AFRICA/SOMÁLIA
No
dia 14 de outubro, a Somália foi palco do maior atentado de sua
história. Ao todo, 358 pessoas morreram e mais de 270 ficaram feridas.
Mas este não foi o único ataque. Há mais de 26 anos, o país vive uma
constante guerra civil que, raramente, chega às primeiras páginas do
noticiário internacional. Um caminhão, carregado com centenas de
quilos de explosivos, atingiu um cruzamento movimentado em Mogadíscio.
O ataque não foi reivindicado por nenhum jihadista, mas as autoridades
somalis atribuíram a ofensiva ao grupo fundamentalista islâmico Al
Shabab, que vem aumentando suas ações no centro e no sul do país nos
últimos meses.
A Somália é uma das nações que mais registram ataques terroristas no
mundo (está na 7ª posição, atrás de Iraque, Afeganistão, Nigéria,
Paquistão, Síria e Iêmen, de acordo com o Global Terrorism Index).
Os combatentes do Al Shabab, ligado à Al-Qaeda, tentam derrubar o
governo central apoiado pelas Organizações da Nações Unidas (ONU) e pela
União Africana (UA), atacando bases militares e alvos civis.Para
entender porque o país vive em constante conflito é preciso uma
"compreensão da guerra civil na Somália, e da existência e tipo de ação
de grupos como o Al Shabab", explicou o cientista político e professor
de Relações Internacionais da Universidade Mackenzie Arnaldo Francisco
Cardoso.
"O país africano afirmou sua independência em 1º de
julho de 1960, descolonização ocorrida num contexto de disputa
ideológica da Guerra Fria cujos reflexos internos podem ser observados
durante a guerra com a Etiópia em que a Somália, apoiada pelos Estados
Unidos, foi derrotada pelo país vizinho apoiado pela União Soviética",
acrescentou o cientista político.
No entanto, o caos se
instaurou mesmo a partir de 1991, quando o ditador Mohamed Siad Barre
foi derrubado. Isso deixou o país sem um governo efetivo e em mãos de
milícias radicais islâmicas, senhores da guerra que respondem aos
interesses de um clã determinado e grupos armados. A última eleição
realmente democrática na Somália aconteceu em 1969. Até os dias de hoje,
"o país enfrenta desafios de produzir alguma coesão social que permita a
existência de um governo central legítimo capaz de oferecer os serviços
básicos para sua população e um ambiente propício para o
desenvolvimento econômico e social", disse Cardoso.
Além dos
ataques terroristas, os jihadistas impedem o acesso de grupos
humanitários, o que tem agravado a fome no país, atingido por uma forte
seca. De acordo com dados da ONU, mais de 6 milhões de pessoas precisam
de ajuda. Este número corresponde à quase metade da população da
Somália. Neste ano, em fevereiro, o governo decretou catástrofe
nacional.
No
mesmo mês, o país elegeu seu novo presidente após ter adiado as
eleições por cinco vezes. O ex-primeiro-ministro Mohamed Abdullahi
Farmajo foi eleito pelo Parlamento. "Um Estado falido é como a
Somália é percebida pela comunidade internacional", disse o professor da
Mackenzie,
ressaltando que, desde os anos 1990, a ONU e a UA
constituíram forças internacionais para Missões de Paz no país com o
objetivo de "pacificar e promover o diálogo e cooperação". Mas não foram
apenas os problemas humanitários que colocaram a Somália em evidência.
"Depois do atentado de 11 de setembro de 2001, Estados falidos passaram a
ser percebidos como ameaça a segurança internacional por se
constituírem em ambiente propício para o desenvolvimento de grupos
radicais que utilizam da violência e do terror para perseguir seus
objetivos políticos", acrescentou Cardoso.
Os extremistas são
adeptos do wahabismo, versão fundamentalista da vertente sunita do Islã,
enquanto a maioria dos somalis segue a linha do sufismo, considerada a
"corrente mística e contemplativa" da religião. Al Shabab significa "A
Juventude" em árabe. O grupo surgiu como uma ala radical da hoje extinta
União das Cortes Islâmica da Somália em 2006, enquanto combatia forças
etíopes que invadiram o país para apoiar o fraco governo interino.
O
grupo impôs uma versão rígida da sharia (lei islâmica) nas áreas sob o
seu comando. Entre as principais regras estão o apedrejamento até a
morte de mulheres acusadas de adultério, além do amputamento dos
acusados de roubo. A onda de violência causada pelo Al Shabab e até
mesmo a instabilidade do governo da Somália tem causado um aumento no
número de deslocados que tentam fugir da guerra civil instaurada no
país.
"Nos últimos anos, os deslocados na Somália já passaram
de três milhões, sendo uma parte significativa os que se lançam ao mar
buscando refúgio em países da Europa, como a Itália", explicou o
professor da Mackenzie. Durante os últimos cinco anos, quando a crise
migratória no continente europeu aumentou consideravelmente, a Itália
tem sido uma das principais portas de entrada para imigrantes ilegais.
Neste ano, segundo a Agência
Europeia de Guarda de Fronteira e Costeira (Frontex), o número de
imigrantes ilegais que chegaram à Itália pelo Mediterrâneo foi de 99,8
mil pessoas. A crise na Somália, inclusive, tem sido uma das
responsáveis pelo recebimento excessivo de refugiados no país da bota, o
que elevou o número de crimes de ódio na Europa, praticados contra
imigrantes e refugiados. Com informações da Ansa.
(por Luciana Ribeiro, da Ansa)
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