RISCO DE "APAGÃO"
Explosão de casos e a internação prolongada contribuem para a sobrecarga de hospitais e mortes de pacientes na fila por leitos.
O rápido agravamento da pandemia no Brasil pressiona hospitais, que
já lidam com a insuficiência de leitos e escassez de remédios. O risco
de um apagão de profissionais especializados também é um problema. No
caótico ambiente hospitalar, gestores e entidades médicas de pelo menos
nove Estados – Bahia, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Rio Grande do
Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins – relatam falta de
intensivistas, dificuldades no atendimento ou necessidade de abrir
rodadas de processos seletivos para contratar temporários.
O
Brasil tem 543 mil médicos, mas nem todos preparados para as demandas
atuais. “O que precisamos é de profissionais treinados para internação
sob cuidados intensivos”, diz o presidente da Associação Médica
Brasileira (AMB), César Eduardo Fernandes. “E também dos demais
profissionais de saúde, porque não é qualquer médico ou técnico que pode
trabalhar numa UTI. As equipes de enfermagem têm de ter treinamento
para manejar máquinas modernas e os respiradores.”
O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte, Geraldo
Ferreira diz que “há improvisação, principalmente na rede pública”. E
alerta também para as perdas entre profissionais para a covid, o que
piora a escassez. O Estado já acumula 50 mortes nas equipes de saúde que
enfrentam o vírus, entre médicos e enfermagem, conforme a entidade.
Trabalhadores doentes também precisam desfalcar, de forma temporária, a
linha de frente. “A situação é gravíssima”, avalia Ferreira.
O
governo potiguar diz “fazer contratos temporários e convocações de
servidores concursados”. Até o dia 4, foram contratados 1.476 efetivos
(concurso público), 2.331 temporários, mais 188 convocados para assinar
contratos temporários. No dia 13, ainda foi preciso abrir convocação de
mais 69 profissionais.
Em Santa Catarina, um dos Estados com maior
colapso, já foram 32 processos de contratação na crise sanitária. Mas
parte dos inscritos não aparece após a convocação. “Cremos que as
desistências se dão por receio de trabalhar na linha de frente ao
combate à covid-19. Mesmo assim, não se considera um apagão de
profissionais, pelo menos no âmbito das estruturas próprias da
Secretaria Estadual da Saúde”, diz o governo. O Estado tem 2,6 mil
profissionais a mais e na rede de hospitais filantrópicos, cerca de 2,5
mil, em “ampliação sem precedentes”.
Na Bahia, informações
oficiais do governo mostram que a demanda ainda tem sido atendida, mas
os dados já apontam “dificuldades” para achar profissionais. Em Salvador
e região metropolitana, foram abertas cerca de 2 mil vagas este mês.
O
Piauí admite que a dificuldade maior é a de encontrar médicos. Foram ao
menos dois processos seletivos em 2020 para médicos e demais áreas de
enfermagem. A rede pública, diz o Estado, já teve 1.112 contratados e
hoje são 1.004 em operação. No fim do ano passado, houve desligamentos
por término de contrato ou pedidos de afastamento, alega o governo.
Segundo
Gerson Junqueira Junior, presidente da Associação Médica do Rio Grande
do Sul, existem hoje no País cerca de 20 mil médicos, de várias
especialidades, que já trabalham em UTIs, mas a demanda pode chegar ao
dobro disso. O ideal é que cada médico cuide de até 10 leitos de UTI,
acrescenta o cirurgião. “No interior, a dificuldade é muito grande para
encontrar o profissional”, explica. “E além da equipe, tem de ver se há
estrutura de rede elétrica para os equipamentos, rede de abastecimento
de oxigênio para os respiradores de alto fluxo, equipamentos de
diálise”, diz.
O Estado tinha, segundo Junqueira, de 800 a mil
leitos de UTI antes da crise. “Hoje tem 3.195 leitos operacionais de
UTI, 1.021 na capital. Não é possível suportar isso”, destaca. “Há
hospital com 160% de ocupação de UTI, outro com 145%, outro com 133%”,
afirma. “Se isso não é colapso, o que seria?”.
O Rio Grande do
Sul destacou que, “diferentemente de alguns Estados, não conta com rede
hospitalar própria”. A pedido do governo estadual, o Exército montou
unidade de campanha ao lado do Hospital de Restinga, em Porto Alegre.
Plantões e horas extras
Rondônia já abriu 85 editais de chamamento emergencial para todas as
áreas, principalmente médicos. Na rede pública, segundo o governo, foram
chamados 2.191 servidores, incluídos os administrativos. Colaboradores
voluntários, diz o governo, são “casuais”.
“Não temos
funcionários suficientes nas UTIs. Até porque nem todos querem assumir
contratos provisórios, de caráter emergencial, e vir para cá, em plena
pandemia, trabalhar com pacientes que estão com o coronavírus”, conta
Maira Joaneide de Oliveira Barros, enfermeira que atua na UTI do
Hospital Regina Pacis e de uma unidade de campanha em Porto Velho.
“Muitas
vezes precisamos nos desdobrar, fazer mais horas extras, mais
plantões”, acrescenta Maira Joaneide. “Vivemos horas, minutos e segundos
de forma “muito imprevisível. Quando pensamos que não, a saturação dos
pacientes começa a cair, e é muito rápido. Corremos para tentar manter
viva aquela pessoa.”
O governo de Mato Grosso admite dificuldade
de aumentar os quadros da linha de frente, mas informa que “ainda é
possível contratar profissionais da saúde” e a Secretaria Estadual de
Saúde de está com processo seletivo em aberto. “No ano passado, a
Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso abriu dois processos
seletivos, um para atuação nos oito Hospitais Regionais geridos pelo
Estado e outro para contratar atuação no Centro de Triagem da covid-19”,
diz. Já foram contratados, segundo o governo, mais de 1,5 mil
trabalhadores para atuar nessas unidades.
O Tocantins informa
ter contratado cerca de 1,5 mil profissionais em diversas áreas de
atuação de combate à pandemia. A Secretaria de Saúde local diz que foi
aberto edital de cadastro para integrar voluntários à linha de frente,
mas isso não ocorreu.
O Pará diz que foram contratados, em
caráter emergencial, 316 profissionais, entre médicos, enfermeiros,
farmacêuticos, técnicos de enfermagem e de apoio administrativo.
Conforme o governo, o quadro médico de contratação direta da secretaria
atende à capacidade de atendimentos diários nas policlínicas
itinerantes”.
Fila por vaga e internação longa
Conforme
os dados do Registro Nacional de Terapia Intensiva da Associação de
Medicina Intensiva Brasileira, a média geral tem sido de oito dias de
internação.
O tempo médio é hoje de 12,5 dias no caso de pacientes da covid-19. Nos últimos dez anos, era de cinco a seis dias.
A
explosão de casos e a internação prolongada contribuem para a
sobrecarga de hospitais e mortes de pacientes na fila por leitos. “Se
você bater o carro e tiver traumatismo craniano, não acha vaga em UTI
para internar”, alerta César Eduardo Fernandes, da Associação Médica
Brasileira. “O mundo não é só covid. Tem enfarte do miocárdio, derrames
cerebrais, traumatismos grandes. Sou obrigado a reconhecer: há falta, as
UTIs estão assoberbadas.”
Para desafogar a rede, secretários de Saúde já pediram o cancelamento de cirurgias eletivas para liberar vagas.
Distribuição desigual de médicos pelo Brasil é barreira
A
presença desigual de médicos e outros profissionais da saúde pelo
Brasil é um problema crônico. A pandemia evidenciou ainda mais essa
dificuldade.
Segundo Mario Scheffer, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP), existe uma “má distribuição
geográfica, concentração no setor privado, baixa qualificação, e,
principalmente, má gestão desses recursos humanos de alta
especialização”.
(Por:Nominuto.com)
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