O presidente Michel Temer enfrenta uma acusação que pode fazê-lo perder o mandato e ser sentenciado a uma pena de até doze anos de prisão (Adriano Machado/Reuters)
Quase um ano após a sua posse definitiva na Presidência da República, em agosto de 2016, Michel Temer (PMDB) enfrenta uma pecha diferente da que gostaria: é o primeiro chefe de estado brasileiro a ser denunciado por crime comum. A acusação, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e que requer a autorização da Câmara dos Deputados para ser analisada pela Justiça, é a de corrupção passiva.
O crime é definido pelo artigo 317 do Código Penal, que prevê o seguinte: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. É um delito que só pode ser cometido por funcionários públicos e que fica caracterizado quando este oferece ou aceita um benefício em troca de um favorecimento indevido, que só seja possível pela função que ocupa.
No caso da acusação contra o Temer, o procurador-geral Rodrigo Janot afirma que o presidente e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, funcionários públicos, promoveram vantagens irregulares para a JBS em troca de pagamentos em dinheiro por parte do grupo. Nesse caso, o empresário Joesley Batista, dono do grupo empresarial, estaria na outra ponta, com o delito de corrupção ativa, que é justamente prometer ou concretizar esses pagamentos aos agentes do poder público. O empresário, no entanto, não vai responder pelo crime – o acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria prevê que ele não seja processado de nenhuma forma.
Uma das principais alegações de defesa do presidente, a de que ele não recebeu nem um real de Batista, não é suficiente para invalidar a acusação, explica Fernando Castelo Branco, especialista em direito penal econômico e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP). “Para a consumação do crime basta que a pessoa solicite a vantagem, mesmo que não a receba diretamente”, afirma.
Narrativa
Trata-se, portanto, de um enquadramento diferente da concussão, que prevê que o acusado exija o pagamento ou a vantagem. Castelo Branco, no entanto, ressalta que a PGR precisa apresentar “uma sequência lógica de fatos” para validar a denúncia dentro desta definição, esclarecendo o caminho pelo qual a vantagem foi oferecida pelos corruptores e aceita pelos corruptos. Na peça apresentada por Janot, a narrativa é a que segue:
Os fatos, segundo Janot1. Em
06/03, Joesley Batista e Rodrigo Rocha Loures se reuniram em São Paulo e
combinaram um encontro do empresário com o presidente Michel Temer.
2. Em 07/03, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu, em Brasília, ser recebido por Temer. Ele relatou diversos assuntos para os quais dependeria de ajuda, ao que o presidente indicou o próprio Rocha Loures como seu representante.
3. Em 13 e 16/03, Joesley Batista e Rocha Loures se encontraram duas vezes. No primeiro dia, Joesley informou Loures que Temer autorizou que ele intercedesse em seu favor. No segundo, relatou qual era o benefício de que necessitava: uma atuação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que analisava uma questão de gás natural de interesse da JBS. No mesmo dia e com o telefone em viva voz, Loures telefona para Gilvandro Vasconcelos, presidente do Cade, que teria “entendido perfeitamente” o que deveria fazer – como não teria a influência necessária para tal, conclui Janot, Loures falou com o executivo em nome de Temer. E o empresário estabelece em 5% a comissão a ser paga, o que representaria entre 19 e 38 milhões de reais até dezembro.
4. Em 13/04, a Petrobras e a EPE Cuiabá – empresa do grupo JBS – firmaram um contrato de compra e venda de gás natural, que atendia aos interesses de Joesley Batista e de Ricardo Saud, executivo da JBS. Na sequência, a Petrobras pediu ao Cade que extinguisse o processo.
5. Em 24/04, Loures e Saud se encontram em uma cafeteria em São Paulo. Saud combina o valor da propina, que poderia ser de R$ 500 mil ou R$ 1 milhão por semana, dependendo do preço do gás.
6. Em 28/04, em uma pizzaria também de São Paulo, Loures recebeu de Saud, em ação controlada registrada pela PF R$ 500 mil em uma mala de dinheiro.
A conclusão de Janot: Batista e Saud prometeram a Loures e Temer um pagamento em dinheiro. Em troca, Loures, em nome de Temer, prometeu vantagens ilícitas para a JBS, comprovadas pela interferência do ex-assessor no Cade e pelo contrato entre a Petrobras e a EPE Cuiabá. Para o procurador, já que Loures não tem poderes para dar ordens ao presidente do Cade ou a dirigentes da Petrobras, só pode ter agido com a autorização de Temer. Portanto, avalia, fica configurado o crime de corrupção passiva.
Na análise de uma denúncia de corrupção passiva,
portanto, deve-se levar em conta se a sequência de fatos apresentada,
entre o oferecimento de uma vantagem e o recebimento de uma
contrapartida, é consistente e tem elementos suficientes para que seja
aceita e julgada.2. Em 07/03, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu, em Brasília, ser recebido por Temer. Ele relatou diversos assuntos para os quais dependeria de ajuda, ao que o presidente indicou o próprio Rocha Loures como seu representante.
3. Em 13 e 16/03, Joesley Batista e Rocha Loures se encontraram duas vezes. No primeiro dia, Joesley informou Loures que Temer autorizou que ele intercedesse em seu favor. No segundo, relatou qual era o benefício de que necessitava: uma atuação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que analisava uma questão de gás natural de interesse da JBS. No mesmo dia e com o telefone em viva voz, Loures telefona para Gilvandro Vasconcelos, presidente do Cade, que teria “entendido perfeitamente” o que deveria fazer – como não teria a influência necessária para tal, conclui Janot, Loures falou com o executivo em nome de Temer. E o empresário estabelece em 5% a comissão a ser paga, o que representaria entre 19 e 38 milhões de reais até dezembro.
4. Em 13/04, a Petrobras e a EPE Cuiabá – empresa do grupo JBS – firmaram um contrato de compra e venda de gás natural, que atendia aos interesses de Joesley Batista e de Ricardo Saud, executivo da JBS. Na sequência, a Petrobras pediu ao Cade que extinguisse o processo.
5. Em 24/04, Loures e Saud se encontram em uma cafeteria em São Paulo. Saud combina o valor da propina, que poderia ser de R$ 500 mil ou R$ 1 milhão por semana, dependendo do preço do gás.
6. Em 28/04, em uma pizzaria também de São Paulo, Loures recebeu de Saud, em ação controlada registrada pela PF R$ 500 mil em uma mala de dinheiro.
A conclusão de Janot: Batista e Saud prometeram a Loures e Temer um pagamento em dinheiro. Em troca, Loures, em nome de Temer, prometeu vantagens ilícitas para a JBS, comprovadas pela interferência do ex-assessor no Cade e pelo contrato entre a Petrobras e a EPE Cuiabá. Para o procurador, já que Loures não tem poderes para dar ordens ao presidente do Cade ou a dirigentes da Petrobras, só pode ter agido com a autorização de Temer. Portanto, avalia, fica configurado o crime de corrupção passiva.
Afastamento e punições
Por se tratar de uma denúncia contra um presidente da República por atos ocorridos no decorrer do mandato, o trâmite é diferente do tradicional. Após a apresentação da peça pelo Ministério Público Federal (MPF), caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final sobre a aceitação, ou não, do pedido. No entanto, o STF só pode aceitar a denúncia com a autorização da Câmara dos Deputados. Os deputados devem decidir sobre isso na quarta-feira.O relatório que será votado, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), é contra a concessão de autorização para que Temer se torne réu. Se o parecer for rejeitado e a Câmara, portanto, der o aval, o caso vai para o Supremo. Se a Corte decidir receber a denúncia, o presidente é afastado do cargo por até 180 dias, período em que a Justiça deve julgá-lo. Se for considerado culpado, é cassado em definitivo e pode ser condenado a uma pena que varia entre dois e doze anos de prisão em regime fechado, o mesmo para Rocha Loures. No entanto, se a Câmara não autorizar o prosseguimento da denúncia ou o STF não aceitá-la, a acusação é arquivada.
( Por Guilherme Venaglia/Veja.Abril.com.br)
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