MINISTRO É ASSERTIVO
Ministro Celso de Mello - Carlos Moura/SCO/STF
Brasília - Ao arquivar o pedido apresentado por partidos de oposição ao
governo para apreender o celular do presidente Jair Bolsonaro, o
ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), não deixou
passar em branco a 'resistência presidencial' em cumprir eventual ordem
judicial adversa.
No último dia 22, Bolsonaro disse que, mesmo
que houvesse uma decisão neste sentido, não entregaria o aparelho. "No
meu entender, com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, nem
deveria ter encaminhado ao Procurador-Geral da República. Tá na cara que
eu jamais entregaria meu celular. A troco de quê? Alguém está achando
que eu sou um rato para entregar um telefone meu numa circunstância como
essa?", afirmou em entrevista à Rádio Jovem Pan.
Na decisão
desta terça, o decano decidiu em favor de Bolsonaro, mas fez questão de
observar que o desrespeito a decisões judiciais 'por ato de puro
arbítrio' é ilegal e, no caso do presidente, configuraria crime de
responsabilidade. A tipificação é pré-requisito para a abertura de um
processo de impeachment.
O decano destacou que cabem aos
magistrados os deveres de 'repelir condutas governamentais abusivas',
'neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal' e 'impedir a captura
do Estado e de suas instituições por agentes que desconhecem o
significado da supremacia da Constituição'.
Em diferentes trechos
do parecer, a postura de Bolsonaro foi classificada pelo ministro mais
longevo do STF como um 'ato de insubordinação' e 'gesto de frontal
transgressão à autoridade da própria Constituição da República'.
Diante
da crescente de ataques dirigidos por apoiadores bolsonaristas e
integrantes do próprio governo ao STF, Celso de Mello saiu em defesa da
Corte e relembrou outros episódios de conflito entre os Poderes em razão
de descumprimentos de decisões judiciais pelos ocupantes da cadeira
presidencial.
Apesar da similaridade, na visão do ministro, os
momentos históricos mencionados por ele na decisão guardam entre si mais
de um século de distância. Os marechais Floriano Peixoto e Hermes da
Fonseca, que governaram o País em sequência nos primeiros anos da
República, de 1889 a 1894, foram os últimos a se insubordinarem contra
decisões do Supremo Tribunal Federal.
"Tal rememoração se faz
necessária para que jamais se repitam comportamentos inconstitucionais
de anteriores Presidentes da República, que ousaram descumprir decisões
emanadas desta Corte Suprema", observou o ministro.
Para o
decano, na democracia 'não há espaço para o voluntário e arbitrário
desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais, pois a recusa de
aceitar o comando emergente dos atos sentenciais, sem justa razão, fere o
próprio núcleo conformador e legitimador da separação de poderes, que
traduz postulado essencial inerente à organização do Estado no plano de
nosso sistema constitucional'.
Parafraseando o ex-deputado
federal, Ulysses Guimarães (MDB), morto em 1992, Celso de Mello incluiu
na decisão um trecho do discurso do então presidente do Congresso no
encerramento da Assembleia Constituinte, em outubro de 1988:
"A
Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao
admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim.
Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor
da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar
as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas
para a cadeia, o exílio e o cemitério".
O pedido
Os
partidos PDT, PSB e PV haviam solicitado ao Supremo a apreensão dos
celulares do presidente e do seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro
(Republicanos-RJ), para que provas fossem colhidas no âmbito das
investigações sobre interferência política do presidente na Polícia
Federal. Os requerimentos foram encaminhados pelo ministro Celso de
Mello para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, que
se manifestou contra o pedido.
O mero encaminhamento à PGR
inflamou a militância bolsonarista e levou o ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, a divulgar nota
classificando como 'inconcebível' a requisição. Heleno afirmou ainda
que, caso fosse aceita, a medida poderia ter 'consequências
imprevisíveis para a estabilidade nacional'.
(Por:Estadão Conteúdo)
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