PANDEMIA
Com a redução das taxas de isolamento em maio, número de casos confirmados de Covid-19 explodiu em apenas 30 dias
O Rio Grande do Norte do Norte terá o pico da epidemia da Covid-19 até
meados de julho deste ano. A previsão é de que serão mais 100 mil casos
de casos sintomáticos – com os efeitos da doença no organismo. Além
disso, a estimativa é de que até nove mil potiguares necessitarão de
algum atendimento hospitalar, seja em serviços ambulatoriais ou de
internação.
A previsão é do professor José Dias do Nascimento Jr., integrante do
Departamento de Física Teórica e Experimental da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN). Ele é responsável pelo modelo
físico-matemático que analisa o impacto da pandemia do novo coronavírus
entre os potiguares.
O potiguar é atualmente pesquisador convidado do centro de
astrofísica da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Foi a partir
da cidade americana de Cambridge, nas cercanias da prestigiosa
instituição de ensino, que ele conversou com o Agora RN. Ele é autor de
análises matemáticas para o Governo do Estado e para o Comitê Científico
do Consórcio Nordeste.
“O pico de contágio aconteceu no final de abril e primeira quinzena
de maio. Isso significa que teremos, mais na frente, um pico de
agravamento, que é quando os sintomas aparecem e mais pessoas precisam
de internação”, explicou.
Entre abril e maio, segundo o professor, foi o período em que boa
parte da população foi exposta ao vírus. Isso se explica por alguns
fatores. O principal deles, afirma o pesquisador, foi a redução das
taxas de isolamento. No dia 22 de março, data do decreto estadual que
restringiu a circulação de pessoas, a taxa de isolamento era de 61% –
segundo o site de monitoramento In Loco. Contudo, no período entre 26 e
30 de maio, a taxa variou entre 38% e 41%.
Uma maior circulação populacional gera aumento no número de
infectados. O professor defende um bloqueio mais restrito para impedir o
avanço nos contágios. “Ou isolamos muita gente por pouco tempo ou
isolamos pouca gente por pouco tempo. O tempo de isolamento vai depender
da qualidade de enfrentamento que a população do Rio Grande do Norte
está oferecendo”, reforçou.
Impactos socioeconômicos
Outra razão para a forte redução do isolamento em maio tem um
componente socioeconômico. Foi no início de maio que se iniciou o
pagamento do auxílio emergencial – o suporte financeiro do Governo
Federal para trabalhadores informais ou sem renda – nas agências da
Caixa Econômica Federal. Segundo reportagem do Agora RN de 18 de maio, o
Rio Grande do Norte tem mais de 1 milhão de pessoas com direito aos
recursos, o que representa 28% da população.
Desta forma, um em cada três potiguares precisou sair de casa para
receber os R$ 600. As imagens de enormes filas em agências bancárias
deram a tônica durante boa parte de mês. O resultado do aumento de
pessoas nas ruas foi visto na evolução dos números da doença. Os
primeiros 1 mil casos da doença foram registrados entre os dias 13 de
março (data da primeira confirmação) e 29 de abril. Desde então, os
números da doença aumentaram sete vezes em menos de 30 dias. Neste
domingo (31), o Estado somou 7.402 casos confirmados de Covid-19.
Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, apontam
que, em média, o Rio Grande do Norte tem uma dobra nos casos a cada seis
dias. Desta forma, caso se análise o avanço até o dia 1º de julho, os
registros podem dobrar outras seis vezes. Com isso, o número de casos
pode passar dos 100 mil.
Além disso, há uma subnotificação de casos da Covid-19. Desde que o
primeiro caso entre os potiguares aconteceu, em 13 de março, apenas 19
mil testes de detecção foram feitos. Isso significa 5,6 testes a cada
mil habitantes.
Além disso, o Governo do Estado segue com o mesmo protocolo de
testagem desde o início da pandemia.Na maioria dos casos, são testadas
apenas pessoas que apresentam os sintomas da doença, com comorbidades e
que procuram atendimento hospitalar. Os casos assintomáticos acabam sem a
possibilidade de passar pela testagem. Além disso, os testes também são
aplicados em servidores da saúde, segurança pública, idosos e
cuidadores de idosos e, por fim, moradores de rua. Isso acaba
restringido o acesso da população à testagem em massa.
Momento é de planejamento
“Quando muita gente vai para as ruas, nós só vamos ter um resultado
disso no número de contágios depois de um tempo. O coronavírus tem um
tempo global – o que inclui a incubação, aparecimento dos sintomas e, em
alguns casos, de piora do quadro clínico. No Rio Grande do Norte, este
tempo é de 12 a 15 dias entre o inicio o final dos sintomas”, detalhou o
professor.
Ainda de acordo com José Dias do Nascimento Jr., os números da
pandemia só tendem a crescer em território potiguar. Ele alerta para o
fato que a população segue se expondo ao vírus, descumprindo o
isolamento, o que tende a agravar a situação.
O reflexo do aumento de contágios está no número de pessoas que
necessitam atendimento hospitalar especializado para a Covid-19. Mesmo
com a abertura gradativa de leitos de Unidades de Terapia Intensiva
(UTI) em diversas regiões do território potiguar, a demanda é cada vez
maior. Até este domingo (31), segundo dados da Secretaria Estadual de
Saúde Pública (Sesap), 126 pessoas aguardavam transferência para um
leito crítico. A rede estadual tem, hoje, 204 leitos para atendimento do
público. Deste total, 165 vagas estavam ocupadas e apenas 23 estavam
disponíveis. Há ainda outros 16 leitos bloqueados,
Ele reforça a importância para que os gestores públicos do Estado e
dos municípios passem a adotar ações mais rígidas para o isolamento.
"Precisamos entender isso para propor medidas que sejam mais duras.
Não estamos em momento de desespero; não há caos generalizado. Se
colocássemos a população do Rio Grande do Norte por 15 ou 20 dias dentro
de casa, nós teríamos uma mudança completa da curva. O pico seria mais
curto e o final da epidemia seria mais curto”, justificou.
Modelo matemático foi criado após a “gripe espanhola”
O professor José Dias do Nascimento Jr diz que o modelo matemático
para a Covid-19 analisa as entradas de dados sobre a doença –
“suscetíveis” (S); “infectadas” (I); e “recuperadas” (R) e “expostas”
(E). “Isso não é algo novo.
O método foi criado após a pandemia da “gripe espanhola”, por volta
de 1927. Hoje, a análise é muito mais robusta, pois utiliza ‘data
science’ – é o que há de mais moderno para avaliar sistemas dinâmicos”,
disse. O pesquisador pontuou o modelo também tem limitações. Uma delas é
heterogeneidade das populações analisadas. Ele também diz que dados
ruins geram modelos frágeis. Os modelos robustos podem ajudar a
controlar a pandemia e evitar milhões de mortes.
Para o caso do Rio Grande do Norte, ele recomenda a ampliação dos
testes em massa para detecção do novo coronavírus. “Se os gestores não
apresentarem os dados corretamente, o modelo vai funcionar mal. Se
tivéssemos uma testagem em massa, os números seriam mais precisos. Em
analogia, o modelo matemático é uma bússola dentro de um temporal”,
avaliou.
Os estudos levantam informações fundamentais para embasar estratégias
na luta global contra o coronavírus. Os modelos têm a capacidade de
refletir a realidade a partir dos dados que os alimentam.
Uma das preocupações quanto ao avanço da pandemia se refere à taxa de
reprodução básica, que é quantidade de pessoas que um infectado em
média pode contagiar. Essa taxa é conhecida como R0.
Caso a doença tenha o R0 abaixo de 1, a transmissão logo
desaparecerá. Se R0 for igual a 1, isso torna a doença endêmica. Já se o
R0 for maior que 1, o vírus vai se disseminar cada vez mais rápido
entre as pessoas. Segundo José dias do Nascimento, o atual índice de
transmissibilidade potiguar é próximo de 2.
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