Policial realiza perícia na Fazenda Santa Lúcia, onde dez sem terra foram mortos pela polícia (Avener Prado/Folhapress)
O governo do Pará afastou 21 policiais militares e oito policiais civis que participaram da operação de reintegração de posse, na quarta-feira, que terminou na morte de dez sem terra, na Fazenda Santa Lúcia, em Pau D´Arco, no sudeste do estado. Foi o maior número de mortos em conflitos no campo desde o massacre de Eldorado de Carajás, também no Pará, quando morreram 19 em confronto com a Polícia Militar.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa, o afastamento é temporário – os agentes entregaram suas armas e deixarão suas atividades por 40 dias, prorrogáveis por mais 20, tempo previsto para a conclusão do inquérito que apura se houve excessos por parte dos policiais. O afastamento dos envolvidos havia sido pedido na quinta-feira pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Os policiais afirmam que foram recebidos a tiros
na fazenda e que, por isso, reagiram. Horas após a operação, a Polícia
Civil e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa apresentaram à
imprensa onze armas apreendidas na área ocupada pelos sem terra – entre elas um fuzil 762 e uma pistola Glock modelo G25. Nenhum policial ficou ferido.
Na avaliação de Darci Frigo, presidente do
Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do governo federal,
que integra a comitiva federal que chegou na quinta-feira à região
para ouvir as testemunhas do caso e acompanhar as investigações, não há,
até agora, indício que sustente a versão dos policiais.
“As pessoas estavam acampadas no meio do
mato, em um local de muito difícil acesso. Chovia torrencialmente, o que
pode explicar que o grupo não tenha percebido a aproximação da polícia.
Mesmo assim, o grupo [sem terra] tinha uma vantagem muito grande em
relação aos policiais, pois já estavam dentro da mata. Então, a tese de
que os policiais foram recebidos a bala cai por terra à medida que não
houve sequer um policial ferido”, disse Frigo.
Famílias dos sem-terra mortos disseram que
os agentes chegaram atirando, negando a versão de que houve confronto.
De acordo com Frigo, há pelo menos um sobrevivente do episódio que foi alvejado pelas costas e está internado sob proteção policial.
Entre os mortos, sete pertencem a uma mesma família
– entre eles, a presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de
Pau D’Arco, Jane Júlia de Oliveira, e seu marido, Antonio Pereira
Milhomem. Segundo Frigo, há indícios de que os parentes tenham sido
mortos em um mesmo local, após tentar fugir. Para ele, o fato enfraquece
a versão dos policiais. “Quando eles viram que a polícia estava se
aproximando, deixaram o local onde estavam acampados e entraram na mata.
As sete pessoas permaneceram juntas, embaixo de uma árvore, onde foram
executadas”, disse.
“Vexatório”
A ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, defendeu nesta sexta-feira que a investigação seja controlada pelos órgãos públicos de Marabá, cidade a 426 km de distância que concentra delegacias especializadas em assassinatos no campo, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Ela demonstrou preocupação com a perícia
do local da chacina. Os peritos de Marabá e Parauapebas só chegaram à
área do crime depois que policiais de Pau D’Arco tinham retirado os
corpos. “Não podemos deixar que a coisa transcorra de qualquer maneira”,
afirmou a ministra. “A perícia tem de ser feita com muito empenho e
dedicação.”
Entidades de direitos humanos reclamaram
que a ação foi pedida pela Justiça à Polícia Militar lotada no
município, sem experiência em despejos. Uma equipe do ministério foi
enviada ao Pará. “A situação é vexatória, constrangedora e inadmissível.
Em pleno século 21, essa situação não pode ocorrer”, disse Valois.
“Como ministra, como cidadã e como ser humano não posso aceitar o que
ocorreu. Ninguém pode aceitar”, disse.
Impunidade
Raros casos de assassinatos de sem-terra, especialmente no sudeste paraense, se transformaram em denúncia do Ministério Público ou os autores dos crimes foram julgados e condenados pela Justiça. Na região ocorreu, em abril de 1996, um dos casos mais emblemáticos da violência no campo. A polícia militar executou de 19 sem-terra na Curva do S, em Eldorado do Carajás.De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no ano passado foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o pior resultado desde 2003. Neste ano, o total de mortes no campo chega a 36 – incluídos as 10 vítimas no Pará. “A não-solução dos conflitos agrários, a extinção da Ouvidoria Agrária Nacional [no fim do ano passado] e o desmonte da estrutura do estado têm uma certa responsabilidade por tudo que está acontecendo”, disse Frigo.
Em nota divulgada na quinta-feira (26), a
Secretaria de Estado da Segurança Pública manteve a versão de que “dez
pessoas acabaram mortas durante o tiroteio”, resultado da “resistência e
reação do grupo” sem terra.
Segundo a secretaria estadual, peritos
encontraram, no local onde ocorreu a chacina, cápsulas deflagradas de
projéteis calibre 380, que coincidem com o calibre de algumas das onze
armas apreendidas, que serão periciadas em Belém. Para os peritos,
marcas de bala na vegetação também indicam que pode ter ocorrido um
tiroteio na área.
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