Registro de violência doméstica no Rio Grande do Norte durante o isolamento social sofreu aumento significativo. Tentativas de homicídio também aumentaram
Os casos de violência doméstica e as tentativas de homicídio cresceram durante o isolamento social no Rio Grande do Norte. No caso dos crimes contra a mulher, o aumento foi de 258,7%, enquanto que as ações criminosas contra a vida aumentaram 300%. As demais tipificações criminais reduziram 20,2% no RN e 9,9% em Natal. A conclusão de pesquisadores e especialistas em segurança pública é de que a dinâmica e o padrão dos índices de violência mudou com a pandemia. Os números fazem parte de um estudo do Observatório da Violência Letal e Intencional do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).
A pesquisa fez um comparativo entre os dias 12 de março e 18 de
maio de 2020 com o mesmo período do ano passado. O intervalo de dias
analisado conjuga a decretação da pandemia de Covid-19 pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) e a decretação, pelo Governo do Estado, do
isolamento social como medida para conter o avanço da doença. Foram
analisados 11 tipos de crimes: acidentes de trânsito; lesões corporais
com ou sem mortes; intervenções policiais; tentativas de homicídios;
latrocínios; feminicídios; homicídios dolosos e violência doméstica.
Com
exceção dos acidentes de trânsito sem vítimas, lesões corporais sem
morte e feminicídios, todas os outros crimes analisados apresentaram
crescimento durante a pandemia de coronavírus. Confira infográfico ao
final da reportagem. O trabalho tem a assinatura dos pesquisadores
Járvis Campos, Ivênio Hermes e Pedro Freitas.
De
acordo com o demógrafo Járvis Campos, professor do Departamento de
Demografia e Ciências Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), ao analisarem os dados, os pesquisadores observaram que,
tanto em Natal quanto no RN como um too, a criminalidade apresentou
redução no começo do isolamento, mas logo voltou a crescer. Em Natal e
no RN, entre 12 e 30 de março, a redução dos índices de violência foi de
30% e 25%, respectivamente, comparando com o mesmo período de 2019. Já
analisando os 68 dias de isolamento, os níveis de violência caíram 20%
no Estado e 10% em Natal.
“Em 2019, somente os
acidentes de trânsito sem vítimas e as lesões corporais sem mortes, que
são crimes, vamos chamar de mais brandos, representavam, juntas, 77%
das ocorrências, mais do que três quartos das ocorrências. Ambas tiveram
reduções significativas nesse período de distanciamento. Por outro
lado, tivemos aumento da violência doméstica e tentativas de homicídios,
o que nos permite apontar que, muito mais importante a redução de 20%
no Estado e 10% em Natal, é a mudança no tipo da violência a principal
característica desse período de isolamento social”, ressaltou o
pesquisador.
Suscetibilidade
O
cientista criminal Ivênio Hermes, titular da Coordenadoria de
Informações Estatísticas e Análise Criminal (Coine), ligada à Secretaria
de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed/RN), apontou
que o fato das autoridades policiais estarem ligadas ao cumprimento das
medidas de isolamento, contribui para uma “suscetibilidade” no aumento
da violência.
“A taxa de pessoas em isolamento
não é alta o suficiente para inibir a criminalidade. Pelo contrário, as
pessoas continuam trabalhando, saindo às ruas. Isso faz com que haja
essa suscetibilidade, haja vista que as polícias e os mecanismos de
segurança pública estão mais sobrecarregados devido a acumularem não só o
combate a criminalidade em geral como também estarem fazendo outras
atividades de controle da lei e ordem, necessárias em tempos de
pandemia”, comentou.
Járvis Campos comentou que
um dos motivos para que as macrocausas da violência tenham crescido em
meio ao isolamento social podem estar ligadam ao fato dos “criminosos
buscarem outros meios de obtenção de ganhos, haja vista a perceptível
ausência da clientela recorrente do tráfico de drogas”.
Ivênio
Hermes citou que, com os déficits nas forças de segurança, o Estado
vinha utilizando as diárias operacionais para aparelhar as corporações,
tanto a Militar quanto a Civil. “O número de ações criminosas já era
grande para o efetivo antes da pandemia, mas era resolvido por meio das
diárias operacionais. Só que agora, essas diárias operacionais e esse
dinheiro está sendo direcionado para as ações de saúde. Não temos
repositório de policiais através de ações extras. O que precisaríamos
seria um apoio nacional para os Estados. Esse protagonismo federal não
está acontecendo. A solução seria receber homens da Força Nacional,
aumentar efetivo da PRF, policiais federais de outros estados”, disse.
Aumento da violência doméstica
Com
relação à violência doméstica, a promotora de Defesa da Mulher, Érica
Canuto, pontuou que o isolamento social é um fator de risco porque,
segundo o Anuário da Violência, 7 em cada 10 mulheres morrem em casa.
Érica Canuto defende o isolamento social, mas ressalta que o lar pode se tornar ambiente hostil
“O lar é um lugar perigoso para as mulheres. Sou defensora do
isolamento, temos que cumprir mesmo, é uma providência que vem ao
encontro da necessidade de preservar a saúde da coletividade. Mas não
podemos deixar de fazer a leitura que o isolamento traz mais risco para a
mulher. O que traz mais risco? A arma em casa, bebida. Não são as
causas, mas são fatores que potencializam”, ressaltou.
Em
reportagem publicada no último dia 19 de abril, a TRIBUNA DO NORTE
mostrou que o número de medidas protetivas concedidas a mulheres em meio
à pandemia de Covid-19 havia crescido 22,7%. Entre os dias 2 e 15 de
março, por exemplo, 44 medidas haviam sido expedidas. Já entre os dias
16 e 31 do mês, o número aumentou para 54.
Quadrimestre violento
O
Rio Grande do Norte apresentou crescimento de 12,02% no número de
Crimes de Violência Letal e Intencional (CVLIs) no primeiro quadrimestre
de 2020. Em números absolutos, foram registradas 550 mortes violentas
nos quatro primeiros meses do ano, contra 491 mortes no mesmo período do
ano passado. Os dados são do Observatório da Violência Letal e
Intencional do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).
De
acordo com os números, tabulados entre 1º de janeiro de 31 de abril
deste ano, foram 405 homicídios dolosos, 64 intervenções policiais, 45
lesões corporais seguidas de morte, 27 latrocínios e nove feminicídios.
Violência crescente
Período de comparação: 12 de março a 18 de maio
Tentativa de homicídio
2019: 12
2020: 48
300% de aumento
Violência doméstica
2019: 206
2020: 739
258,7% de aumento
Acidentes de trânsito com vítimas
2019: 72
2020: 81
12,5% de aumento
Acidentes de trânsito com vítimas
2019: 837
2020: 199
76,2% de queda
Lesões corporais sem morte
2019: 1.232
2020: 698
43,3% de queda
Homicídio doloso
2019: 208
2020: 244
17,3% de aumento
Feminicídio
2019: 4
2020: 3
25,0% de queda
Lesões corporais seguidas de morte
2019: 29
2020: 32
10,3% de aumento
Latrocínios
2019: 17
2020: 18
5,9% de aumento
Intervenções policiais
2019: 21
2020: 31
47,6% de aumento
Suicídios
2019: 41
2020: 44
7,3% de aumento
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