Antropólogo Kabengele Munanga diz temer mudança da postura brasileira
Sinais de que o novo ministro das Relações
Exteriores, José Serra, poderá fechar embaixadas e consulados na África
preocupam diplomatas e acadêmicos brasileiros e africanos, que temem a
anulação de ganhos obtidos na última década e alertam para possíveis
prejuízos a ambições internacionais do Brasil.
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Diplomatas brasileiros ouvidos pela BBC Brasil sob condição de anonimato dizem que alguns dos postos com maior chance de serem fechados são os da Libéria, Serra Leoa e Mauritânia, na África, e os de Dominica, São Vicente e São Cristóvão, no Caribe.
Segundo diplomatas, uma pequena embaixada custa a partir de US$ 200 mil (R$ 718 mil) por ano, divididos entre salários de funcionários locais, carros e aluguéis. O orçamento anual do ministério é de cerca de R$ 3 bilhões.
No governo Lula (2003-2010), o Brasil inaugurou 19 das 37 embaixadas que mantém na África, tornando-se o país com a quinta maior presença diplomática no continente. O comércio do Brasil com os países africanos passou de US$ 6 bilhões, em 2003, a US$ 26,5 bilhões, em 2012.
No
período, empresas brasileiras – entre as quais Odebrecht, Camargo
Correia e Vale – também expandiram sua atuação no continente, muitas
vezes amparadas por empréstimos do BNDES (Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social).
Serra sinalizou que pode fechar algumas embaixadas no continente africano
Acadêmicos e diplomatas dizem que a aproximação
com a África foi crucial para que o Brasil conseguisse eleger os atuais
diretores-gerais da OMC (Organização Mundial do Comércio), Roberto
Azevêdo, e da FAO (agência da ONU para agricultura), José Graziano. Com a
estratégia, o Brasil também esperava contar com o apoio africano a uma
reforma do Conselho de Segurança da ONU que incorporasse o Brasil como
membro permanente.
'Política diferenciada'
O antropólogo congolês Kabengele Munanga, professor visitante da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, diz se preocupar não só com a extinção das missões, mas com uma mudança na postura que o Brasil manteve em relação à África na última década.
"Era uma política diferenciada porque sentíamos que, ainda que não haja relações sem interesse, era uma relação de respeito, solidariedade e consideração com os países africanos", ele diz à BBC Brasil.
Munanga diz que, diferentemente de potências, o Brasil se relaciona com países do continente "sem complexo de superioridade". Ele descreve o clima festivo numa recepção a Lula no Benin, quando o presidente esteve acompanhado por seu chanceler, Celso Amorim, e pelo então ministro da Cultura, Gilberto Gil. "Todos estavam muito à vontade. Gil vestia uma bata africana e dançava. Nunca vi isso entre diplomatas europeus."
Em 2005, numa das várias visitas que fez ao continente, Lula pediu perdão pelos africanos escravizados enviados ao Brasil.
Lula fez várias visitas à África durante seu governo
Munanga também diz temer cortes nos programas de
intercâmbio estudantil que o Brasil mantém com países africanos. Desde o
início do século, milhares de jovens africanos ganharam bolsas para
estudar em universidades públicas brasileiras.
Para o sociólogo brasileiro Alex André Vargem, que pesquisa temas africanos, a relação do Brasil com o continente "deve ser pensada a partir do reconhecimento de que mais da metade dos brasileiros tem antepassados africanos".
"O
Brasil ainda não enxerga a África como parte de sua própria história",
ele diz. Para Vargem, fechar embaixadas no continente iria na contramão
de ações para reparar injustiças históricas contra os negros, como a
criação de cotas raciais.
Africano relembra clima festivo de recepções a Lula no continente
Segundo ele, ao dizer que a "África moderna não
pede compaixão", Serra ignora cicatrizes ainda abertas na relação do
Brasil com o continente, que remontam à escravidão. O sociólogo afirma
que a extinção de postos também dificultaria a ida de imigrantes e
refugiados africanos ao Brasil. Segundo o IBGE, havia 15 mil africanos
no Brasil em 2010. Acredita-se que o número seja bem maior.
"São países muito pobres, mas que mesmo assim investiram
tempo e recursos nessa relação", ele afirma. "Vai parecer que todo o
esforço foi em vão e pode fazer o país desconfiar se o Brasil tentar
alguma reaproximação no futuro."
Se levar o plano
adiante, não seria a primeira vez que o Itamaraty fecha embaixadas na
África. No governo Fernando Henrique Cardoso, foram fechados postos na
Zâmbia, República Democrática do Congo e Tunísia – todos reabertos nos
anos Lula.
Mesmo dentro do Itamaraty, o fechamento de postos é polêmico. Um diplomata diz que a rede de embaixadas do Brasil é um dos maiores "ativos diplomáticos" do País. Uma embaixada num país pequeno, afirma ele, gera custos relativamente baixos e oferece vantagens expressivas. Nesses locais, segundo o diplomata, muitos embaixadores têm o celular do chanceler ou do próprio presidente, o que facilita negociações de interesse do País.
Outros diplomatas defendem enxugar a
operação na África e no Caribe. Um embaixador afirma à BBC Brasil que
"talvez tenhamos expandido demais" o número de postos. Para ele, algumas
embaixadas não geraram os benefícios esperados e não há justificativas
para mantê-las num cenário de falta de recursos.
Diplomata afirma que países africanos se decepcionaram com os anos Dilma
O diplomata diz que, mais importante que manter
todas as embaixadas é revitalizar os programas de cooperação com nações
caribenhas e africanas. Segundo ele, muitos países dessas regiões já
estão decepcionados com a redução de recursos nos anos Dilma.
O diplomata defende que as embaixadas sejam fechadas de maneira "inteligente", oferecendo aos países algo de que necessitem, como treinamento profissional ou ações para o aprimoramento da agricultura.
por:IG
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