Gilliard - divulgação
Rio - Aquela nuvem que passa lá em cima é ele. E há 40
anos. Se você achava que Gilliard estava sumido, o cantor não só não
passou como a tal nuvem de 'Aquela Nuvem,' seu primeiro hit (composto em
1977 e gravado em 1979), como vem com novidades: 1) teve boa parte de
sua obra reeditada em plataformas digitais; 2) está todas as quartas, às
22h30, no júri do 'Canta Comigo', batalha de novos astros da música da
Record, apresentada por Gugu Liberato; 3) adianta a comemoração de 40
anos de seu primeiro hit com um single novo, 'Folha ao Vento', lançado
pela Som Livre.
Gilliard, um sujeito bastante espiritualizado, compôs
seu primeiro hit quando viajava na Barca Rio-Niterói. Estava
desconsolado por ter saído do lugar onde nasceu, Natal (RN) para
batalhar no Rio. E que não vire hábito para ninguém resolveu, ali mesmo,
acertar as contas com Deus aos brados.
"Eu morava em Niterói, ali na região do Gragoatá, São
Domingos, desde adolescente. Muitos músicos de Niterói me conheceram
molequinho. Conheci o Eduardo Lages (maestro de Roberto Carlos), que
morava em Icaraí, na Rua Lopes Trovão. Conheci o Chico Roque
(compositor), filava boia na casa dele", brinca o cantor de 61 anos. "Um
dia, em 1977, peguei a barca, um calor de 40 graus. Eu comecei a xingar
Deus, a gritar. A barca estava lotada, todo mundo deve ter visto. Eu
tinha cabelo comprido e encaracolado, parecia um andarilho. Aí naquele
momento, a letra e a música de 'Aquela Nuvem' vieram", recorda o cantor.
Gilliard lembra de ter chorado ao chegar à Praça 15. E
de ter pedido perdão a Deus quando chegou a Niterói. "Não esqueci nem a
letra nem a música! Na hora, senti algo forte me tocando, me fazendo
refletir. Talvez tenha sido uma consciência espiritual me mostrando qual
caminho seguir", conta. Seja como for, os caminhos se abriram: Gilliard
resolveu ir a São Paulo tentar a sorte e acabou contratado pela RGE,
selo popular ligado à Som Livre. "As pessoas me receberam lá como se me
conhecessem!", espanta-se.
Gilliard - divulgação
SILVIO E CAZUZA
'Aquela Nuvem', gravada no Carnaval de 1979 e lançada
em agosto, abriu espaço para outros hits: 'Pouco a Pouco', 'Não Diga
Nada' e até a infantil 'Festa dos Insetos', de 1983. Sim, o tema (o do
"torce, retorce...") ainda é um dos mais pedidos nos shows dele. E quase
não foi lançado.
"A gravadora era contra, falavam que eu ia queimar
minha carreira lançando música infantil. Gravei pouco antes de
aparecerem aqueles artistas infantis, A Turma do Balão Mágico, Xuxa. E
eu tinha fãs crianças!", conta o cantor, que foi salvo por Silvio
Santos.
"Ele me levou até o camarim dele quando fui ao 'Qual É A
Música'. Me disse para eu convencer o pessoal da gravadora. Ainda
falou: 'Se eu fosse um cantor, para ficar famoso, eu cantaria até 'Mamãe
Eu Quero'", conta Gilliard, que pouco antes disso, tinha a ajuda de um
divulgador chamado Cazuza. Era o próprio cantor de 'Exagerado', antes da
fama.
"Ele me levava para o aeroporto, para o hotel, para as
TVs, quando eu ia para o Rio. Me deu uma lição de humildade: nem sabia
que ele era filho do João Araújo (dono da Som Livre e da RGE). Um tempo
depois, fui à Som Livre e estava lá o Cazuza dando uma entrevista para
lançar o Barão Vermelho. Ele me viu e disse: 'Gilliard, tô falando aqui
que trabalhei com você. É verdade ou não é?'", conta o cantor, que desde
os anos 1990 tem tido bastante popularidade em Angola, com shows
constantes por lá. "Era para eu ter ido um pouco antes, mas o país
estava em guerra. Mas me espantei com o que vi lá: músicas como 'Eu Digo
Sim, Ela Diz Não', eles cantam na rua!", conta, ele, hoje recordando
sucessos e mostrando novidades na turnê 'Um Convite À Minha Voz', que
roda o Brasil.
FALANDO EM 'NÃO'...
Gilliard Cordeiro Marinho (sim, o nome dele é esse
mesmo) cantava desde a infância em Natal. "Os casais brigavam e os caras
falavam com minha mãe: 'Pode emprestar o Gilliard um minutinho?'. E eu
tinha que cantar para as namoradas deles voltarem! Em alguns minutos,
estava todo mundo se beijando. E eu: 'Tô fazendo milagre'", recorda,
rindo, o cantor, casado desde 1981 com Silvia, ex-integrante do grupo
vocal Harmony Cats, e pai de Sylvio (que é seu assessor de imprensa e
vai se lançar como cantor) e Bruna (médica). Gilliard hoje vê no 'Canta
Comigo', ao avaliar os calouros, um pouco da sua história.
"Recebi muito não. Quando cantava em concurso,
participava em troca de lata de biscoitos. Sempre ouvia: 'Lá vem aquele
anãozinho'. Quando conseguia mostrar meu trabalho numa gravadora, sempre
ouvia: 'Seu som tinha que ser mais dançante', e eu era um cantor
romântico", recorda. "Conto essas histórias em shows e palestras e
sempre dou o exemplo do Cartola, que estourou após os 70 anos. E falo
que a vida é o maior tesouro que a gente tem".
(por Ricardo Schott/O Dia)
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