sábado, 27 de maio de 2017

Pará afasta 29 policiais envolvidos nas mortes de dez sem terra. Órgão de direitos humanos questiona versão de confronto apresentada pela polícia; ministra diz que situação é ‘vexatória, constrangedora e inadmissível’

MORTE DE "SEM -TERRAS" NO PARÁ
 
 Policial realiza perícia na Fazenda Santa Lúcia, onde dez sem terra foram mortos pela polícia (Avener Prado/Folhapress)

O governo do Pará afastou 21 policiais militares e oito policiais civis que participaram da operação de reintegração de posse, na quarta-feira, que terminou na morte de dez sem terra, na Fazenda Santa Lúcia, em Pau D´Arco, no sudeste do estado. Foi o maior número de mortos em conflitos no campo desde o massacre de Eldorado de Carajás, também no Pará, quando morreram 19 em confronto com a Polícia Militar.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa, o afastamento é temporário – os agentes entregaram suas armas e deixarão suas atividades por 40 dias, prorrogáveis por mais 20, tempo previsto para a conclusão do inquérito que apura se houve excessos por parte dos policiais. O afastamento dos envolvidos havia sido pedido na quinta-feira pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A chacina ocorreu na Fazenda Santa Lúcia durante ação policial para cumprir 16 mandados judiciais expedidos pela Vara Agrária de Redenção (PA) contra integrantes do grupo de sem terra suspeitos de participar do homicídio do vigilante da propriedade rural Marcos Batista Montenegro, no dia 30 de abril.

Os policiais afirmam que foram recebidos a tiros na fazenda e que, por isso, reagiram. Horas após a operação, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública e Defesa apresentaram à imprensa onze armas apreendidas na área ocupada pelos sem terra – entre elas um fuzil 762 e uma pistola Glock modelo G25. Nenhum policial ficou ferido.

Na avaliação de Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do governo federal, que integra a comitiva federal que chegou  na quinta-feira à região para ouvir as testemunhas do caso e acompanhar as investigações, não há, até agora, indício que sustente a versão dos policiais.

“As pessoas estavam acampadas no meio do mato, em um local de muito difícil acesso. Chovia torrencialmente, o que pode explicar que o grupo não tenha percebido a aproximação da polícia. Mesmo assim, o grupo [sem terra] tinha uma vantagem muito grande em relação aos policiais, pois já estavam dentro da mata. Então, a tese de que os policiais foram recebidos a bala cai por terra à medida que não houve sequer um policial ferido”, disse Frigo.

Famílias dos sem-terra mortos disseram que os agentes chegaram atirando, negando a versão de que houve confronto. De acordo com Frigo, há pelo menos um sobrevivente do episódio que foi alvejado pelas costas e está internado sob proteção policial.

Entre os mortos, sete pertencem a uma mesma família – entre eles, a presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Pau D’Arco, Jane Júlia de Oliveira, e seu marido, Antonio Pereira Milhomem. Segundo Frigo, há indícios de que os parentes tenham sido mortos em um mesmo local, após tentar fugir. Para ele, o fato enfraquece a versão dos policiais. “Quando eles viram que a polícia estava se aproximando, deixaram o local onde estavam acampados e entraram na mata. As sete pessoas permaneceram juntas, embaixo de uma árvore, onde foram executadas”, disse.

“Vexatório”

A ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, defendeu nesta sexta-feira que a investigação seja controlada pelos órgãos públicos de Marabá, cidade a 426 km de distância que concentra delegacias especializadas em assassinatos no campo, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

Ela demonstrou preocupação com a perícia do local da chacina. Os peritos de Marabá e Parauapebas só chegaram à área do crime depois que policiais de Pau D’Arco tinham retirado os corpos. “Não podemos deixar que a coisa transcorra de qualquer maneira”, afirmou a ministra. “A perícia tem de ser feita com muito empenho e dedicação.”

Entidades de direitos humanos reclamaram que a ação foi pedida pela Justiça à Polícia Militar lotada no município, sem experiência em despejos.  Uma equipe do ministério foi enviada ao Pará. “A situação é vexatória, constrangedora e inadmissível. Em pleno século 21, essa situação não pode ocorrer”, disse Valois. “Como ministra, como cidadã e como ser humano não posso aceitar o que ocorreu. Ninguém pode aceitar”, disse.

Impunidade

Raros casos de assassinatos de sem-terra, especialmente no sudeste paraense, se transformaram em denúncia do Ministério Público ou os autores dos crimes foram julgados e condenados pela Justiça. Na região ocorreu, em abril de 1996, um dos casos mais emblemáticos da violência no campo. A polícia militar executou de 19 sem-terra na Curva do S, em Eldorado do Carajás.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no ano passado foram registrados 61 assassinatos em conflitos no campo, o pior resultado desde 2003. Neste ano, o total de mortes no campo chega a 36 – incluídos as 10 vítimas no Pará. “A não-solução dos conflitos agrários, a extinção da Ouvidoria Agrária Nacional [no fim do ano passado] e o desmonte da estrutura do estado têm uma certa responsabilidade por tudo que está acontecendo”, disse Frigo.

Em nota divulgada na quinta-feira (26), a Secretaria de Estado da Segurança Pública manteve a versão de que “dez pessoas acabaram mortas durante o tiroteio”, resultado da “resistência e reação do grupo” sem terra.

Segundo a secretaria estadual, peritos encontraram, no local onde ocorreu a chacina, cápsulas deflagradas de projéteis calibre 380, que coincidem com o calibre de algumas das onze armas apreendidas, que serão periciadas em Belém. Para os peritos, marcas de bala na vegetação também indicam que pode ter ocorrido um tiroteio na área.

(Com Agência Brasil e Estadão Conteúdo)

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