
André Vargas - Reprodução Twitter
Curitiba - A carta escrita de dentro do Complexo Médico
Penal (CMP) em Curitiba aponta o ex-deputado André Vargas, que se
desfiliou do PT em 2014, como o líder do grupo de detentos que teriam
regalias e o principal interlocutor com agentes e a direção da unidade.
"Aqui dentro da carceragem do CMP, o líder deles é o André Ilário
Vargas, assessorado por João Vaccari Neto e Jorge Afonso Argello (Gim
Argello)", diz o texto que motivou a reabertura de investigações da
Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre suposto esquema de
regalias na unidade.
Segundo o relato, nas alas 5 e 6, as celas que têm
grades e chapas metálicas na porta são abertas pela manhã e fechadas às
17h. Mas, no caso das que abrigam os "Lava Jato", a tranca só bateria
por volta das 21h30. "Por algumas vezes, o funcionário sequer fechou-os
durante a noite, assim os cubículos dormem abertos. Isso foge totalmente
ao protocolo de segurança do Depen Paraná", diz o texto.
Vargas e Argello caminhariam "soltos" no corredor da
ala 6, mesmo quando se institui toque de recolher no local, diz o
relato. Os dois teriam ainda a segurança particular de uma dupla de
detentos "pitbull" que "entra em ação para resolver qualquer problema
que alguma pessoa tiver com um dos 'Lava Jatos'". "Na 6 ª galeria, tem
quatro presos que são funcionários dos 'Lava Jato', prestando serviços
exclusivos nos cubículos."
Além de "segurança", eles teriam "cozinheiro", que
seria responsável por pratos como bacalhau e risotos, e "zelador".
Banhos de sol em horas e dias proibidos também seriam parte das
regalias. "Todos se indignam com essa situação", afirma a carta. Segundo
o texto, isso é discutido entre detentos e servidores, mas "ninguém
tomou atitude" por medo de represálias.
Mais antigo dos presos da Lava Jato no CMP - desde 10
de abril de 2015, após condenação a 14 anos de prisão pelo recebimento
de R$ 1,1 milhão em propinas de contratos de publicidade do Ministério
da Saúde e da Caixa Econômica Federal -, Vargas busca o direito a passar
para o regime semiaberto.
A Justiça, que havia concedido o direito, revisou a
autorização depois que foi comprovado que o ex-deputado não pagou o
valor cobrado como garantia para repor os prejuízos causados com os
desvios na Saúde e Caixa. A comprovação de envolvimento em infrações
disciplinares pode zerar a contagem dos dias que ele tem a abater, por
ter feito cursos, trabalhos e leituras de livros.
A advogada de Vargas, Nicole Trauczynski, disse que
desconhece eventual benefícios no CMP e que o assunto é questão
administrativa da unidade. Segundo ela, por lei o cliente tem direito à
progressão, indeferida pela Justiça, mas que houve recurso. Procurada, a
defesa de João Vaccari também negou a existência de benefícios dentro
do presídio.
'Laranjas'
A Lava Jato apura se os presos da ala 6 têm contratado
outros detentos para cumprir as funções de trabalho ou estudo - que,
executados, contribuem para a redução da pena. O Conselho da Comunidade
diz que as atividades laborais para presos no Paraná atingem 10% dos
cerca de 33 mil encarcerados. No caso dos "Lava Jato", 100% teriam
acesso.
O ex-senador Gim Argello, por exemplo, é apontado "como
o rei do curso" no CMP. Formou-se em cursos de automação e gestão de
negócios e trabalhos de manutenção interna, como troca de lâmpadas e
pintura de paredes, e resenhou 20 livros. Condenado a 11 anos e 8 meses
de prisão, ele pediu o abatimento de 412 dias de pena. Mas teve cassado
114 dias de desconto da pena, em março, pelo Tribunal de Justiça do
Paraná.
Ele não comprovou a veracidade dos diplomas de mestre
em espanhol, eletrônica básica, instalações elétricas, obras e
edificações, rádio e TV e agropecuária. Também teve negado o abatimento
de dias por prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2016.
A Justiça considerou que, além de notas ruins, o
benefício era indevido pois a lei prevê remição quando o preso adquire
novo conhecimento - Argello é formado em Direito.
O advogado Marcelo Lebre, que defende Argello, disse
que as acusações de regalias para os presos da Lava Jato são "uma grande
falácia". Segundo ele, a unidade tem problemas, em especial de acesso
das defesas aos clientes.
Vistoria
Na última quinta-feira, 21, a nova corregedora-geral do
Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), Lúcia Beloni, iniciou,
exatamente pelo CMP, uma série de vistorias nas 33 unidades do Estado.
"Consideramos uma unidade especial não só por abrigar
os presos da Lava Jato, mas também pela questão dos presos em medida de
segurança", disse. A vistoria encontrou apenas alimentos fora do padrão,
em pequena quantidades, em algumas das celas. "Em relação a essa ala,
eu averiguei cela por cela. Levantamentos tudo, vistoriamos tudo. Mas
nada que indicasse um sistema de regalias para esses presos. Muito pelo
contrário."
A vistoria durou 12 horas. Segundo a corregedora, ela
ouviu de dois presos que nessas alas "eles são bem tratados e que não
tinham uma reclamação". "Perguntei da alimentação, do banho de sol, da
leitura, do trabalho, da limpeza. Então não posso anotar um fato que não
ocorreu."
Segundo o diretor do Depen, Francisco Caricati, "o
objetivo dessas correições é justamente evitar qualquer tipo de
distorção que possa existir nas unidades penais".
A Lava Jato apura a existência de uma sala onde os
itens proibidos seriam levados durante as fiscalizações. Segundo a carta
entregue à Justiça, os detentos que gozam de regalias "maquiam e
escondem o que não querem que vejam" antes das vistorias.
(por Estadão Conteúdo)
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