ESTUPRO VIRTUAL
Limbo jurídico - No Brasil, não há tipificação para o crime de abuso na internet (AIMSTOCK/Getty Images)
Começou com um nude. Paula (nome fictício), de
23 anos, enviou a Lucas Henrique (perfil fake), com quem tinha um
relacionamento virtual iniciado no Facebook, uma foto em que aparecia
nua. Lucas, então, passou a usar o nude para exigir vídeos em que a
jovem aparecesse masturbando-se. A ameaça era clara: ou Paula fazia o
que ele queria ou teria as imagens expostas na rede. Foram dois anos de
coações. “Não importava onde estivesse, ele me dava um prazo de vinte
minutos para eu correr para um banheiro e fazer a gravação. Eu me sentia
um lixo. Só pensava em me matar para acabar com aquele inferno”, disse
ela a VEJA, sob a condição de manter o anonimato.
As chantagens só cessaram depois que, pressionada a fazer
sexo real com o chantagista, Paula tomou coragem de procurar a polícia.
Os investigadores não tiveram dificuldade para chegar ao criminoso —
Lucas Henrique na verdade era Igor Gabriel da Silva, de 19 anos,
empregado de uma loja de material de construção em Carmo do Paranaíba
(MG), a mesma cidade em que mora Paula, empregada doméstica. “Ele disse
que aquilo lhe renderia, no máximo, um processo por danos morais”,
contou o delegado Ítalo Boaventura. Acabou indiciado por estupro,
classificação dada a outros dois casos semelhantes registrados em menos
de um mês — um no Piauí e o outro no Distrito Federal (em ambos os
episódios, as vítimas eram estudantes).
A tipificação de estupro para crimes cometidos em ambiente
virtual é inédita no Brasil e aumenta a discussão sobre a abrangência da
Lei de Estupro. Alterada em 2009, ela passou a considerar desnecessária
a ocorrência de penetração sexual para caracterizar o crime — agora
entendido como todo ato libidinoso praticado “mediante violência e grave
ameaça”. Obrigar alguém a produzir e enviar imagens eróticas sob a
ameaça de expor sua intimidade, portanto, corresponderia a essa
definição. Acontece que há dúvidas se ações desse tipo, restritas ao
ambiente virtual, justificariam a aplicação da pena de até dez anos de
prisão prevista para o estupro.
Alguns juristas acham que casos como o de Igor Gabriel da
Silva se enquadrariam no crime de ameaça ou difamação, cuja pena é
afiançável. “A interpretação de estupro é temerária porque dá margem ao
entendimento de que toda interação on-line considerada invasiva pode ser
classificada dessa forma. Não podemos banalizar um crime tão grave”,
diz a advogada Gisele Truzzi, especializada em crimes virtuais. Nos
Estados Unidos, crimes como esses seriam caracterizados como sextortion (ou extorsão sexual).
Há sete projetos de lei no Congresso que tipificam o crime
de divulgação não consentida de fotos íntimas na internet, mas nenhum
contempla a prática de extorsão sexual. No último dia 20, Igor Silva
teve a prisão preventiva decretada. Ao periciar seu computador, a
polícia descobriu que ele mantinha outras quatro jovens em situação
semelhante à de Paula, incluindo duas menores de idade.
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