LOS HERMANOS ARGENTINOS
O presidente argentino Maurício Macri e seu rival Alberto Fernández:
reeleição ou retorno do peronismo - 20/10/2019 (Agustin
Marcarian/Reuters)
O confronto entre o liberal Mauricio Macri e o peronista Alberto Fernández
nas eleições deste domingo, 27, deixa no ar uma pergunta inevitável:
por que querem ser presidente de um país – novamente – à beira do caos
econômico? As urnas foram abertas na Argentina
às 8h e serão fechadas às 18h com prenúncio de vitória da oposição, já
concentrada nos últimos dias sobre os gestos e declarações mais
adequadas para driblar a esperada turbulência nos mercados financeiro e a
evasão desesperada de dólares na segunda-feira, 28.
Macri, Fernández e outros quatro candidatos encerraram oficialmente
suas campanhas na quinta-feira 24. As últimas oito pesquisas eleitorais
publicadas até o dia 18 davam ao peronista uma vantagem de 16,3 a 22,5
pontos porcentuais sobre o atual presidente argentino – o suficiente
para elegê-lo no primeiro turno. Como se viu nos Estados Unidos em 2016,
porém, os resultados sempre podem surpreender.
O empenho de ambos na campanha eleitoral deixou claríssimo que, pelo
menos para eles e seus grupos políticos, interessa conduzir um país no
fundo do poço – mesmo com o risco de o piso estar ainda mais abaixo. As
repercussões dos tumultos no vizinho Chile, tido como exemplo econômico
para a região, chegaram a Buenos Aires como preocupação adicional. As
imagens de argentinos invadindo o Congresso em dezembro de 2001, no
estopim da crise que levou à renúncia de Fernando de La Rúa e à sucessão de mais quatro presidentes em uma semana, continuam frescas na memória da classe política do país.
A Argentina pode não estar no nível catastrófico de dezembro de 2001.
Mas está muito longe de ser um país fácil de governar. Há quatro anos, Cristina Kirchner,
atual companheira da chapa de Fernández, recusou-se a passar a faixa
presidencial e o bastão de mando, um símbolo do poder no país, a Macri.
Ao assumir o posto, o ex-prefeito de Buenos Aires não dispunha nem
indicadores econômicos oficiais respeitáveis, corroídos pelo governo de
Kirchner. Mas estava ciente da herança nada bendita: a escalada
inflacionária, os gastos públicos inflados por subsídios sociais, o
protecionismo, os desequilíbrios macroeconômicos que impediam a atração
de investimentos.
Naquele ano de 2015, a Argentina teve sua maior taxa de crescimento
econômico, de 2,7% dos últimos quatro anos. Recuou 2,1% no ano seguinte,
voltou a subir 2,7% em 2017 e, no ano passado, o Produto Interno Bruto
(PIB) caiu 2,5%. Macri entregará o bastão a Fernández ou começará seu
segundo mandato com queda de 1,2%, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a quem o país deve os 57 bilhões de dólares em
ajuda financeira acertada em 2018. Em quatro anos, a economia argentina
encolheu 164 bilhões bilhões de dólares e chega a estas eleições
totalizando 478 bilhões de dólares – um quarto do brasileiro.
O déficit orçamentário definitivamente reduziu, de -6,5% do PIB, em
2015, para 0,7% do PIB, neste ano, graças à política de ajuste fiscal
aplicada por Macri – considerada tímida e titubeante por setores
conservadores dentro e fora do país. Mas o desemprego passou de 6,5% da
força de trabalho, para 9,9%, e a renda per capital encolheu de 14.900
dólares para 10.600 dólares.
A taxa de inflação deverá fechar este ano em 43,7% e continua
incontrolável, alimentada pela taxa de câmbio em franca desvalorização. O
peso perdeu 51,3% de seu valor desde janeiro. O dólar fechou na
sexta-feira 25 cotado a 65 pesos, e 1,755 bilhão de dólares das reservas
internacionais foram queimadas para evitar depreciação ainda mais
acentuada.
Dos 45 milhões argentinos, 35,4% vivem hoje na pobreza. Antes ocultas
nas “villas miséria” e na periferia da Grande Buenos Aires, famílias
inteiras vivem há anos nas ruas e coletam lixo reciclável pelas áreas
turísticas do centro da capital, como se vê amiúde em São Paulo. Os
bumbos peronistas são escutados frequentemente nos piquetes que
bloqueiam as principais artérias da Grande Buenos Aires, em protesto
contra o fim de subsídios e as condições cada vez mais precárias de
vida.
Fernández e Macri prometem soluções díspares para esse amontoado de
problemas. O primeiro quer se distanciar da fórmula liberal, mas ao
mesmo tempo evitar o caminho fácil do populismo de Cristina Kirchner,
sua candidata a vice. Promete renegociar o acordo com o FMI, não dar
novo calote aos credores do país e trazer sensibilidade social à
política fiscal. Seu maior desafio, porém, será “tourear” a
temperamental Cristina. Macri insiste em manter o rumo traçado, com
correções pontuais.
“Na Argentina, o presidente não é um servidor eleito, mas a
personificação de um herói. Ele é uma estátua em praça pública antes de
ser presidente”, afirma o analista político Carlos De Ángelis, ao tratar
da vaidade e da ambição política de chegar ao posto mais alto do
Executivo. “O poder é sempre uma imã.”
A possível vitória de Fernández-Kirchner, entretanto, reforça a tese
de que não é mais possível governar a Argentina fora do peronismo. Em
especial, quando o Congresso – ou pelo menos o Senado – é dominado pelo
Partido Justicialista e seus tentáculos. Desde a redemocratização, os
exemplos de não-peronistas com dificuldades em terminar seus mandatos
foram marcantes.
Primeiro presidente civil eleito desde a ditadura, Raúl Alfonsín,
da União Cívica Radical (UCR), entregou a Presidência antes de terminar
seu mandato ao peronista Carlos Menem. De La Rúa saiu da Casa Rosada em
helicóptero para evitar a multidão que se aglomerava na Praça de Maio
e, ao final, foi substituído pelo peronista Eduardo Duhalde em dezembro de 2001. Em maio de 2003, começou a era dos peronistas Néstor e Cristina Kirchner, que perdurou 12 anos.
Macri se vê arriscado a não ser reeleito e a repetir a decisão de
Alfonsín. “Esta eleição foi de Macri contra Macri. Ele perde para seu
próprio governo”, afirma De Ángelis.
(Por:Veja.com.br)
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