuar de forma
ostensiva, patrulhando jornalistas e meios de comunicação. Ao menor
sinal de crítica contra o presidente ou seus filhos, logo surgem
comentários recheados de palavrões, xingamentos e ironias.
O comportamento ordenado observado durante a campanha eleitoral perdura
até os dias de hoje. O método parece orquestrado e qualquer jornalista
pode se tornar vítima de ataques na internet da noite para o dia. Nem
mesmo aqueles que assumidamente apoiaram a candidatura de Bolsonaro são
poupados dos ataques orquestrados. A atuação destes grupos se assemelha à
uma máquina de destruição de reputações eficaz, que consegue até mesmo
inibir o trabalho de alguns profissionais que ensaiam tecer críticas
pontuais contra o governo, seus integrantes, o presidente e seus filhos.
Muitos recuam com receio de ataques e perseguição pessoal por parte da
milícia virtual. Outros, procuram ser mais 'comedidos' nas críticas.
O escândalo envolvendo o ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro,
Fabrício Queiroz, pode ser um bom exemplo. Apesar da ausência absoluta
de explicações plausíveis, das reiteradas faltas a depoimentos, o
silêncio dos membros da família Bolsoanro sobre o caso e o sumiço do
ex-PM, setores da imprensa simplesmente abandonaram o assunto. Esta foi
uma das pautas mais delicadas para a imprensa nos últimos meses. Bastava
inserir o nome 'Queiroz' em qualquer manchete, e logo surgiam os
comentários raivosos, indagando sobre os filhos de Lula, afirmando que o
Coaf é aparelhado pelo PT e outros comentários impublicáveis.
Mas ao que tudo indica, a polêmica que causou a exoneração do
ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, pode
ter representado um fator determinante para o fim do receio de certos
jornalistas e meios de comunicação quanto ao patrulhamento da imprensa
por grupos de militantes políticos que atuam nos moldes de milícias,
intimidando e fazendo campanhas pelo cancelamento de assinaturas de
serviços de comunicação, como jornais e emissoras.
Obviamente, muitos eleitores que votaram em Bolsonaro e em seus filhos
não se sentem confortáveis quando são confundidos com milicianos
virtuais, mas o fato é que esta cultura de perseguição e intimidação da
imprensa surgiu ainda nos tempos de campanha, quando o próprio
presidente se apropriou de técnicas de políticos como Lula, no sentido
de desacreditar a imprensa. A boa relação dos governos e de seus líderes
com os meios de comunicação, de forma republicana, democrática e
transparente, é fundamental para o êxito de qualquer governo.
Estas tensões que tiveram início durante a campanha eleitoral parecem
ter se agravado desde o surgimento de matérias na imprensa sobre o
escândalo envolvendo o filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, e
seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Na sequência, o escândalo envolvendo o
ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG) sobre o suposto
uso de laranjas para desvio de desvio de dinheiro público do fundo
eleitoral. O caso Bebianno, que também possui relação com o suposto uso
de candidaturas de laranjas em Pernambuco, foi mais um episódio que fez
com que as milícias virtuais atuassem de forma ainda mais agressiva
contra jornalistas e meios de comunicação.
Todos estes desgastes não contribuem em nada para o bom andamento do
governo e a aprovação de medidas importantes, como a Reforma da
Previdência. Mas parece que as milícias virtuais não se importam com o
país nem com os demais eleitores de Bolsonaro, que nele depositaram suas
esperanças de um país melhor. A guerra suja que travam para impor
narrativas, intimidando jornalistas e até mesmo outros cidadãos de
manifestarem suas opiniões não combina com o ambiente democrático, nem
com a liberdade de imprensa. Em um ambiente onde há liberdade de
expressão, o cidadão tem o direito sagrado de ser informado, de não
concordar, concordar ou de se surpreender com a informação. Os meios de
comunicação parecem cada vez mais dispostos a enfrentar as milícias
virtuais e esta tendência não é nada boa para um governo que se inicia
de forma tão traumática.
(Imprensa Viva)
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