POLÊMICA
Depois de dez anos visitando o marido preso todos os meses, a
recepcionista V., 36 anos, tem esperança de que o governador Geraldo
Alckmin (PSDB) sancione o projeto que acaba com a revista íntima nas
unidades prisionais do Estado de São Paulo. “Sei que existem normas a
seguir, mas dá para fazer isso sem deixar de respeitar o visitante”, diz
sobre o que ficou conhecido como revista vexatória.
“Você tem que tirar toda a roupa e agachar três vezes de frente, três
vezes de costas. Um dia a funcionária me fez agachar quase 15 vezes.
Ela disse que não estava conseguindo me ver. E falava: ‘faz força, abre
essa perna direito’”, conta a vendedora Priscila Oliveira, 27 anos, que
durante dois anos visitou o irmão preso todos os finais de semana. “Sem
contar quando pedem para você abrir seus órgãos genitais. Tem lugar que
tem até espelho. É tudo para humilhar, para constranger”, afirma
Priscila.
A revista íntima é o meio que o Estado encontrou para coibir a
entrada de armas, drogas e celulares nas prisões. As estatísticas,
contudo, mostram que a maior parte dos itens proibidos apreendidos não
entra com as visitas. Segundo dados da Secretaria da Administração
Penitenciária de São Paulo (SAP), em 2013, foram encontrados 10.371
celulares nas prisões, dos quais 394 (3,7%) foram levados por
visitantes. Quanto às drogas, do total de 3.485 apreensões, 396 eram de
visitas (10,2%). Sobre armas de fogo, ”não há ocorrências de apreensões
de armas nas unidades prisionais da SAP há vários anos”, diz a pasta.
Para Vivian Calderoni, advogada da ONG Conectas Direitos Humanos, os
dados mostram que a revista vexatória não garante a segurança do
sistema. “Como se não bastassem todas as violações, os números provam
que não são os familiares que levam esses objetos. Nada justifica uma
humilhação dessas. Não se pode realizar um procedimento tão invasivo por
causa de poucos”, afirma.
Em nota, a SAP afirma que os servidores do sistema penitenciário
realizam “revistas rigorosas, porém não constrangedoras nem vexatórias”.
Prática ilegal
Embora tenha se tornado comum, a revista íntima é uma prática ilegal.
A Lei de Execução Penal diz que a pena é personalíssima e só pode
atingir o autor do crime; a Constituição Federal traz o princípio da
dignidade da pessoa humana e dispõe que ninguém será submetido a
tratamento desumano ou degradante; por fim, a revista vexatória vai
contra compromissos que o Brasil assumiu perante as organizações das
Nações Unidas (ONU) e dos Estados Americanos (OEA), de respeito aos
direitos humanos.
Além disso, em São Paulo, regimento interno da Secretaria de
Administração Penitenciária diz que a revista íntima pode ser feita
“quando necessário” e “em local reservado, por pessoa do mesmo sexo,
preservadas a honra e a dignidade do revistado”. A prática, que deveria
ser regra, virou exceção.
“Não é individual. Entram quatro, cinco mulheres ao mesmo tempo, com
criança, todo mundo junto. Fazem a gente agachar e as crianças ficam lá,
olhando a gente. Uma vez uma mulher entrou com um bebê de 8 meses. A
agente fez ela tirar a fralda da criança e mandou abrir as perninhas da
menina. Também já vi pedirem para uma senhora que não conseguia agachar
ficar de quatro. Um absurdo”, conta a autônoma Francisca, 41 anos, que
há seis anos visita o marido pelo menos uma vez por mês.
Redução das visitas
Para o advogado Bruno Shimizu, do Núcleo de Situação Carcerária da
Defensoria Pública de São Paulo, uma das consequências da revista
vexatória e da “criminalização do visitante” é a redução do número de
visitas, o que prejudica o processo de reintegração social do detento e a
superação das taxas de reincidência no País. “Muitos presos pedem para
que o familiar deixe de fazer a visita para não passar por esse
‘estupro’. À medida que o preso se afasta da família, ele se torna cada
vez mais vulnerável a retornar ao sistema penal, já que não terá muitas
escolhas a partir do rompimento dos laços. Quanto mais o sistema
penitenciário se apresenta fracassado, mais estimula o encarceramento em
massa”, afirma Shimizu.
E os parentes concordam. “A família não aguenta. Tem uma hora que
pensa ‘chega, basta, não tenho que pagar por ele, quem está errado é
ele’. Aí abandona”, diz a recepcionista V.. “É como se a gente que
tivesse cometido o crime. Mas nós não cometemos, só estamos ali para
visitar um parente que é sangue do nosso sangue. O Estado vai fazer de
tudo para você abandonar (o preso), mas você não vai abandonar. Não vejo outro objetivo que não seja que a gente abandone”, continua a vendedora Priscila.
“O Estado tem alternativas”
O fim da revista íntima nas 159 unidades prisionais do Estado está
agora nas mãos do governador, que tem até o dia 13 de agosto para
decidir se sanciona ou veta o Projeto de Lei 797/2013, já aprovado na
Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Se for sancionado, estará
proibida a exigência de que visitantes devem “despir-se, fazer
agachamentos ou dar saltos e submeter-se a exames clínicos invasivos”. A
nova lei diz ainda que a revista deve continuar existindo, mas terá de
ser feita por meio de equipamentos como scanner, detector de metal e
raio-x, de forma que preserve a “integridade física, psicológica e moral
do visitante”.
A OAB-SP apoia o fim da revista íntima e sua substituição por outros
mecanismos que inibam a entrada de armas, drogas e celulares nos
presídios. “O principal desse projeto é que ele obriga o poder público a
tomar posição e realizar investimentos diante de um procedimento que é
vexatório para todos os envolvidos. Existem instrumentos capazes de
substituir a revista íntima, então o Estado tem alternativas. É uma
questão de segurança da qual não se pode abrir mão”, afirma Adriana de
Melo Martorelli, presidente da Comissão de Política Criminal e
Penitenciária da OAB-SP.
Superlotação e investimentos
O projeto de lei encaminhado ao Executivo propõe a tecnologia para
dar fim ao problema, mas existem outras alternativas. A advogada da
Conectas lista como opções a utilização de cães farejadores e a
realização das visitas em outros locais, e não no espaço de convivência
dos presos (celas e pavilhões). Dessa forma, a revista poderia ser feita
apenas no preso, sem a necessidade de passar pelo visitante.
O diretor-jurídico do Sindicato dos Agentes de Segurança
Penitenciária de São Paulo (Sindasp), Rosalvo José da Silva, concorda
que a realização das visitas no espaço dos presos é um problema e diz
que isso é fruto do colapso do sistema. “Os presídios estão
superlotados. As visitas não cabem todas no pátio de recreação, então o
preso foi autorizado a receber visitas dentro do pavilhão”, afirma. “Nós
somos a favor do projeto, mas desde que as unidades sejam devidamente
equipadas. É bom também porque acabaria com essa ideia de que o agente
comete abuso.”
Especialistas apontam que a melhor solução é o scanner corporal,
equipamento que custa de R$ 400 mil a R$ 500 mil. Por causa da radiação,
o raio- seria um problema para gestantes e para aqueles que fazem
visitas com frequência. Quanto ao detector de metais, a SAP afirma que
todas as unidades prisionais possuem o aparelho.
Autor da proposta, o deputado José Bittencourt (PSD) diz acreditar na
sanção e no “bom senso e espírito republicado” do governador Geraldo
Alckmin. “A saúde é cara, a educação é cara. Administrar é estabelecer
prioridades. Que haja planejamento e esforço orçamentário e de gestão”,
conclui.
Fonte: Terra
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