VIOLÊNCIA EM SÃO PAULO
O papel está ali, colado na
parede branca de mármore. "Papai, obrigada por toda a alegria que você
me passou, por toda a hora que você passou ao meu lado para me proteger.
E, pai, eu estou com muita saudade de você." A letra de forma da carta
escrita com uma canetinha roxa já está um pouco desbotada.
A menina escreveu em 2014 para o pai, o soldado Fernando Gomes
Kaczmarek Correa. Ele era um policial. Um grupo de homens ouve a leitura
que dela faz em voz alta o capitão Ricardo Salvi, da Polícia Militar.
Todos estão no mausoléu da corporação, no Cemitério do Araçá, na zona
oeste de São Paulo.
A autora da carta é filha de um dos 1.147
policiais militares assassinados desde 2001 no Estado, um efetivo
equivalente a dois batalhões inteiros da corporação. É como se a cada
cinco dias um policial fosse morto em São Paulo. O pai de Sophia - o
soldado Correa - era patrulheiro rodoviário. Estava com um colega na
Rodovia dos Imigrantes, às 3h30 do dia 14 de dezembro de 2013, quando
fez sinal para um carro parar. Ao caminhar para abordá-lo, apareceu um
Honda preto, que o atropelou. O motorista fugiu e, 14 quilômetros
adiante, furou um bloqueio policial, na Baixada Santista.
A
maioria da audiência do capitão Salvi é composta de novatos,
recém-chegados à 6.ª Divisão da Corregedoria da PM, o setor responsável
por prender agressores e assassinos de policiais no Estado. O ritual da
leitura prossegue: "Obrigada por tudo o que você me deu, pai. Eu te amo e
sempre vou te amar". Esguio, de fala pausada, o capitão é um homem
habituado com essas histórias. Ele prossegue a leitura: "Eu fiz essa
carta para lembrar de tudo o que a gente passou junto". A carta termina
com desenhos infantis, representando o pai, a viúva, Mara, e a filha,
Sophia, todos rodeados de beijos e corações em torno da frase da menina,
que era seu desejo. "Feliz dia dos pais!!!"
Outras tantas cartas
estão ao lado das fotos de outros tantos pais no mausoléu. Quase sempre
dos chamados praças - de soldados a subtenentes -, base da hierarquia da
corporação. Compõem a maioria de outro número enorme: o dos policiais
feridos todos os anos. A violência que atinge os PMs fez com que 3.131
homens e mulheres fossem afastados do trabalho por terem sido atingidos
por tiros ou facadas ou envolvidos em capotamento de viaturas,
atropelados por bandidos ou vítimas de outros acidentes no serviço ou na
folga, de 2015 até agora.
Reunido pelas Juntas Médicas da
Diretoria de Saúde da corporação, esse número, ao lado do total de
mortos no período computado pela Corregedoria, ajuda a traçar um retrato
inédito da violência que atinge esses profissionais. Durante seis
meses, o jornal 'O Estado de S. Paulo' acompanhou as histórias de
policiais que enfrentaram a morte e sobreviveram e do grupo que apura
ameaças, agressões e assassinatos de policiais. São casos como o do
soldado Gilson Ribeiro, de 36 anos, que foi baleado quando tentava
defender-se de ladrões durante a folga. "Nós somos treinados para ser
super-heróis, mas na verdade não somos", disse. Ribeiro faz fisioterapia
neurológica, no Centro de Reabilitação da PM. A bala que o acertou o
deixou paraplégico. Era 2014. Ele trabalhava no patrulhamento das ruas.
Folga
De
folga também estavam, de acordo com os números das PM, 85% dos
policiais assassinados neste século no Estado. Neste ano, dos 43 PMs
assassinados em São Paulo, só 3 foram mortos durante o serviço - 4,3
casos por mês, ante 4 no ano passado e 3,8 em 2015. A violência contra
policiais pode ser medida ainda pelas medalhas Cruz de Sangue dadas pela
PM.
Elas são de três tipos: ouro, prata e bronze. A de grau ouro é
póstuma, a de prata é para casos de invalidez e a de bronze, para
policiais feridos em serviço ou folga em defesa da sociedade. Criada em
1998, até hoje foram concedidas 1.145 - 291 de ouro, 63 de prata e 791
de bronze.
(por Estadao Conteudo)
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