sexta-feira, 26 de março de 2021

Médicas relatam exaustão mental e crise de choro no ápice das mortes da Covid-19. O Brasil atingiu a triste marca de 300 mil mortos vítimas do coronavírus enquanto os profissionais da linha de frente chegam ao limite para trabalhar

 300 MIL MORTES

 Mariane Taborda é médica infectologista e trabalha em dois hospitais

 Mariane Taborda é médica infectologista e trabalha em dois hospitais

“Já chorei muito sozinha com a sensação de que isso não vai acabar. Tenho histórico de depressão, faço tratamento há oito anos e, neste momento, está muito difícil segurar e manter firme. Aumentei recentemente a dose do meu antidepressivo. Acontece que eu não posso parar, por mais difícil que esteja, não posso me dar ao luxo de jogar a toalha porque sei que estou ajudando muita gente. Estamos assim há um ano, já passou dos limites. Estamos exaustos”.

O depoimento da médica infectologista Mariane Taborda, de 33 anos, traduz exatamente o que os profissionais da saúde estão passando no ápice da pandemia da Covid-19, quando o Brasil registrou 300 mil mortes por conta do vírus. Além disso, o país também é o que registra maior número de óbitos na média diária, segundo dados do Our World in Data: são 2.364 a cada 24h, mais do que a soma dos óbitos registrados pelos quatro países seguintes – EUA (940), México (561), Itália (411) e Rússia (405).

A situação dos hospitais está caótica e não há mais leitos para receber os novos pacientes que chegam para tratar o coronavírus ou mesmo outras doenças como câncer e até transplante. O Hospital das Clínicas, no centro de São Paulo, por exemplo, já chegou ao seu limite e – segundo fontes do iG – tem feito intubação de pacientes na própria enfermaria porque a UTI não tem mais espaço.

Ana Paula Silva Swerts, de 34 anos, é médica intensivista da UTI Covid nos hospitais São Luiz e Villa-Lobos, ambos em São Paulo, e tem acompanhado de perto essa realidade por onde passa. As instituições particulares também já registraram superlotação e falta de leitos e vivem o mesmo caos do Sistema Único de Saúde, mais conhecido como SUS. Ela também faz um relato profundo de sua dor ao ver o colapso na saúde brasileira.

“Por várias vezes chorei sozinha, mesmo durante o plantão. Chorei pelo cansaço de conseguir deitar apenas 2 horas em um plantão de 24 horas e por, muitas vezes, não conseguir nem comer. Também já chorei por ter feito tudo que estava ao meu alcance e não conseguir salvar uma vida, por medo do futuro se as pessoas não se conscientizarem e por todos aqueles que perderam seus entes queridos para essa doença”, narra.

A intensivista salienta que existe muito amor envolvido entre os profissionais da saúde e seus pacientes, principalmente em um momento tão difícil como este. Swerts ressalta que eles tratam cada paciente com muito carinho e respeito, comemorando cada pequena conquista junto com os familiares e não raramente chorando quando há uma piora.

“Gosto de conhecer a história de cada paciente que trato, aprendo todos os dias com eles. Por vezes, depois da decisão de intubação, entro no quarto antes do procedimento para segurar a mão do paciente, conforta-lo e dar esperança de nos encontrarmos em breve. Não tem como não se apegar e não se entristecer com a morte”, diz.

 Hospitais não têm mais leitos para receber doentes da Covid-19

 Hospitais não têm mais leitos para receber doentes da Covid-19

A gente sempre espera que todos melhorem, mas sabemos que alguns pacientes não vão conseguir sobreviver e isso é desesperador porque não estamos nem perto do fim dessa pandemia. Então, quantas pessoas mais vão morrer? O que tem sido mais difícil para mim ultimamente é ligar para os familiares e dizer que seu familiar piorou nas últimas horas e precisará ir para a UTI. Fico muito aflita, coração acelera, perna fica bamba, tenho vontade de chorar com alguns no telefone. Hoje você está segurando a mão daquele paciente e fazendo de tudo para aquilo acabar, daqui a dois dias ele faleceu. É muito duro”, lamenta Taborda.

"A psicóloga Raquel Alves, do hospital Vera Cruz, em Campinas, tem vivido essas cenas de luto diariamente. Ela é uma das profissionais que foi incumbida de dar suporte mental aos pacientes, familiares e até mesmo de seus colegas. Ela conta ao iG Delas que essa relação de médico e enfermeiro com um paciente é algo natural de todos os seres humanos, portanto, quando a morte bate à porta, é natural e compreensível que o profissional apresente sentimentos de pesar e sofrimento.

 

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