Augusto Aras, procurador-geral - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brasília - O procurador-geral da República, Augusto
Aras, disse em nota divulgada nesta terça-feira que, no seu
entendimento, as Forças Armadas podem ser usadas em ações pontuais, como
garantir a lei e a ordem num eventual cenário de ruptura institucional.
A posição do procurador está alinhada à do presidente
Jair Bolsonaro, que tem citado o artigo 142 da Constituição como uma
saída para a crise do governo com o Supremo. A interpretação gera
polêmica entre constitucionalistas. A OAB disse nesta terça que o artigo
não permite uma "intervenção militar".
"Os poderes são harmônicos e independentes entre si.
Cada um deles há de praticar a autocontenção para que não se venha a
contribuir para uma crise institucional. Conflitos entre Poderes
constituídos, associados a uma calamidade pública e a outros fatores
sociais concomitantes, podem culminar em desordem social As Forças
Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, para a garantia
da lei e da ordem, a fim de preservar o regime da democracia
participativa brasileira", escreveu Aras.
Na nota divulgada nesta terça-feira, Aras diz que a
Constituição "não admite intervenção militar" e afirma que as
instituições estão "funcionando normalmente" no país. O procurador-geral
da República divulgou a nota após ser questionado pela imprensa sobre
as declarações concedidas em entrevista na madrugada desta terça-feira
na TV Globo, no programa "Conversa com Bial".
Ao apresentador, Aras afirmou: "um poder que invade a
competência de outro poder, em tese, não deve merecer a proteção desse
garante da Constituição. Porque se os poderes constituídos se
manifestarem dentro das suas competências, sem invadir as competências
dos demais poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos
garantes uma ação efetiva de qualquer natureza."
Indagado se o Brasil está próximo desse cenário, Aras
respondeu: "Não será o procurador-geral o catalisador de uma crise
institucional dessa natureza".
Críticas
A posição do procurador-geral da República na TV
Globo gerou críticas dentro do Ministério Público Federal. "Em minha
análise, o conteúdo dessa nota contraria o que diz a Constituição, pois
considera a falsa premissa de que a democracia é tutelada pelas armas",
afirmou ao Estadão o subprocurador-geral da República Nicolao Dino.
"É uma visão equivocada do regime democrático e do sistema de freios e contrapesos, pois este funciona a partir do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e sob a fiscalização do MP (art 127, CF). Num Estado democrático de direito, o crivo de qualquer possível conflito entre Poderes é o Judiciário, sendo o filtro último o STF", acrescentou Dino.
Para um outro integrante da PGR, Aras claramente recuou em relação ao que disse na entrevista a Pedro Bial.
"É uma visão equivocada do regime democrático e do sistema de freios e contrapesos, pois este funciona a partir do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e sob a fiscalização do MP (art 127, CF). Num Estado democrático de direito, o crivo de qualquer possível conflito entre Poderes é o Judiciário, sendo o filtro último o STF", acrescentou Dino.
Para um outro integrante da PGR, Aras claramente recuou em relação ao que disse na entrevista a Pedro Bial.
O presidente Jair Bolsonaro e parte de seus
apoiadores passaram a citar o artigo 142 da Constituição para criar uma
narrativa de que não seria ilegal um decreto de "intervenção militar"
para conter o que consideram excessos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Juristas sem vínculos com o governo consultados pelo Estadão/Broadcast,
no entanto, afirmam que essa interpretação é absurda, e consideram que,
ao incentivar esse entendimento, o chefe do Palácio do Planalto flerta
com crimes de responsabilidade.
O texto do artigo estabelece que as Forças Armadas, além de atuarem na defesa da Pátria, podem ser chamadas, por iniciativa dos Poderes da República, para garantia "da lei e da ordem". No entanto, na avaliação de especialistas, o texto constitucional é claro sobre as atribuições de Executivo, do Congresso e do STF, de modo que não cabe ao presidente a palavra final sobre o que é lei e ordem.
A referência ao artigo 142 foi feita por Bolsonaro em reunião ministerial no dia 22 de abril, que teve o vídeo divulgado no mês passado por ordem de Celso de Mello. No encontro com seus auxiliares, o mandatário citou o artigo e falou em "pedir as Forças Armadas que intervenham pra restabelecer a ordem no Brasil, naquele local sem problema nenhum".
Dias após o conteúdo da reunião vir a público, o presidente usou as redes sociais para compartilhar reflexões do jurista Ives Gandra Martins, que defende uma interpretação do artigo nos moldes da pretendida por Bolsonaro. No vídeo, Gandra afirma que o presidente "teria o direito de pedir as Forças Armadas" caso perdesse recursos à decisão que impediu a nomeação de Ramagem para o comando da PF.
Essa posição foi criticada por constitucionalistas ouvidos pelo Estadão. "Tem que separar duas coisas. Uma é a questão da desobediência. A outra é que tipo de recursos o presidente tem além da desobediência. Quero achar que o que Aras tá dizendo enfoca mais na questão da desobediência. Outra coisa é dizer que além de desobedecer ele pode invocar as Forças Armadas. Ele tá fazendo cortina de fumaça. É totalmente possível separar as duas coisas, mas as duas estão erradas ao meu ver ", disse Diego Werneck, professor de Direito do Insper.
"É uma interpretação limitada, equivocada e perigosa (a dos bolsonaristas). A Constituição, assim como qualquer outro diploma legal, não pode ser interpretada de maneira isolada, tem que ser interpretado de forma sistêmica. A manifestação do PGR não foi clara, e aí reside o problema. Dada a função do cargo que ocupa, das funções que exerce, é fundamental que seja claro e contundente quanto a qualquer hipótese de intervenção militar. Até porque se tem havido tensionamento, esse tensionamento tem sido provocado pelo Executivo. No momento em que um dos Poderes se acentua os demais precisam se acentuar para manter o equilíbrio", afirmou Jovacy Peter Filho, advogado e mestre em Direito Penal pela USP.
Por sua vez, Ludgero Liberato, sócio do escritório Chrome Jorge e Abelha Rodrigues, disse que "a leitura dele é completamente equivocada e tenta legitimar esse raciocínio que tem sido feito do artigo 142. Não tem hipótese de que um Poder perca suas garantias e se submeta ao Poder Moderador das Forças Armadas por extrapolar essas competências o constituinte imaginou situações nas quais os Poderes possam extrapolar suas atribuições e previu soluções pra isso. E nenhuma delas é a utilização das Forças Armadas".
O texto do artigo estabelece que as Forças Armadas, além de atuarem na defesa da Pátria, podem ser chamadas, por iniciativa dos Poderes da República, para garantia "da lei e da ordem". No entanto, na avaliação de especialistas, o texto constitucional é claro sobre as atribuições de Executivo, do Congresso e do STF, de modo que não cabe ao presidente a palavra final sobre o que é lei e ordem.
A referência ao artigo 142 foi feita por Bolsonaro em reunião ministerial no dia 22 de abril, que teve o vídeo divulgado no mês passado por ordem de Celso de Mello. No encontro com seus auxiliares, o mandatário citou o artigo e falou em "pedir as Forças Armadas que intervenham pra restabelecer a ordem no Brasil, naquele local sem problema nenhum".
Dias após o conteúdo da reunião vir a público, o presidente usou as redes sociais para compartilhar reflexões do jurista Ives Gandra Martins, que defende uma interpretação do artigo nos moldes da pretendida por Bolsonaro. No vídeo, Gandra afirma que o presidente "teria o direito de pedir as Forças Armadas" caso perdesse recursos à decisão que impediu a nomeação de Ramagem para o comando da PF.
Essa posição foi criticada por constitucionalistas ouvidos pelo Estadão. "Tem que separar duas coisas. Uma é a questão da desobediência. A outra é que tipo de recursos o presidente tem além da desobediência. Quero achar que o que Aras tá dizendo enfoca mais na questão da desobediência. Outra coisa é dizer que além de desobedecer ele pode invocar as Forças Armadas. Ele tá fazendo cortina de fumaça. É totalmente possível separar as duas coisas, mas as duas estão erradas ao meu ver ", disse Diego Werneck, professor de Direito do Insper.
"É uma interpretação limitada, equivocada e perigosa (a dos bolsonaristas). A Constituição, assim como qualquer outro diploma legal, não pode ser interpretada de maneira isolada, tem que ser interpretado de forma sistêmica. A manifestação do PGR não foi clara, e aí reside o problema. Dada a função do cargo que ocupa, das funções que exerce, é fundamental que seja claro e contundente quanto a qualquer hipótese de intervenção militar. Até porque se tem havido tensionamento, esse tensionamento tem sido provocado pelo Executivo. No momento em que um dos Poderes se acentua os demais precisam se acentuar para manter o equilíbrio", afirmou Jovacy Peter Filho, advogado e mestre em Direito Penal pela USP.
Por sua vez, Ludgero Liberato, sócio do escritório Chrome Jorge e Abelha Rodrigues, disse que "a leitura dele é completamente equivocada e tenta legitimar esse raciocínio que tem sido feito do artigo 142. Não tem hipótese de que um Poder perca suas garantias e se submeta ao Poder Moderador das Forças Armadas por extrapolar essas competências o constituinte imaginou situações nas quais os Poderes possam extrapolar suas atribuições e previu soluções pra isso. E nenhuma delas é a utilização das Forças Armadas".
(Por:Estadão Conteúdo)
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