ANTES DA REUNIÃO MINISTERIAL
- Marcos Corrêa / Presidência da República
Brasília - Uma série de mensagens trocadas entre Jair Bolsonaro e o
então ministro da Justiça, Sérgio Moro, evidencia que o presidente
falava da Polícia Federal, e não da sua segurança pessoal, quando exigiu
substituições nessa área na reunião ministerial do dia 22 de abril. A
cronologia de cinco diálogos aos quais o jornal O Estado de São Paulo
teve acesso mostra que, três horas antes da reunião, Bolsonaro havia
comunicado a Moro que o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo,
seria demitido, sem dar ao seu ministro qualquer alternativa.
As
cinco mensagens por WhatsApp obtidas pelo jornal constam do inquérito do
Supremo Tribunal Federal (STF) que apura se Bolsonaro interferiu na
Polícia Federal para ter acesso a informações de investigações sigilosas
contra seus filhos e amigos, como acusou Moro. A reunião ministerial é
uma das provas anexadas ao inquérito, que tem como relator o ministro do
STF Celso de Mello. Foi o magistrado quem autorizou a divulgação do
vídeo com o conteúdo da reunião, na última sexta-feira.
Bolsonaro
disse que o encontro do dia 22 de abril não comprova que ele atuou para
blindar seus parentes. Repetiu, ainda, que falou em trocar a sua
"segurança" no Rio, e não o comando da Polícia Federal. As novas
mensagens reveladas pelo portal estadao.com.br, contudo, mostram que ele
chegou à reunião com a decisão já tomada de demitir o diretor-geral da
PF.
"Moro, Valeixo sai esta semana", escreveu o presidente às
6h26 do dia 22 de abril. "Está decidido", continuou ele, em outra
mensagem enviada na sequência. "Você pode dizer apenas a forma. A pedido
ou ex oficio" (sic).
A resposta de Moro foi enviada 11 minutos
depois, às 6h37. "Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar
pessoalmente. Estou ah (sic) disposição para tanto", respondeu o então
ministro.
Na reunião ministerial, que começou às 10 horas,
Bolsonaro demonstrou irritação com a falta de acesso a relatórios de
inteligência. "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de
Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar
foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu (sic), porque
eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a
estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele!
Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não
estamos aqui pra brincadeira", disse o presidente, olhando para Moro.
As
mensagens que agora vêm à tona, trocadas entre o presidente e o então
ministro, contrariam a versão de Bolsonaro de que Valeixo pediu para ser
demitido. Além disso, ajudam a explicar o comportamento de Moro na
reunião ministerial. O ex-juiz da Lava Jato ficou em silêncio quando foi
constrangido por Bolsonaro, que cobrou mudanças nas áreas de
inteligência. Àquela altura, ele já havia sido comunicado da decisão
unilateral de demitir Valeixo, sem que pudesse opinar a respeito.
Bolsonaro
tem sustentado em entrevistas que foi Valeixo quem pediu para ser
demitido. Segundo ele, isso comprova que não houve interferência da sua
parte. "O senhor Valeixo de há muito vinha falando que queria sair. Na
véspera da coletiva do senhor Sérgio Moro, dia 24 (de abril), o senhor
Valeixo fez uma videoconferência com os 27 superintendentes do Brasil,
onde disse que iria sair.
Eu liguei pro senhor Valeixo, o qual
respeito, na quinta-feira, à noite. Primeiro ele ligou pra mim. Depois
eu retornei a ligação pra ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai amanhã?
Ex-officio ou a pedido?’. A pedido (foi a resposta de Valeixo, segundo
Bolsonaro). E assim foi publicado no DOU. Lamento ter constado o nome do
ministro da Justiça ali. É porque é praxe", disse Bolsonaro, na noite
de sexta-feira, após a divulgação do vídeo.
Em depoimento no
inquérito, no último dia 11 de maio, Valeixo contou que jamais
formalizou um pedido de demissão. De acordo com ele, um dia antes da
publicação no Diário Oficial da União, recebeu um telefonema do próprio
presidente questionando se ele concordava que sua exoneração saísse a
pedido. Sem alternativa, assentiu. Valeixo relatou, ainda, que Bolsonaro
justificou que queria alguém no cargo com quem tivesse "afinidade".
Próximo
da família Bolsonaro, o delegado Alexandre Ramagem, atual chefe da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi nomeado para o comando da
PF, mas não pôde tomar posse por uma decisão do ministro do STF
Alexandre de Moraes. Com isso, a direção-geral da corporação foi
entregue ao delegado Rolando Alexandre de Souza, considerado braço
direito de Ramagem.
A troca de mensagens foi retirada do celular
do ex-ministro Sérgio Moro durante seu depoimento à Polícia Federal. Na
ocasião, peritos da PF fizeram uma varredura completa no celular do
ex-juiz para extrair mensagens que poderiam comprovar a acusação contra o
presidente. Na sexta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à
Procuradoria-Geral da República um pedido de partidos de oposição para
que o celular de Bolsonaro fosse apreendido em busca de mais provas da
suposta interferência dele na PF.
A reação do Planalto veio do
ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto
Heleno, que, em nota, disse que uma decisão favorável a esse pedido
poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".
Três
horas depois dos diálogos obtidos pelo jornal O Estado de São Paulo nos
quais Bolsonaro dá a ordem para mudar a Polícia Federal ocorreria a
reunião ministerial tornada pública na sexta-feira, na qual Bolsonaro
afirma claramente que desejava troca na "segurança" do Rio. Chegou a
dizer que era alvo de "putaria o tempo todo" para atingir não só ele
como sua família
Ameaça
Bolsonaro disse
ali que não podia ser "surpreendido com notícias" e revelou ter um
sistema particular de informações. "Pô, eu tenho a PF que não me dá
informações", reclamou. O presidente assegurou, ainda, que ia interferir
em todos os ministérios. "E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil.
Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma …
uma extrapolação da minha parte. É uma verdade", afirmou Bolsonaro,
olhando para o lado onde estava Moro.
A versão de que o
presidente se referia à sua segurança pessoal no Rio, e não à PF, é
colocada em xeque por mudanças ocorridas no escritório do GSI no Rio,
dois meses antes da reunião ministerial. A contradição foi revelada pelo
Jornal Nacional, da TV Globo. A reportagem mostrou também que, 28 dias
antes daquela reunião, o responsável pela segurança do presidente havia
sido promovido.
O jornal O Estado de São Paulo procurou a
Secretaria Especial de Comunicação (Secom) para falar sobre as
mensagens, mas o Planalto informou que não iria comentar. A defesa de
Moro disse que "as declarações do presidente da República demonstram, de
maneira inquestionável, sua vontade de interferir indevidamente" na
Polícia Federal.
"Esses elementos probatórios somam-se às demais
diligências investigatórias, inclusive ao vídeo da reunião de 22 de
abril, comprovando as afirmações do ex-ministro Sérgio Moro", afirmou o
advogado Rodrigo Rios.
(Por
Estadão Conteúdo)
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