SAÍDA TEMPORÁRIA
O ex-presidente Lula retorna para a Superintendência da Polícia Federal,
em Curitiba (PR), após participar do velório de seu neto, Arthur Lula
da Silva - 02/03/2019 (Ricardo Stuckert Filho/Instituto Lula/Reuters)
Às oito horas deste sábado, 2, a movimentação em frente do Cemitério e
Crematório Jardim da Colina era de um sábado qualquer. A pequena
aglomeração dividida em subgrupos anônimos de professores de escolas
públicas, sindicalistas, jornalistas e moradores do chamado ABC paulista
que perderam crianças para doenças fulminantes se reuniam ali, com
motivações diferentes, mas pela mesma despedida: a de Luiz Inácio Lula da Silva do neto que levava o seu nome, Arthur Lula da Silva, de 7 anos.
A presença minguada era resultado de um alinhamento do PT e
de apoiadores há muito tempo não vista no país. A licença constitucional
para deixar a cadeia para enterrar (nessa caso, cremar) um descendente
teve uma máxima extra a ser honrada pelo presidiário Luiz Inácio Da
Silva: o silêncio das massas.
Foi a cartada final dos advogados do petista para a Polícia Federal,
responsável pela prisão de Lula: o compromisso nacional do partido,
agremiações e simpatizantes de se manterem longe, e, em silêncio.
Até uma hora antes do início da cerimônia de cremação, excluindo
algumas manifestações pontuais, o pacto foi mantido. A cancela do
cemitério foi sendo liberada por comissões improvisadas com anuência dos
funcionários da empresa funerária. “Você quer entrar por quê? Conhece
quem? Não está com equipamento de gravação, né?”, perguntava um
porteiro, até a intervenção de uma professora da região: “pode deixar, é
pessoa simples, eleitor da vizinhança, vai respeitar o luto sem
manifestação nenhuma.”
Fernando Haddad,
o quase herdeiro político de Lula, foi o primeiro a chegar, perto das
oito da manhã. Discretamente, em carros com janelas escuras, vieram José Genoino, Arlindo Chinaglia e a ex-presidente Dilma Roussef.
Só às 11h, quando os helicópteros da Globo e da Polícia Federal
anunciaram a chegada do ex-presidente, a reunião difusa de pessoas tomou
forma de multidão. Os gritos de “Lula livre” e “Moro, a sua vez vai
chegar”, apertaram, o número de pessoas impedindo a passagem de carros
triplicou e reforços policiais começaram a entrar marchando pela porta
do Jardim da Colina e os civis não puderam entrar mais. Lula estava em
terra.
O ex-líder sindicalista de São Bernardo entrou pela porta dos fundos
do crematório, o mesmo onde se despediu de sua mulher, a ex-primeira
dama, Marisa Letícia da Silva, quase um ano antes de ser preso em
Curitiba. À sua espera, ao menos dez camburões da PF e uma barreira
policial que não permitia ninguém usar o acesso alternativo. Até a noite
anterior, assessores do Instituto Lula, do PT nacional e funcionários
do cemitério respondiam com as mesmas palavras ao pedido de confirmação:
não há informação nem da vinda de Lula, nem que seu neto seja velado e
cremado no local.
A floricultura que atende o cemitério são-bernardense recebeu um
número imenso de encomendas desde a tarde do dia anterior. Segundo a
proprietária, que vende coroas e placas para figuras do reduto petista
há trinta anos – e pediu sigilo do nome para não atrapalhar os negócios
-, assim que a morte de Arthur foi anunciada, perto do meio dia de
sexta-feira, 2, ela começou a receber as encomendas para a cerimônia de
cremação no Jardim Colina. Muitas caprichadas, como é costume de quem
não vai aparecer para a circunstância. Não se tratavam, nesse caso, de
agendas ocupadas. Era parte do cumprimento da promissória dada aos
advogados que conseguiram a única saída de Lula desde a sua prisão em
2018: quanto menos, melhor.
O ex-senador Eduardo Suplicy, hoje vereador paulistano, foi o único
petista histórico a deixar o cemitério a pé. Emocionado falou a VEJA do
choro de Lula ao encontrar a família e, não menos emocionado, ao
agradecer a presença dos desconhecidos no reduto de cremação – até a
sala ritualística ficar relativamente cheia, se permitiu a entrada de
apoiadores sem relação com a família Lula da Silva.
O ex-presidente cumpriu o rito de despedida do neto e deixou a
cerimônia em silêncio. Visivelmente abatido e muito envelhecido desde a
sua última aparição, em junho do ano passado, Lula saiu do ritual de
cremação tão cercado que era difícil de enxergar sua cabeça quase branca
entre os uniformes militares. Mas ergueu os olhos e ergueu a mão. A
militância veio abaixo.
O ex-presidente já havia deixado São Bernardo há mais de uma hora e
sua plateia, liberada do tratado de seus advogados, berrava “Olê, olê,
olê, olé. Lula, Lula”, pelas praças do cemitério e Crematório Jardim da
Colina.
( Por
Ana Weiss, de São Bernardo do Campo/Veja.com.br)
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