IRREGULARIDADES
Ciro Marques
Repórter de Política
A novela da licitação da Companhia de Serviços Urbanos (Urbana), para a contratação das empresas terceirizadas que vão auxiliar na coleta de lixo de Natal, ganhou mais um capítulo nesta semana: um novo pedido de impugnação ao edital. O motivo? Segundo o Sindicato das Empresas de Veículos e Bens Móveis do RN (SINLOC/RN), autor do pedido, há superfaturamento de quase 400%, restrição de competitividade e obstrução a participação de micro e pequenas empresas.
O pedido de impugnação, assinado pelo advogado Marcel Henrique Mendes Ribeiro, do Sinloc, aponta irregularidades em nove itens do edital, que estariam descumprindo a Lei de Licitações e a lei complementar 147/2014. “A licitação em questão está afastando, indevidamente, a participação de pequenas e microempresas locais; está onerando demasiadamente o preço; direcionando o resultado para pouquíssimas pretensas licitantes; causando prejuízo social e ao próprio erário público, em razão pela qual pugna pela integral declaração de nulidade do certame convocatório por ser isso ato de mais lídima Justiça”, escreveu o advogado no pedido de impugnação.
Dentre essas irregularidades citadas por Mendes Ribeiro, destaque para o “demasiado preço” que, segundo ele, estaria se traduzindo em um superfaturamento de quase 400%. E, para justificar o que diz, o pedido de impugnação apresentou uma lista de valores pagos atualmente e os cobrados na licitação. Pela contratação do caminhão caçamba 12m², por exemplo, paga-se um valor atualmente de R$ 7,1 mil agora e pretende-se pagar R$ 18,8 mil pelo mesmo serviço pós-licitação.
A maior diferença, porém, está na contratação do caminhão caçamba 7,5 m³. Atualmente, se paga R$ 4,2 mil pelo serviço e, na licitação, se oferece um valor de R$ 15,7 mil. “A ‘impossibilidade de repactuação’ futura para readequar os reajustes de mão de obra só pode estar sendo estipulada para mascarar a realidade do superfaturamento acima comprovado, que oscila de, aproximadamente, 150% a quase 400% de diferença, o que é deveras absurdo e extremamente prejudicial ao erário público”, afirmou o advogado do Sinloc.
A “impossibilidade de repactuação” diz respeito ao fato de que, segundo o edital, o valor que será pago nos primeiros meses pós-licitação não poderá ser reajustado de acordo com a inflação, por exemplo. E como os contratos têm duração de 60 meses, a possibilidade de um aumento nos custos consideravelmente alto. “A bem da verdade, os preços pré-fixados no edital de licitação serão mantidos e não reduzidos pois as empresas tem que operar nos primeiros anos de contrato com uma margem exorbitante de lucro para compensar os riscos inerentes a reajustes previsíveis de mão de obra”, analisou Mendes Ribeiro.
“O edital deixa ao crivo da discricionariedade futura os preços, o que visivelmente vai ensejar em duas possibilidades: inexequibilidade dos serviços ao longo dos 60 meses de contrato pré-estabelecidos ou o superfaturamento dos preços da locação de máquinas, o que efetivamente está se consubstanciando no presente caso”, acrescentou o advogado.
“O primeiro ponto necessário para uma boa licitação é ferido de morte no edital aqui guerreado que, mesmo se tratando de serviços, não prevê a possibilidade de repactuação ao longo dos seus cinco anos de duração, tornando uma obrigação que o preço inicial seja absurdamente alto em detrimento aos valores atualmente aplicados pelas prestadoras de serviços”, afirmou ainda o advogado, acrescentando que a licitação onerará os cofres públicos em mais de R$ 2 milhões ao mês com os valores sugeridos no certamente, que “se comprovará cabalmente ser superfaturado”.
“Edital é a reedição do anterior, que não alcançou seu objetivo”
O edital atual de licitação para contratar as empresas terceirizadas não é o primeiro a ser lançado com esse objetivo pela atual diretoria da empresa. No ano passado, a direção da Companhia também tentou fazer esse processo, mas não conseguiu concluí-lo, justamente, segundo o Sinloc, porque as clausulas eram excessivamente restritiva e limitaram a concorrência a apenas duas empresas – que apresentaram propostas bem acima do valor limite do edital. E o pior é que, aparentemente, nada mudou de um edital para o outro.
“O presente edital de licitação é, praticamente, a reedição do edital anterior que, após diversas idas e vindas ao TCE, Ministério Público e Tribunal de Justiça, terminou por ter seu objetivo não alcançado ante a deserção final da proposta das duas licitantes, que estavam disputando os mesmos três lotes, o que só comprova a ineficiência do instrumento convocatório”, apontou o advogado Mendes Ribeiro, do Sinloc, neste novo pedido de impugnação.
Se é “praticamente uma republicação”, o novo edital apresenta a mesma restrição à concorrência, por juntar lotes e colocar um longo período de duração dos contratos (60 meses), o que impediria que muitas empresas, menores, apresentassem crédito suficientes para se habilitar para a disputa. “A contração em questão é de possível subdivisão, mas o gestor preferiu optar por três lotes complexos, com prazos fixados em 60 meses, tornando o valor do contrato elevadíssimo para que empresas de pequeno porte participem, quanto mais tenham tratamento diferenciado”, acrescentou Mendes Ribeiro.
Nesse ponto, o advogado do Sinloc acaba por adentrar em outra suposta irregularidade: a falta de favorecimento a participação de pequenas empresas no edital. “O que está sendo afastado não é apenas o Estatuto da Micro e Pequena Empresa, mas da própria Lei 8.666/93, que prevê no artigo 3º que ‘as preferências definidas neste artigo e nas demais normas de licitação e contratos devem privilegiar o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequno porte na forma da lei'”, citou o advogado no pedido de impugnação.
E se não bastasse a falta de privilégio para as pequenas empresas, o edital também proíbe a formação de consórcios, uma restrição “injustificável”, na visão do advogado. “A impossibilidade de formação de consórcio é visível prejuízo as empresas que hoje executam bons préstimos à Urbana em detrimento de terceiros, tornando os preços orçados muito mais altos do que os que hoje se pratica”, acrescentou o advogado.
Segundo o Sinloc, o novo edital mantém a restrição a participação de, no máximo, quatro grandes empresas que possuem capacidade econômico-financeira para obter ‘índice de liquidez geral’ de 1,75%, ativo circulante de 5% do valor do lote participante e capital líquido não inferior a 10% do valor total da contratação, “o que seria inalcançável para a totalidade dos que hoje prestam serviços à Urbana”.
“Conclusivo que o edital tem natureza restritiva e impossibilita a ampla participação das empresas interessadas, especialmente as pequenas empresas que atualmente faze a limpeza urbana dessa cidade e estão sendo indevidamente impedidas de participar do certame pelos excessos constantes no edital”, acrescentou o advogado.
SUGESTÕES
Diante do atual edital, o Sinloc apresentou não só um pedido de impugnação, mas também uma série de sugestões para que a licitação pudesse ser aberta a participação de um número maior de empresas. Entre essas sugestões, por exemplo, a redução dos contratos de 60, para apenas 12 meses. Isso, também, ajudaria a reduzir os valores, porque não precisariam ser muito mais altos do que os pagos hoje.
“É certo que o preço global do contrato deverá ser reduzido ao prazo ordinário de 12 meses, até para que se tenha respeitado a dotação orçamentária anual da fonte de recursos do município de Natal, que é anualmente aprovado pela Câmara de Vereadores, fazendo com que o contrato possa ser renovado anualmente”, sugeriu o Sinloc, por meio de Mendes Ribeiro.
NOVELA
Lançado em 2013, o edital de licitação da Urbana foi impugnado não por decisão da Companhia, mas sim do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que apontou um superfaturamento de quase R$ 30 milhões no certame. A Urbana teve que refazer o texto e adequá-lo ao que apontou o TCE.
Para o Sinloc, porém, as restrições a participação de empresas continuaram visível e isso se confirmou quando apenas duas empresas conseguiram se habilitar na disputa. Com uma menor concorrência, as duas empresas apresentaram propostas acima do valor limite estabelecido pela Urbana para a contratação e isso acabou suspendendo toda a disputa – um ano após o início da novela.
Hoje, o edital que é criticado é novo. Foi republicado pela Urbana na tentativa de concluir o processo desta vez. Aparentemente, no entanto, mantém as restrições a concorrência. Fica agora a dúvida se o final será diferente ou a novela terá, integralmente, o mesmo desfecho.
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