DITADURA QUE NÃO CAI
Uma multidão tomou as ruas de Caracas, na quarta-feira (26), aos
gritos de “revogatório, revogatório”. Faixas ilustradas pelas cores
amarela, vermelha e azul, da bandeira da Venezuela, exigiam a realização
de um referendo para decidir sobre a permanência ou saída do presidente
Nicolás Maduro do poder. “Dia 3 de novembro, convido todo povo
venezuelano para marchar até [o Palácio de] Miraflores”,
bradou Henrique Capriles, um dos líderes da oposição ao chavismo, ao
convocar os manifestantes para novos protestos.
“A tomada da
Venezuela”, como foi chamado o movimento da semana passada, contou com
protestos por todo o território venezuelano. O país, depauperado por uma
arrasadora crise econômica, polarizado politicamente e governado por um
regime crescentemente ditadorial, vive novos dias de fúria. O estopim
da crise foi uma sucessão de medidas tomadas por Maduro e seus aliados
chavistas para se aferrar ao poder. Em um espaço de três dias, o
Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo chavismo, adiou as
eleições regionais para governador, previstas para dezembro, e suspendeu
o processo de convocação do referendo revogatório do mandato
presidencial. Segundo a oposição, ao menos 120 pessoas ficaram feridas e
147 foram presas, em vários estados do país, nas manifestações da
quarta-feira. Um policial também foi morto no estado de Miranda em
circunstâncias ainda não esclarecidas. Uma greve nacional de 12 horas
foi convocada pela oposição para a sexta-feira (28), sob ameaças de
retaliações às empresas que aderissem ao movimento feitas por Diosdado
Cabello, ex-presidente da Assembleia Nacional e uma das principais
figuras do chavismo.
A repulsa popular expressa nos últimos dias se deve ao fato de que a
suspensão do processo de convocação do referendo retira da Venezuela um
dos últimos vestígios de institucionalidade e de estado de direito que
restavam ao país. A convocação de referendos de revogação para mandatos
de cargos eletivos está prevista na Constituição venezuelana. Para levar
adiante a reivindicação, são necessárias 200 mil assinaturas, o
equivalente a 1% do eleitorado venezuelano. Em meio ao colapso econômico
do país, os grupos oposicionistas não tiveram dificuldades para obter o
apoio de 1,8 milhão de signatários, que enxergaram no referendo a
possibilidade de uma mudança política pacífica e democrática.
A
oposição estava se preparando para alcançar 4 milhões de assinaturas
numa segunda fase de convocação do referendo, prevista para a última
semana de outubro, quando o órgão eleitoral venezuelano, na
quinta-feira (20), invalidou parte das assinaturas já recolhidas sob a
suspeita de fraude. Numa decisão manchada pelo autoritarismo chavista, o
Conselho Nacional Eleitoral acatou sentenças emitidas por tribunais
penais em cinco estados. Constitucionalistas venezuelanos questionaram a
competência das Cortes – penais, não eleitorais – para tomar a medida e
chamaram a atenção para a semelhança dos pareceres emitidos por
tribunais distintos. Numa evidente ação coordenada, a suspensão do
processo do referendo também foi anunciada por cinco governadores,
alinhados ao chavismo. “Se a denúncia de fraude fosse comprovada, os
responsáveis, individualmente, deveriam ser investigados e sancionados.
Mas o processo ainda permaneceria válido e deveria ter sido continuado. O
que o CNE fez foi muito grave”, diz Luis Lander, do Observatório
Eleitoral Venezuelano.
Ao suspender o referendo revogatório e
adiar as eleições regionais para governador para 2017, Maduro tenta
evitar a qualquer custo uma nova derrota nas urnas, como a que sofreu em
dezembro de 2015, quando perdeu o controle da Assembleia Nacional.
Enquanto faz o que pode para esvaziar o Legislativo, o presidente
manobra para manter o que lhe resta de poder, enquanto o país derrete.
Logo depois da bomba da suspensão do referendo, Maduro saiu correndo e
inventou um tour-relâmpago internacional por países produtores de
petróleo na Ásia e no Oriente Médio sob a justificativa de discutir
medidas para “recuperar o preço justo” do barril.
Maduro viajou por cinco dias e passou pelo Vaticano para uma reunião
com o papa Francisco – o pontífice está empenhado em mediar uma
negociação entre o chavismo e a oposição. Como resultado da parada de
Maduro em Roma, o enviado do papa à Venezuela anunciou um encontro entre
governo e oposição, que seria realizado no domingo (30), na Ilha de
Margarita, no Caribe. A iniciativa não durou nem duas horas. “Não
podemos ir a um processo de diálogo que signifique para o governo que
aqui não muda nada”, disse Capriles. “Não se soluciona a crise sentando
governo e oposição para tirar uma foto.” Capriles disse ter sido
informado da iniciativa pela TV. Na Assembleia Nacional, a oposição
iniciou um processo para julgar Maduro por “atentado à democracia”. Ao
reagir, o presidente acusou a oposição de tentar um “golpe parlamentar”.
Impopular,
Maduro sabe que não resistirá a uma consulta aos venezuelanos. As
últimas pesquisas feitas pelo instituto Datanálisis, o mais confiável do
país, apontam que cerca de 70% da população votaria pela saída do
presidente. Por isso, Maduro trabalha para que o referendo não ocorra ou
seja realizado depois de janeiro de 2017, quando a aprovação de sua
saída não levaria a uma nova eleição, mas à ascensão de seu
vice-presidente. Para manobrar, Maduro conta com a fidelidade dos
militares venezuelanos, um bastião do chavismo. Em pronunciamento em
cadeia nacional, o ministro da Defesa venezuelano, general Vladimir
Padrino, acusou a oposição de querer instaurar “o caos e a anarquia”,
com o objetivo, segundo ele, de “derrubar o governo legitimamente eleito
de Nicolás Maduro”.
“Maduro prefere uma saída violenta para que
possa se colocar como vítima. A população e a oposição seguem empenhadas
para que isso não ocorra, mas há muitas armas na rua. Nos protestos, os
coletivos militares do chavismo se apresentaram contra a população.
Isso é confrontação”, diz a socióloga Margarita López Maya, da
Universidade Central da Venezuela. “Hoje, o Executivo está disposto a
levar a Venezuela a uma guerra civil.” Enquanto as tensões se acirram, o
povo venezuelano agoniza. Um relatório da Human Rights Watch, publicado
na semana passada, pinta um cenário de crise humanitária no país. De
acordo com o relatório, 76% dos hospitais públicos sofrem com a escassez
de medicamentos básicos e 85% dos remédios só são encontrados no
mercado negro a preços proibitivos. Pacientes com doenças crônicas como
diabetes e câncer não encontram tratamento. Há também desabastecimento
de produtos básicos, o que está afetando a capacidade da parcela mais
pobre dos venezuelanos em se alimentar.
Mesmo diante da calamidade
pública, Maduro se recusa a ceder e reconhecer os erros do chavismo – e
acusa “agentes internacionais” de capitanearam uma “guerra econômica”
contra a Venezuela. Com as manobras ditatoriais para reter o poder a
qualquer custo, o risco de violência política só cresce. A realização do
referendo era uma saída para evitá-la. Suprimir essa válvula de escape
pode acelerar a trajetória do país rumo ao que pode virar uma
assustadora explosão.
por: TERESA PEROSA/Época
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