domingo, 22 de outubro de 2017

Tráfico cobra ‘IPTU do crime’ na Cidade Alta

É BRINCADEIRA VIU!!!
 Um dos acessos à Cidade Alta

O aviso chegou por carta no fim de julho. “A partir do quinto dia útil de agosto, moradores irão pagar de R$ 5 a R$ 10 mensais para ajudar na segurança da comunidade”, dizia a correspondência, endereçada a todos os moradores da Cidade Alta, em Cordovil, na Zona Norte do Rio. Ao fim do texto, uma saudação acompanha a assinatura: “Atenciosamente, a tropa do mano”.

O “mano” citado no bilhete, segundo um inquérito da 38ª DP (Irajá), é Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, chefe do tráfico da favela, que está foragido. Uma cópia da carta está anexada numa investigação da distrital, que apura a criação de uma taxa de segurança pelo tráfico da Cidade Alta.

 Os valores a serem pagos, segundo apuraram agentes da delegacia, dependem do poder aquisitivo de cada morador: R$ 5 para os habitantes mais pobres, que vivem nos apartamentos mais antigos, e R$ 10 para os que têm melhor condição financeira. O valor é cobrado por domicílio.

O “IPTU da guerra” gera um lucro de até R$ 20 mil por mês à quadrilha só com as taxas pagas pelos moradores. A Cidade Alta tem pouco mais de 2.500 casas. Além dos moradores, pagam pedágio para o tráfico mercados, bares, comerciantes e responsáveis pela instalação de gatonet e internet nos apartamentos.

A carta ainda dá uma recomendação a moradores insatisfeitos com a cobrança: “caso haja alguma reclamação, por favor, procurar a associação de moradores, pois as taxas estão acessíveis e não chega ao ponto de qualquer reclamação”. Para a Polícia Civil, entretanto, a associação de moradores também foi cooptada pelo tráfico. No último mês de junho, agentes da 38ª DP prenderam os presidentes das associações da Cidade Alta e da vizinha Parada de Lucas, Wagner do Carmo Lima e Jubdervan Pereira de Menezes. Os dois são acusados de terem assumido os postos em novembro do ano passado, quando a facção de Peixão, o Terceiro Comando Puro (TCP), invadiu a favela e expulsou bandidos do Comando Vermelho (CV). Na ocasião, o antigo presidente da associação da Cidade Alta, que havia sido eleito pela população, teve que deixar a favela.

Carta endereçada a moradores foi assinada por Peixão
Carta endereçada a moradores foi assinada por Peixão Foto: Divulgação
Após a prisão de Wagner, no entanto, o tráfico o substituiu por outro integrante da quadrilha: Sidnei Barbosa do Nascimento, que está foragido.

— Ele assumiu a associação para ter controle sobre população da Cidade Alta, para facilitar a permanência da nova facção — afirma o delegado Delmir Gouvêa, titular da 38ª DP.

Pedágio para ônibus
A Polícia Civil também investiga se ônibus foram proibidos de entrar na Cidade Alta por se recusarem a pagar pedágio para o tráfico. Na correspondência enviada aos moradores, a cobrança a uma empresa de ônibus que controla uma linha que corta a favela é citada: “Em relação a empresa de ônibus que negou-se a prestar ajuda, os mesmos não poderão entrar na Cidade Alta até que entrem em acordo, caso contrário irão ser convidados a se retirar da nossa comunidade”.

Segundo moradores da favela, os ônibus deixaram, ao longo do mês de agosto, de parar dentro da favela. As linhas passaram a margear a comunidade. No entanto, quando foram intimados a prestar depoimento na 38ª DP, representantes da empresa negaram a extorsão. Procurado, o Rio Ônibus alegou que “a operação das linhas na região é regular, exceto em situações de insegurança que impõem a adoção de itinerários alternativos, para garantir a integridade de passageiros e rodoviários”.

Sidnei Barbosa do Nascimento, atual presidente da Associação de Moradores, está foragido
Sidnei Barbosa do Nascimento, atual presidente da Associação de Moradores, está foragido Foto: Divulgação
Peixão é conhecido na favela por ser controlador. Moradores afirmam que ele instalou câmeras por toda a comunidade para monitorar a polícia e moradores. O Disque-Denúncia (2253-1177) oferece R$ 2 mil por informações que levem ao bandido.

Disputa pela favela
Para tomar o controle dos pontos de venda de drogas na comunidade Cidade Alta, Peixão utilizou drones no reconhecimento do território, que foi invadido por seus comandados no fim do ano passado. Desde então, o TCP domina a favela.

Em maio, bandidos do CV tentaram retomar a comunidade. Para participar da invasão, foram recrutados criminosos de diversas comunidades do Rio. Vários dos fuzis apreendidos pela polícia tinham a inscrição “CX”, que investigadores dizem ser a identificação das armas da “caixinha” da facção — distribuídas para traficantes de várias favelas interessados em participar da ação.

No dia em que o CV tentou retomar a favela, a Polícia Militar realizou uma operação na Cidade Alta, na qual prendeu 45 pessoas — dois suspeitos foram mortos — e apreendeu 48 armas, sendo 32 fuzis.

No ocasião, nove sargentos do 16º BPM (Olaria) são acusados de terem ajudado traficantes do TCP a expulsarem o bando do CV. Uma investigação do Ministério Público e da Corregedoria da PM revelou que os policiais levaram traficantes dentro de um caveirão para dentro da favela.

Os sargentos Anderson Nandler S. do Nascimento, Fábio Costa da Silva, Antônio Carlos da Cruz, Ricardo Justino Lopes de Medeiros, Marcelo Augusto Cardoso Pereira, Marcelo Theodoro Miranda, Gilmar Baptista dos Santos, André Luiz Ferreira da Silva e Janderson Pereira Anacleto estão presos até hoje.

Numa operação em junho, policiais localizaram a casa de Peixão em Parada de Lucas. Não havia ninguém no local. O imóvel tem três andares, um deles um amplo terraço, e é monitorada por câmeras. Numa das fotos feitas pelos policiais, é possível ver um pequeno pula-pula na área externa da residência.

(Extra.Globo.com)

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