quinta-feira, 31 de julho de 2014

Aplicativo desenvolvido na UFRN pode reduzir casos de dengue. Dispositivo fornece informações em tempo real para autoridades de saúde do município

INOVAÇÃO

RICARDO VALENTIM
Uma criação simples que pretende resolver um problema complexo: o combate à dengue. Desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), um aplicativo para celulares quer diminuir o número de casos da doença em Natal, ao fornecer informações em tempo real para autoridades de saúde do município.

O Observatório da Dengue é uma plataforma na Internet pela qual moradores da capital potiguar podem denunciar focos de mosquitos e casos suspeitos da doença no bairro onde vivem. A página pode ser acessada no endereço eletrônico www.telessaude.ufrn.br/observatoriodadengue.

A tela solicita poucas informações: nome, e-mail, endereço e – se possível – uma foto. Após o envio dos dados é requerida uma confirmação por e-mail, que efetivará a notificação à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Para os gestores públicos, o conjunto de denúncias feitas pelos cidadãos forma um mapa que possibilita visualizar onde há suspeitas da doença e onde existem mosquitos transmissores. A partir daí, agentes são enviados às localidades para fazer o controle dos insetos e orientar os possíveis doentes.
“Essa ferramenta, se bem utilizada, pode se tornar a chave para se ter controle absoluto da dengue em nossa cidade”, avalia Ion de Andrade, epidemiologista da SMS, que enxerga como  principal vantagem do invento a agilidade com que os responsáveis pela saúde no município poderão obter informações.

Anteriormente, relatos de casos da doença chegavam à Secretaria através do disque-dengue ou por meio de estatísticas coletadas após atendimentos em hospitais, reunidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por esses métodos, os dados levam até 45 dias para ficarem disponíveis aos gestores, embora ações de combate a epidemias precisem ser tomadas rapidamente. “Uma coisa é você saber agora que há focos e mosquitos em uma mesma região da cidade, outra é saber só daqui a um mês, quando quem era de ficar doente já ficou”, comenta Ion Andrade.

“Essa ferramenta, se bem utilizada, pode se tornar a chave para se ter controle absoluto da dengue em nossa cidade”, avalia Ion de Andrade, epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde
Hoje a prevenção acontece com visitas rotineiras a residências, realizadas por agentes de saúde que percorrem, por etapas, os bairros da capital. Com o aplicativo, será possível complementar o trabalho ao encaminhar equipes especialmente para resolver os casos notificados. “Se a comunidade aderir, a capacidade de resposta à dengue cresce muito”, pondera o epidemiologista. “Cada vez que a doença aparecer, o agente vai lá e controla”.

Há apenas duas semanas no ar, e em fase de aperfeiçoamento, o Observatório da Dengue ainda não conta com estatísticas de uso. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, serão produzidas campanhas publicitárias para informar a população sobre a existência da plataforma e incentivar sua utilização.

Desenvolvimento
A ferramenta é criação do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS), setor dedicado à pesquisa no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). A equipe de desenvolvimento envolve estudantes de pós-graduação, profissionais da Saúde e engenheiros da UFRN e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

A ideia surgiu em um trabalho de conclusão de curso dos então estudantes do IFRN Daniele Montenegro, Jalerson Lima e Philippi Sedir, hoje alunos de mestrado na UFRN. Philippi Sedir, também professor subistituto na Universidade, lembra que a iniciativa pretendia localizar geograficamente focos de Aedes aegypti da maneira mais simples possível, por isso a escolha pelo aplicativo para telefones celulares.
“Entramos em contato com o pessoal da SMS, que nos deu subsídio para termos um sistema mais consistente, que tivesse mais aplicação no ambiente real”, conta Sedir. “Quando começamos a desenvolver, tínhamos noção do que precisávamos, mas tudo era muito acadêmico. A interação com a Secretaria permitiu que o sistema passasse a ser adequado à demanda real do trabalhador da saúde”, analisa.
Além do espaço destinado às denúncias de casos suspeitos pelos cidadãos, a plataforma possui ainda um módulo voltado aos agentes de endemias. O software informatiza o processo de coleta de informações durante as visitas dos profissionais às residências, aos substituir as tradicionais pranchetas por computadores portáteis.

A mudança reduz o tempo entre a visita do agente e a disponibilização dos dados para os supervisores, além de facilitar a produção de mapas e relatórios e sofisticar as informações reunidas com detalhes como o percurso dos profissionais atualizado em tempo real, quais residências foram visitadas e a localização precisa dos focos.

Ricardo Valentim, pesquisador do LAIS e coordenador do Observatorio da Dengue, calcula que o método informatizado deve gerar economia de 2,4 milhões de reais por ano para o município de Natal. Entretanto, o professor acredita que o maior ganho não é a redução do gasto público, mas a otimização do processo de trabalho dos agentes de endemias.

“Hoje, como tudo é feito em papel, até os dados coletados pelos agentes chegarem na SMS leva de 30 a 45 dias. Acontece que a larva do mosquito leva sete dias para eclodir”, explica Valentim. “Quando o gestor público toma as decisões, já teremos a quarta geração do mosquito, o tataraneto do mosquito voando”, brinca. “Eu já posso inclusive ter um quadro epidemiológico instalado sem estar sabendo. Com o sistema, isso é online. Podemos até disparar alertas imediatamente para as autoridades”.

O módulo voltado aos agentes de endemias está em fase de implantação na SMS, e depende de assinatura de convênio entre UFRN, IFRN e o município, já que – ao contrário da página destinada a denúncias de cidadãos – essa parte do projeto requer aplicação de recursos em treinamentos, em equipamentos e no desenvolvimento de outras etapas da plataforma.

Philippi Sedir, professor substituto na UFRN, lembra que a iniciativa pretendia localizar geograficamente focos de Aedes aegypti da maneira mais simples possível, por isso a escolha pelo aplicativo para telefones celulares
Já houve contatos entre o LAIS e a coordenação do Programa Nacional de Controle da Dengue, do Ministério da Saúde, para levar a ideia para todo o País. Valetim reafirma a pretensão de tornar o produto nacional, mas diz que o grupo de pesquisadores pretende, antes, concluir com êxito a implantação em Natal, para somente então expandir a ferramenta para outros municípios.

Dengue
A dengue é considerada por epidemiologistas um grave problema de saúde pública no Brasil, assim como em outras regiões tropicais do mundo. Além da presença do vírus e dos mosquitos, fatores econômicos e sociais facilitam a ocorrência da doença em ambientes urbanos.

Hoje, Natal não vive uma epidemia de dengue. Números divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde contabilizam pouco mais de mil casos em 2014, o que representa aproximadamente 125 ocorrências por grupos de cem mil habitantes. Seis mortes foram provocadas pela doença no período.

Em 2001, a capital potiguar registrou mais de 19 mil casos. Em 1997 e 1999 a quantidade de doentes ultrapassou 15 mil, e nos anos de 2003 e de 2008 o número de pessoas infectadas foi superior a 10 mil.Ion Andrade, da SMS, comemora o fato de o Observatório da Dengue entrar em operação em um momento em que a doença está controlada no município. “A proposta não veio para apagar incêndios. Quando for necessário conter uma epidemia, o dispositivo já estará disponível”.

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